Já Sinto Saudades do Futuro

[vc_row][vc_column width="1/4"][bs-user-listing-4 columns="1" title="" icon="" hide_title="1" heading_color="" heading_style="default" title_link="" filter_roles="0" roles="" count="1" search="" order="DESC" order_by="user_registered" offset="" include="6" exclude="" paginate="none" pagination-show-label="0" pagination-slides-count="3" slider-animation-speed="750" slider-autoplay="1" slider-speed="3000" slider-control-dots="off" slider-control-next-prev="style-1" bs-show-desktop="1" bs-show-tablet="1" bs-show-phone="1" custom-css-class="" custom-id="" override-listing-settings="0" listing-settings="" bs-text-color-scheme="" css=""][/vc_column][vc_column width="3/4"][vc_column_text css=".vc_custom_1606297633871{margin-left: 26px !important;}"]Esta situação pandémica inimaginável, qual guerra mundial, leva-me a pensar nos pós Covid-19 e a sentir saudades do futuro, ainda muito incerto. Mas, como assim, se a saudade é um sentimento de algo ou de alguém que nos marcou ou marca positivamente, no passado? Saudade de alguém que amámos e que já perdemos, por exemplo um ente querido ou um amor. Saudade de algo que foi bom para nós, etc. “… é por isso que eu tenho mais saudades…; Porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos. Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis! De que amámos muito o que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência…”. O passado deixou-nos “marcas” profundas, no corpo e na alma, mas que, por isso, constituíram as bases da nossa personalidade.


Nunca o termo “UCI” foi tão mencionado no nosso quotidiano e, talvez, muita gente não saiba bem o que representa, apesar das muitas imagens das UCIs que passam, frequentemente, nas televisões. É algo técnica e humanamente reveladora duma certa complexidade médica, porque quem ali cai está num processo de doença ou lesão muito complexa e a exigir “cuidados intensivos”. Daí designar-se por UCI = Unidade de Cuidados Intensivos. Ali luta-se pela vida e os seus membros (enfermeiros, médicos, etc) ali estão permanentemente e prontos a socorrerem alguém cujo processo de sobrevivência se sente ameaçado. Dali saem alguns para as enfermarias de recuperação, mas outros, infelizmente, com outro destino principalmente nesta terrível pandemia que terá começado na China e depois alastrou a todos os cantos do mundo, apanhando ricos e pobres, mas principalmente os “velhos”, essa franja da sociedade, em número crescente por força da longevidade, que começou a ser malquista nas sociedades onde o culto por tudo que é “jovem” passou a ser dominante. Velhos? São um estorvo na sociedade do hedonismo e do consumismo, qual vida frenética, agora bloqueado pelas medidas de contenção que visam suster a propagação do vírus e que veio reduzir quase a zero essas atividades que empregavam milhares e milhares de pessoas e que delas obtinham o seu rendimento e agora ou ficaram reduzidas a zero ou com rendimentos insuficientes para o seu sustento e respetivas famílias. Por exemplo, o desporto de espetáculo, as múltiplas atividades do turismo, o lazer diverso (tempo disponível para alem das obrigações de trabalho, aproveitável para o exercício de atividades prazerosas), etc. Eram e são sectores das sociedades modernas que alimentam a economia e agora estão numa profunda crise e cujo futuro se advinha muito difícil. Como sair da crise e colocar esta poderosa máquina novamente a girar? Até o dia de amanhã nos parece incerto, mas, sabemos, vai ser muito difícil.


