O fim do telescópio espacial Kepler |
Esta certeza antropocêntrica da centralidade humana no Universo, fruto da nossa miopia cósmica, perdurou durante centenas de milhares de anos e edificou cosmogonias, mitos e religiões, fortificadas por diversas civilizações humanas.
Apesar do grego Aristarco de Samos (310 — 230 a.C.) ter sugerido, tanto quanto se sabe, que a Terra deveria girar à volta do Sol, a centralidade da Terra perdurou inabalavelmente até ao século XVI da nossa era. Foi Nicolau Copérnico, baseado em milhares de observações astronómicas a olho nu, quem propôs a então herege Teoria Heliocêntrica: era o Sol o centro do Universo e todos os planetas então conhecidos orbitavam em seu redor. Ou seja: o Sol era o centro do Sistema Solar.
Foi com Galileu Galilei (1564 - 1642) - com a sua nova e metódica destreza instrumental e científica em observar o céu com o novíssimo telescópio, que ele próprio melhorou adequando-o com o que a técnica de então permitia para a melhor observação astronómica – que o cérebro humano conclui, perante as provas experimentais observáveis por qualquer um, que a hipótese de Copérnico estava certa, que o Sol tinha de ser o centro da observável “máquina do mundo”. As quatro luas de Júpiter e as fases do planeta Vénus, que Galileu observa em 1610, assim o sustentavam.
Devemos ao astrónomo francês Charles Messier (1730 – 1817) o mapeamento intensivo de corpos celestes só visíveis através do telescópio, o que deu origem ao designado, em sua honra, por catálogo Messier de “objectos” do céu profundo. Mas, apesar de ter registado no seu catálogo nebulosas, aglomerado estelares e aquilo que hoje sabemos se tratarem de galáxias, Messier e os seus contemporâneos continuavam a considerar o Sol como o centro do Universo humano.
Esta centralidade solar começa a ser erodida com o brilho explorado da Via Láctea. Mas sublinhe-se que até ao princípio do século XX a Via Láctea era a única galáxia entendida como tal. Tinha-se como certo que tudo o que se podia observar, com os melhores telescópios de então, cabia dentro da Via Láctea. Por outras vistas, nada se julgava ver para além da Via Láctea, o mesmo é dizer que o Universo se resumia à nossa galáxia.
Foi Edwin Hubble (1889 — 1953) quem descobriu, em 1923, com recurso ao telescópio Hooker no Observatório de Monte Wilson, nos Estados Unidos da América, que o que então se julgava ser uma nebulosa interina da Via Láctea se tratava, de facto, de uma “nova” galáxia, a Andrómeda, situada muito para além dos limites da nossa galáxia. Descobria também que essa e outras galáxias logo depois identificadas se afastavam umas das outras com velocidades proporcionais às distâncias que as separavam. O “novo” e estonteante Universo estava em expansão. A Via Láctea era uma entre muitas e muitas outras galáxias e não era de maneira nenhuma o centro do Universo! A mente do Homo sapiens expandia-se com assombro cósmico.
E, na década de 90 do século XX, com o fantástico desenvolvimento técnico na sensibilidade dos telescópios mais modernos, foi possível dectectar “pequeníssimas” oscilações na posição das estrelas e variações periódicas dos seus brilhos: descobria-se e confirmava-se a existência de planetas extrassolares, ou exoplanetas, novos mundos a orbitarem as estrelas celestes. Desde então, já foram detectados mais de três mil exoplanetas e estima-se que entre 30 a 50 por cento das estrelas visíveis sejam orbitadas por planetas.
Um telescópio em particular, o telescópio espacial Kepler, da NASA, contribui para a descoberta da maioria desses exoplanetas, em particular de vários planetas rochosos com dimensões similares às da Terra e a distâncias das suas estrelas que poderão permitir a existência de água no estado líquido: orbitam o que se designa, com muita esperança, por “zona de habitabilidade”!
O telescópio espacial Kepler, que começou a explorar a luz das estrelas em 2009, terminou esta semana a sua funcionalidade por o seu combustível ter chegado ao fim. Mas a NASA adiantou que há ainda muito mais a descobrir com os dados ainda não estudados que o Kepler captou e enviou para a Terra. São ainda muitos os mundos a desvendar neste Universo assombroso…
António Piedade
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva