Os tentáculos loucos da mentira

|Hélio Bernardo Lopes|
Duvido cabalmente de que exista por aí quem não tenha já percebido que a loucura se apossou das rédeas do funcionamento das comunidades humanas do munto em que se vive. Cada dia que nos chega traz-nos novas preocupações, invariavelmente envoltas em loucura, ou a continuação rejuvenescida das surgidas anteriormente. 

Tudo o que é, de pronto deixa de ser, ao mesmo tempo que cresce velozmente a descrença na generalidade das instituições, das nacionais às internacionais. É a essencialíssima marca do tempo destes dias. É desta incessante sequência de loucuras que aqui deixo uma boa dose de pinceladas

01 – Lamentavelmente, o PSD não vai lá. Nem mesmo com Rui Rio o partido consegue andar para diante. Trata-se, porém, de uma realidade fortemente entrópica ao nível deste partido, porque a sua história é a de uma espécie de tudo em nada. Sem reais raízes ideológicas, o PSD foi sempre um partido da nossa Direita, objetivamente liberal, adaptando a sua tática à situação prevalecente no momento. O que se passa agora com a liderança de Rui Rio resulta, como já todos perceberam, do minar, mais que esperado, por parte dos que nunca verdadeiramente o desejaram ao nível dos vencidos do Diabo.

02 – Igualmente lamentável foi a posição assumida pelo PS de António Costa em relação à atual legislação laboral, marca muito forte da anterior Maioria-Governo-Presidente. Infelizmente, perante um teste tão significativo e decisivo, mais uma vez o PS se mostrou na mais cabal consonância com o seu percurso histórico neste domínio: completamente alinhado com a Direita.

03 – Dentro da mesma frequência política, aí nos volta a surgir mais um desagradável confronto ao redor dos professores. Uma realidade que também já se estende ao ensino superior. Para já não referir o modo indireto de colher mais dinheiro junto das famílias dos alunos, graças a manobras de natureza administrativa. Simplesmente lamentável e um fator crescente de descrédito.

04 – Logo de imediato, o caso da essencialíssima limpeza das matas. Sofremos o flagelo dos incêndios florestais, não houve quem não apontasse a desorganização da floresta como causa essencial e acumulada daquele flagelo. Esqueceram-se, quase todos, de referir a vaga de fogo posto, sabe-se lá com que intenções... De molde que o Governo fez-se à tarefa que todos reconheciam como essencial. Pois, assim como tal tarefa era essencial, de pronto passou a ser colocada em causa, sejam as razões as que forem. Uma velha marca lusitana. Desta vez, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ficou-se a anos-luz da sua dureza da outra vez...

05 – No entretanto e no meio dos maiores hinos à tolerância religiosa, eis que vem prosseguindo uma objetiva perseguição às Testemunhas de Jeová e à IURD. Sucedem-se os pedidos de ilegalização, ao mesmo tempo que se desenvolve uma feroz campanha de desacreditação daquelas estruturas religiosas, tendo como base testemunhos pessoais e casos com uma dimensão ínfima. Isto se quisermos usar de honestidade intelectual e nos determinarmos a olhar os milhares de casos de vergonha e crime perpetrados por todo o mundo por sacerdotes da Igreja Católica Romana. Tolerância religiosa...

06 – Logo um pouco adiante e aí nos surgiu, mais uma vez, o problema da recondução de Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral da República. Desta vez o tema foi abordado em edição recente do i, por onde se ficou a saber que, supostamente, a nossa concidadã estará na disposição de continuar no cargo. Mas não foi o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa que veio logo salientar que era ele quem iria decidir, tendo em conta a proposta do Governo?! Então e agora? Ninguém diz nada?!!

07 – Também as relações luso-angolanas voltaram a ser alvo da ação noticiosa. Um dado que me suscita esta dúvida: como continua o Governo de Angola a manter-se alinhado com Portugal, em vez de procurar diversificar a sua rede de relações de todo o tipo? Alguém terá de vir um dia a explicar-me os motivos que certamente estarão por detrás desta continuação de relações bilaterais, já sem grande lógica.