Por isso, já sinto saudades do futuro, que foi idealizado com base num passado e construído ao longo destas curtas décadas, mas que dificilmente será do modo que o idealizámos, porque este Covid-19 veio “colocar em xeque” um modelo de sociedade e de economia que vivia da “máquina de fazer e girar dinheiro” e em que este era a principal energia desse modelo de sociedade. O dinheiro e tudo aquilo que com ele se pode comprar, principalmente o Lazer, foi sacralizado e endeusado. Uma questão pertinente, não é o que fazemos do dinheiro que ganhamos, mas sim o que é que o nosso dinheiro faz de nós, tornando-nos refém desse “bem” que faz girar esta poderosa máquina económico-social e agora caminha para uma crise de consequências imprevisíveis, o que nos leva a temer esse futuro. Neste terrível período que atravessamos, olho muito para o passado, de que tenho saudades de muitas coisas que realizei, mas, acima de tudo, de muita coisa que ficou por fazer e agora esta ameaça, principalmente sobre a minha geração na qual estou incluído nos maiores de setenta e com alguma patologia, no leva a temer o futuro com o qual ainda sonhámos.


Tenho saudades do passado, mas estas saudades levam-me a sentir saudade dum futuro ameaçado e que dificilmente será como aquilo que há menos de um ano sonhámos. Saudade, a palavra que nos enche de energia para agirmos, mas neste terrível período, agir na prevenção de contágio do Covid-19, é uma atitude de civismo, de sobrevivência pessoal e de solidariedade para com todos os que não resistiram (cerca de quatro milhares de portugueses) a este “bicho” e a todos os outros portugueses envolvidos diretamente nesta pandemia, desde os doentes e pessoal da área médica, agora chamados de heróis. Confinar e respeitar as regras básicas para evitar o alastramento do contágio, é um esforço de todos, para que o futuro volte a ser risonho.[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]

Uma Namorada no “Face”

[vc_row][vc_column width="1/4"][bs-user-listing-4 columns="1" title="" icon="" hide_title="1" heading_color="" heading_style="default" title_link="" filter_roles="0" roles="" count="1" search="" order="DESC" order_by="user_registered" offset="" include="6" exclude="" paginate="none" pagination-show-label="0" pagination-slides-count="3" slider-animation-speed="750" slider-autoplay="1" slider-speed="3000" slider-control-dots="off" slider-control-next-prev="style-1" bs-show-desktop="1" bs-show-tablet="1" bs-show-phone="1" custom-css-class="" custom-id="" override-listing-settings="0" listing-settings="" bs-text-color-scheme="" css=""][/vc_column][vc_column width="3/4"][vc_column_text]O Tomás, que era um menino oriundo duma família daquelas com vivência intergeracional, onde coabitam duas ou três gerações, foi para a escola primária da sua zona. Era uma novidade e um meio diferente para ele que foi criado em casa até aos seis anos.

Todos os dias, os familiares lhe perguntavam coisas da sua escola e dos seus colegas de turma; se gostava da escola; se gostava dos colegas da turma; se já tinha feito amizade com alguém em especial da turma, etc. Um dia, o avô, “homem da velha guarda”, perguntou-lhe se já tinha arranjado uma “namoradinha” na turma e ele, muito embaraçado, respondeu que não. Contudo, esta pergunta repetia-se pelos dias, até que ele, numa tarde no recreio, atirou à Alice, sua colega de carteira na sala de aulas e sua amiguinha favorita.
- Queres ser minha namorada, para depois, quando formos grandes, nos casarmos e termos filhos?

Ela, sem se atrapalhar com a pergunta, respondeu.
- Não posso ser tua namorada e casar contigo, porque na minha família casamos todos uns com os outros.
- Uhmmm, soletrou, nasalmente, o Tomás, mas a amiga continuou.
- A minha mãe casou como o meu pai; a minha avó casou com o meu avô, o meu tio casou com a minha tia...
- Chega, chega - respondeu o amigo.

Mas ela ainda acrescentou.
- Só o meu tio mais novo namora com o "Face". É o que oiço dizer lá em casa, mas eu não conheço essa do "Face”. Mas não admira, porque ele quase nunca sai de casa e passa muitas horas no quarto, sozinho, a namorar no computador ou no telemóvel. O meu avô, que é o pai dele, e a minha avó, bem se fartam de lhe dizer para ele arranjar uma namorada, pois já tem idade para sair de casa, mesmo que seja pelo "Face", mas ele diz que é melhor assim. Responde que não está para aturar as namoradas e muito menos ter filhos. Diz ainda que está a pensar adotar um cão, para “fazer de filho” com ele e à namorada que queira namorar com ele. Diz que os filhos dão mais trabalho e gasta-se mais dinheiro do que ter um cão.

- Está a tocar a campainha para regressarmos à sala de aulas, temos que correr - diz-lhe o Tomás, enquanto lhe agarra pela mão. Mas antes de entrarem na sala, a Alice ainda lhe segredou.
- Sabes, o que eu gostaria era de ter era um irmãozinho, embora goste muito de animais.
- Também eu, mas eu preferia uma irmã, mas os meus pais dizem que sai muito caro ter dois filhos e dá muito trabalho também e chatices. Dizem que já chego eu.

Ao jantar e à mesa onde todos se sentavam, mas raramente o tio que namorava no “Face”, pois o namoro nem tempo lhe dava para jantar com a restante família, o avô voltou à carga e atirou.
- Então meu neto Tomás, foi hoje que escolheste uma namoradinha lá na turma?

E o Tomás, menino de boa educação, respondeu.
- Avô, eu sou uma criança e quero aprender, brincar, crescer e só quando for grande, assim como o meu pai, eu vou querer arranjar uma namorada como a minha mãe, disse.

E os pais do menino, já um pouco aborrecidos com aquelas insistências “machistas” do avô, agiram em defesa do Tomás e disseram.
- Deixe lá o menino ser criança que terá muito tempo para namorar em devido tempo. O que se vê de mais por aí são jovens/crianças que deixam de brincar e até estudar porque começam a namorar e a fazer outras coisas prematuramente. No seu tempo, namoravam vigiados pelos familiares e casavam virgens, as mulheres e a maioria dos homens também. Depois, no meu tempo, a “revolução” chegou também à sexualidade e a tendência tem sido para banalizar os namoros e as relações sexuais e afetivas. E quais foram os ganhos que as sociedades ditas ocidentais lucraram? Não me parece, mas passar do oito para o oitenta não foi o melhor caminho.

As sociedades, mas tendo por base a família e a escola, tem que apostar na educação e na formação das relações interpessoais, sejam de caracter afetivo, cívico e profissional e firmes na transmissão de valores aos mais jovens ou então caminhamos ainda mais para a agudização dos conflitos com vários tipos de vítimas, a começar nas próprias crianças e jovens. E talvez devêssemos pensar noutro modelo e estrutura familiar, campo aberto para alguns fanatismos, sempre maus. Para a igualdade entre os géneros masculino e feminino, ainda vamos ter que esperar por várias gerações, porque o “machismo” ainda está arreigado em muitas cabeças caducas, homens e mulheres e de várias idades, sem esquecer as crianças e os jovens.

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“Filho És, Pai Serás?”

|Serafim Marquues|
A ajuda dos avós na criação e educação dos netos pode comprometer as suas poupanças para a velhice, mas a prestação dos cuidados destes familiares, sem a presença dos pais, sendo os países do sul da Europa os que apresentam uma maior percentagem de avós a cuidarem dos netos diariamente, é um forte contributo económico e social. 

Qual o valor económico dessa disponibilidade? Qual o esforço financeiro e humano dessa disponibilidade, muitas vezes não só regular mas também do tipo de “pronto socorro” em greves e férias escolares, doenças, etc? Como suportariam algumas famílias encargos com os filhos sem a contribuição dos avós? Questões pertinentes, mas, contudo, ainda existem alguns tabus, porque os avós de hoje são duma geração ainda fortemente “machista”.