08 – Um pouco mais para Leste e lá nos surge Espanha, terra de onde não se esperam bons ventos nem bons casamentos. Desta vez e depois de Almaraz, aí nos chegaram agora os ecos do nascimento de uma mina de Urânio a céu aberto, lá para os lados de Salamanca. A sorte é que os nossos órgãos de soberania estão atentos, para mais depois das mil e uma visitas do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a Madrid e das correspondentes vindas dos Reis de Espanha a Portugal. Portanto, não deverão vir a ter lugar problemas capazes de suscitar preocupações.

09 – Já agora muito pior é o que se passa no Brasil, terra criada a partir de Portugal e que de nós herdou e multiplicou os nossos piores traços de sempre. Um dado significativo: morre um preto, em média, a cada vinte e três minutos por via de violência policial. Desta vez, coube o azar a Marielle Franco, jovem repleta de potencialidades políticas e que bem poderia vir a ser uma espécie de Obama no Brasil. As milícias, a soldo da polícia e do poder de brancos ricos, resolveu pôr um fim nesta mulher política, em face do risco que estimou. O caso só não é mais grave porque o Brasil é um Estado de Direito Democrático – é o momento da gargalhada –, como se está a ver com a situação de Michel Temer e se viu com Lula e com Dilma... E tanto assim é, que o mundo quase nem ligou a esta execução de Marielle Franco. A democracia ocidental em movimento...

10 – A verdade é que a situação do mundo não vai bem. Mesmo com bastante desatenção ao que nos é relatado por via noticiosa, percebe-se que a pobreza e a guerra estão um pouco por todo o lado do mundo. Mas não são tratados de modo igual, mormente ao nível da grande comunicação social ocidental. A pobreza no mundo e a guerra destes dias está presente, sobretudo, nos locais aonde o Ocidente chegou por via dos Descobrimentos. O que resultou podemos ver olhando o continente africano, o subcontinente americano, todo o sul asiático, bem como o Médio Oriente. Mesmo os Estados Unidos são já uma degenerescência perigosa das diversas aventuras dos colonizadores da Europa Ocidental. Têm os mesmos defeitos da origem, mas pioraram-nos.

11 – Esta realidade pode hoje ser vista, por exemplo, em face do que se passa na Síria, que era um país calmo e pacato, embora não fosse uma democracia à dimensão do interesse ocidental. Como José Pacheco Pereira muito bem referiu na última QUADRATURA DO CÍRCULO, a guerra civil na Síria começou, em grande parte, com a participação dos ocidentais, com os ingleses, os franceses e os americanos a armarem as milícias contra Assad. E, de facto, não foi em grande parte, mas na parte toda. É claro que é doloroso assistir, quase em tempo real, ao que nos é contado sobre a Síria, com verdades e mentiras. O problema é que o que se passa de muito pior noutros locais do mundo simplesmente não é noticiado. É a democracia ocidental em movimento.

12 – Como teria de dar-se, a Rússia tornou-se no adversário criado pelo Ocidente. Há já umas boas décadas, numa conversa que mantinha com Nuno Abecassis e Tomás Espírito Santo, do primeiro se ouviram estas palavras, a propósito das mudanças operadas por Gorbachev: isto é uma chatice, porque o Ocidente precisa de ter um inimigo. E tinha razão. Sem comunismo, ao menos capaz, quem poderia ser o inimigo? Bom, já o criaram, como por igual estão a recriar a Guerra Fria: o inimigo é agora a Rússia, para mais dirigida por um patriota como Vladimir Putin, já sem a ingenuidade de Gorbachev e sem a dependência do álcool como Yeltsin. Além do mais e à semelhança de George Bush – o pai –, também foi diretor de uma secreta.