A este propósito, arrisco contar o meu próprio exemplo, isto é, divorciado e reformado há oito anos e desde há sete anos que sou um avô que presta todo o tipo de trabalhos e cuidados aos meus netos e de forma crescente aos nascimentos dos meus descendentes, neste momento a cumprirem a meta da natalidade de manutenção e que é de 2,5 filhos por casal. Pratico esses cuidados ou, melhor, partilho com os meus netos e com os respectivos pais, um misto de amor e de utilidade, sendo que ambos ganhamos. Eu apenas em amor, e que amor, porque os custos directos, financeiros, e indirectos, nem eu sei “quanto valem”. Como exemplo dos extra de “pronto socorro”, que também sou, acrescentaria aquilo que eu chamaria “uma aventura de um avô”.

Se não, vejamos : Era uma sexta feira e os pais, antes de partirem para uma viagem profissional à costa alentejana, deixaram as miúdas, de sete, cinco e um ano, nas duas escolas e a minha tarefa consistia em: i) ir buscá-las depois das 16 horas , como já o faço em três dias por semana, em sistema partilhado com os outros avós; depois e porque a tarde estava convidativa, fomos os quatro até ao um parque infantil ; ii) preparar o jantar, já previamente cozinhado, e deitar as miúdas e dormir no sofá-cama ao lado; às 22 horas estavam as três na cama e eu, exausto e ansioso, não tinha sono. Já era meia noite e ainda não dormia.

Cerca das três horas, acordei com o choro da “bebé, porque tinha uma perna metida nas grades do berço, e às quatro horas a mais velha disse que não tinha sono e, adivinhando o que lhe ia na alma, disse-lhe que se deitasse comigo, porque o sofá-cama é muito largo. Contudo, às cinco da manhã, também a do meio, qual telepatia, veio ter comigo e também disse que não tinha sono e também se deitou no sofá. Contudo, depois e para quem não tinha sono, as duas dormiram até quase às nove horas; Ainda não eram seis horas e a “bebé” começou a chorar, com fome e fiz o biberão e dei-lho e já não voltou a adormecer. iii) Vestir, tomar o pequeno almoço e partir para a costa alentejana e, assim aconteceu, eram cerca das dez horas, mas dei um suplemento à “bebé”, antes de partirmos. Como era desejado, ela adormeceu na cadeira-berço e só acordou à chegada.

Com as três preciosidades atrás, porque as crianças de hoje o são, lá saí de Lisboa rumo ao sul e, como não era dia convidativo de praia para os lisboetas, a travessia da ponte 25 de Abril foi fluída. iv) foram quase duas centenas de quilómetros desde casa e, enfim, chegámos e a ansiedade acumulada deu lugar a uma enorme descarga. Puxa, era muita desde que o plano me foi pedido, havia alguns dias antes. Incrível o que fiz sozinho, eu um homem com quase setenta anos e com algumas limitações de saúde, principalmente daquelas que não coabitam bem com a ansiedade e o stress. Que sensações, mas que ansiedade e tanto esforço físico e mental, mas o meu coração doente aguentou. No meu carro eu levava três “pérolas” e até na estrada os meus cuidados foram redobrados.

É assim a vida de um avô que Ama, Cuida e Educa e tenta partilhar esta vida com seres em crescimento. São momentos únicos e que não voltam, mesmo que as três irmãs, pela diferença de idades, me tenham permitido "repetir" ciclos e rotinas. Cada um é livre de gostar ou não, assim como nem toda a gente, sejam pais, avós ou outros, serão competentes e de inteira confiança, em todos os aspetos. É um avô e são meninas e tem que mudar a fralda, dar banho, vestir, etc ? Quem pode pensar em "sexualidade"? Quem ama não poderá fazer mal, mas, sabemos, há muitos “lobos e lobas vestidos com pele de cordeiros". Há uma pessoa, de sessenta e tal anos e avó, mas daquelas que "os netos só de vez em quando", não porque não possa, mas porque não quer, que me disse que não achava normal e a ideia dela era corroborada por outras pessoas do seu foro de amizades (!), que um avô da minha idade mudasse as fraldas às meninas pequenas e acrescentou, pasme-se, que era por questões do órgão sexual.

De facto, não é muito normal, mas, cada vez mais, há "avós" (homens) a fazer o mesmo que eu faço há sete anos e tão competentemente que surpreende nesta geração ainda com resquícios de machismo.

“Filho és, pai será, como fizeres, assim receberás”, é um ditado popular de forte cariz religioso pois se aplica mais na educação das fases de filho e de pai. Mas, nesta crise de natalidade, pode a frase adaptar-se e, neste caso, és filho, mas não queres ser pai e, logo, não serás avô. Porquê esta crise de natalidade? São várias as justificações, mas uma delas é de que gerar e criar um filho não serve os egoísmos modernos.

Aturar um filho, desde a barriga até muitos anos adiante, é um “sacrifício” que colide com outras alternativas de hedonismo de muitos casais da geração moderna. Melhor que seja um cão e, por isso, é muito frequente os casais jovens optarem por um canino, em vez dum filho, Veja-se por esses parques e, curioso, o número crescente de recintos para cães que as autarquias vão construindo. O custo financeiro de uma criança é bem maior do que a dum animal, mas também este os tem e alguns sacrifícios. Mentalidades modernas de gente que deve a sua existência ao facto dos seus progenitores não terem pensado como eles. Se não concordam, “voltem para trás no ciclo de vida”. Isso não fariam, porque a vida está cheia de prazeres.

O “problema” da baixa natalidade do nosso país tem sido explicada por inverdades e os responsáveis estão mais preocupados com o efeito na economia e nas finanças públicas e na sustentabilidade do sistema da segurança social, mas, os efeitos mais graves dizem respeito às roturas que tal provocará nas famílias e nas estruturas da nossa sociedade. “País de velhos” é o que nos espera e, se a tendência não for invertida, um triste futuro e em que vale a pena refletir.

Para aqueles que “conseguiram” ser avós, podem, por isso, viver uma nova etapa natural da vida humana, isto é, presenciar a continuação do seu sangue e da sua árvore genealógica. Têm, também, a oportunidade de poderem corrigir e ou melhorar muitas das coisas que fizeram nos seus papeis de pais e mães. Eu cumpri e cumpro o meu papel de pai e de avô e, acreditem, é viver um amor indescritível. Sensibilidades? Sim, mas faz tão bem a ambos!

A última bolacha

|Serafim Marques|
A senhora ia a Londres visitar a sua filha, e, já no aeroporto, entrou na “duty free shop” e adquiriu algumas prendas, mas também um pacote de bolacha para comer, mais para afastar o nervosismo de viajar de avião, do que da fome que não sentia, tal o “bichinho que lhe roía na barriga”.

Afinal, aquela sensação, misto de ansiedade e medo, era-lhe provocada, porque há muito que não via a sua neta e também, porque pela primeira vez, iria viajar de avião e sozinha. Sentou-se num banco da sala de espera de embarque e abriu o pacote das bolachas que colocou a seu lado. Depois sentou-se, no mesmo banco, uma jovem “teenager” que também iria voar no mesmo avião.

A “avozinha”, chamemos-lhe assim, foi retirando, calmamente, as bolachas uma a uma até que, por fim, só restava uma bolacha no pacote. Contudo, no mesmo momento em que a sua “vizinha de banco” ia fazer o mesmo, as mãos quase se tocaram. Surpreendidas, olharam-se e ficaram sem saber o que cada uma faria e mais ainda porque o pacote se tinha esvaziado rapidamente. Então, a jovem, virou-se para a senhora e, com alguma agressividade na voz, disse: - Este pacote de bolachas era meu e a senhora, sem pedir autorização, foi comendo também das minhas bolachas e nem a última quer deixar para mim?- questionou-a.

Incrédula, a senhora, com idade para ser sua avó, que até os seus cabelos brancos como a neve demonstravam, virou-se para a jovem e questionou-a: - Tuas, as bolachas? Eu comprei o pacote na loja e conforme fui comendo, verifiquei que tu também ias comendo, mas não me preocupei. Agora que estejas a ser indelicada para comigo e sem teres em consideração a minha idade, deixas-me muito triste. Não esperava isso duma jovem tão bonita como tu.