13 – Perante as eleições presidenciais russas deste domingo, naturalmente com a garantia de vitória de Vladimir Putin, o Ocidente está em desespero. E foi neste contexto que se determinou a aparentar mandar desta para melhor o traidor russo Sergei Skripal, atingindo por igual a sua filha e um polícia britânico. Como se percebe facilmente, se Putin teria sempre de sair vencedor desta eleição, perante os resultados da sua ação política, Theresa May estava claramente em apuros. Resultado? Voltou a aplicar-se o método usado com Litvinenko: se já é um traidor russo e se põe a falar contra o seu país, se for assassinado, talvez se acredite que foi Putin... É uma equação demasiado simples para não ser resolvida por quem deteste a Matemática. O problema é que nós conhecemos os casos d’OS SEIS DE BIRMINGHAM, d’OS QUATRO DE GUIILFORD e d’OS SETE MAGUIRE, mas por igual a alegria com que Thatcher visitou Pinochet em Londres e já sob detenção domiciliária. Pinochet que foi deixado sair do Reino Unido, a caminho do Chile, depois de Jack Straw ter indicado ao Supremo Tribunal do Reino Unido que o caso era político e de saúde e não judicial. A separação de poderes ao vivo. Um mimo...

14 – No meio de toda esta barafunda, a cabalíssima inoperância das Nações Unidas, onde António Guterres se mostra já muito distante – para pior – de Boutros Boutros Gali. Sem espanto, o caso das resoluções sobre a Palestina, nunca cumpridas por Israel, quase não merece reparos, se excetuarmos aquela graça dos dois Estados. No entretanto, Israel avança, agora já de um modo claro, para um só Estado: o Estado Judaico, com capital em Jerusalém. É o descrédito supremo da ONU e do seu Secretário-Geral, completamente ignorados no seu funcionamento e na própria Carta das Nações Unidas.

15 – Nos bastidores de tudo isto, os Estados Unidos. Os tais que mantêm Guantánamo, autêntico satélite da Terra para lá da Lua. Os que fizeram o que se viu a Mohamed Ali, que nunca explicaram os homicídios dos Kennedy e de Martin Luther King, apesar de se saber tudo muitíssimo bem. Os responsáveis pelos crimes ligados aos voos de rendição da CIA e às torturas desta estrutura reveladas pela brigadeiro-general Janis Karpinsky.

16 – Não deixa de ser interessante olhar o modo cinicamente reprovador do Ocidente em face do caso do traidor Sergei Skripal, quando nada de similar foi dito sobre o rapto do criminoso Eichman na Argentina, por agentes de Israel; ou sobre as execuções de criminosos palestinianos por toda a Europa, por agentes de Israel; ou sobre o rapto do general Salan, na Alemanha, por militares franceses, ao tempo de De Gaulle.

17 – Sendo mau o regime segregacionista do Apartheid na África do Sul, já De Clerk recebeu o Nobel da Paz. Então e Kim Jong-un? E Donald Trump, se acaso os verdadeiros poderes norte-americanos – CIA e complexo militar-industrial – deixarem?

18 – Por fim, a Igreja Católica Romana e Francisco. Então e a execução de Marielle Franco a mando da polícia e de brancos ricos? E será que o Papa Francisco consegue ter dúvidas de que a execução do traidor Sergei Skripal só serve os objetivos políticos do Reino Unidos? Não é verdade que May se encontra em dificuldades internas grandes e que Putin iria ser eleito? Será a resolução deste sistema de condições inacessível a um não matemático que seja uma pessoa adulta e experiente na vida?

Enfim, é tempo de terminar este meu já longo texto, até porque correria o risco de adormecer antes de o findar, já que loucuras e mentiras é o que mais por aí existe. Ainda assim, coloco ao leitor esta pergunta de reflexão e resposta simples: já reparou que Theresa May recusa às autoridades russas o que Salazar não recusou às espanholas, ao redor da morte de Humberto Delgado? E dá-se conta de que os nossos jornalistas, de um modo imensamente geral, se mostram como que incapazes de analisar o tema nas suas diversas vertentes? Dá-se conta de que esses jornalistas usam o método de que se o Reino Unido diz, é verdade? Não foi isso que Durão Barroso explicou a Francisco Louçã na Assembleia da República: era um aliado, mostraram-me documentos!!! Portanto,...

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