A jovem sentiu-se envergonhada com a reprimenda da senhora e virou a cara para o outro lado do banco onde ambas estavam sentadas. Reparou, então, que o seu pacote de bolachas estava mesmo ali a seu lado e ainda quase cheio. Pensou pegar na sua mochila e fugir dali, tal a sensação tão desagradável que sentia, mas encheu-se de coragem e levantou-se e pegando nas mãos da “avozinha”, disse-lhe: - Sinto-me envergonhada, porque julguei que eu ia comendo as bolachas do meu pacote e, afinal, foi das suas que eu fui comendo sem me aperceber.

Por favor aceite as minhas desculpas e perdoe-me. Sei que fui indelicada para com a senhora que até é parecida com a minha avó. Sabe, estou muito ansiosa porque é a primeira vez que vou viajar de avião e, por essa razão e só por essa, reconheço que fui um pouco agressiva no tom de voz que usei para consigo. Podemos ambas agora acabar de comer as bolachas do meu pacote, enquanto esperamos a chamada para o embarque no avião que nos levará ao nosso destino? Por favor, aceite esta minha emenda.

Como é timbre de muitas “avozinhas”, aceitou as desculpas e a oferta e lá comeram todas as bolachas restantes. Afinal, aquele mal-entendido quebrou o gelo entre as duas desconhecidas e então a senhora perguntou: - Por que vais viajar para o Reino Unido (UK)? - Vou visitar a minha irmã que após a conclusão dos estudos universitários e apesar de ter frequentado um “bom curso e uma boa Faculdade”, não conseguiu arranjar, no nosso país, uma colocação profissional adequada e ousou emigrar para Londres, respondeu a jovem. - E a senhora, qual o motivo da sua viagem? - inquiriu a jovem. - Eu vou visitar a minha neta que vive em Londres com os pais. A mãe, minha filha, portuguesa, e o pai, um italiano, que se conheceram aquando da frequência do programa Erasmus (sabes a que me refiro, indagou em parêntesis?).

Nunca mais se largaram, afinal, um dos bons resultados do programa Erasmus ao facilitar os “casamentos” entre jovens estudantes universitários de vários países e que já gerou mais de um milhão de crianças, desde que começou há mais de trinta anos! Concluída a sua formação, ousaram emigrar para o UK, o “El dourado” de então. Mas agora, com o “Brexit”, a vida não parece fácil para a tua irmã e para a minha família, bem como para muitos outros imigrantes de várias nacionalidades ali residentes. Aculturados à vida do UK, sentem receios em regressar a Portugal e aguardam, com expectativa o resultado das negociações entre o UK e a União Europeia (EU). E tudo isto por causa de políticos incompetentes e irresponsáveis, porque referendaram um assunto de estado. Colocarem as decisões no voto do povo, sem bases mínimas para decidir em consciência na opção, criaram um problema difícil de resolver e que se arrasta há muito.

E assim continuou a “avozinha”, em tom de desabafo e de mágoa, embora, no seu íntimo, desejasse que a filha e a restante família regressassem ao nosso país. Em jeito de conclusão e perante a atenção da jovem companheira de viagem, disse ainda que os políticos britânicos já comeram várias vezes a última bolacha, mas continuam a pedir mais uma e ainda mais uma à UE, isto é, a pedir constantes adiamentos nas negociações e da data final do “Brexit”, porque não sabem como finalizar, a contendo, tamanha monstruosidade em que lançaram o seu “Reino” (Reino Unido).

A História, um dia fará justiça desses políticos incompetentes e irresponsáveis que para contentarem os descrentes e antieuropeístas existentes no seu partido e na sociedade do UK, avançaram com um referendo a toda a população do UK (Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales =UK) não foram competentes para analisarem as consequências e também uma visão de futuro. Nem os imprescindíveis “trabalhos de casa” conseguiram fazer. Têm não “uma criança nos braços”, mas sim um “monstro”. Que sirva de lição para todos os políticos sem uma visão de estado e de futuro, porque a Política deve ter horizontes alargados também.

E lá embarcaram ambas, a jovem e a “avozinha”, com destino a um futuro incerto, com consequências também para nós portugueses.

O Brexit e a Incompetência dos Políticos

Serafim Marques
O Brexit está a revelar-se um triste e dramático folhetim que seria uma ótima comédia, se não representasse uma dramática ameaça para o povo britânico, mas também europeu, pertencentes ou ainda não à União Europeia (EU). 

E tudo começou por um incompetente politico que prometeu referendar a permanência ou a saída da Grã- Bretanha (GB) na EU, mesmo que não pertencendo à Zona Euro (ZE), isto é, a GB entrou na EU mas não aderiu à moeda Euro e ficou, assim, com um poder que os países da ZE não têm, isto é, o poder de criarem a sua própria moeda e usá-la em certas estratégias , como intervenções na taxa de juros ou desvalorizações da moeda, para regular a sua economia, mecanismo vedado aos países da ZE, na qual se inclui Portugal, que têm que se submeter às regras da moeda Euro.

Cameron, então Primeiro Ministro do UK e para contentar os descrentes e antieuropeístas existentes no seu partido e na sociedade do UK, avançou com um referendo a toda a população do UK (Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales, nações que constituem o Reino Unido - UK, porque este conceito é mais amplo do que GB que se referiria apenas à grande Ilha Britânia e que não inclui as duas parte das Irlanda, uma delas - a do Norte- pertencente ao UK).

Não avaliou as consequências de colocar no povo uma decisão tão importante para muitos milhões de cidadãos britânicos e não só. Referendar algo de tamanha importância para o presente e o futuro duma nação é uma atitude de políticos sem visão de Estado e também duma das maiores incompetências, face à enorme importância que o Brexit tem e terá no UK e na própria Europa, porque vem por em causa um projeto de união, embora a EU possa subsistir e continuar a crescer sem o UK.

Naquele ato irrefletido de Cameron, que tem vindo a revelar-se num enorme “quebra cabeças”, pode concluir-se que e apesar de se pugnar pela democracia como “poder do povo” , há decisões que não podem “descer à rua” e devem, pois, ser tomadas pelos políticos eleitos que têm os instrumentos e os saberes e conhecimentos que o povo não tem para decidir com autoridade que não apenas a do poder do seu voto, igual para os letrados e os iletrados.

Seria bom se as sociedades estivessem de tal modo desenvolvidas para que os seus cidadãos pudessem votar com pleno saber e competência sobre decisões tão importantes para a sua nação. Faltarão muitos e muitos anos para que isso possa vir a acontecer. Até lá, têm que ser os políticos, devidamente eleitos, a decidir em plena consciência pelos interesses do Estado e do seu povo e não cobarde e incompetentemente, “delegar no povo” a sua falta de visão de estadistas.

O exemplo de todo o imbróglio que se tem revelado o processo do Brexit deixa-nos atónitos e a pensarmos como foi possível decidir em referendo a saída do UK da EU sem que os políticos da UK e da EU soubessem sobre consequências daquele ato, porque, pelos vistos, entrar é fácil, mas sair é muito complicado. Alem disso, o UK (Reino Unido) não se revelou, neste processo (referendo e processo de saída) nada “unido” pois na Escócia e na Irlanda do Norte a votação foi pela permanência do UK na EU e, mais fraturante ainda na Irlanda porque na ilha existem duas nações e, segundo as regras da EU, as fronteiras foram “abolidas” no que diz respeito à livre circulação de pessoas e bens e, nestes anos de permanência conjunta, desenvolveram-se relações difíceis agora de desfazer, porque tudo voltará ao tempo das fronteiras reais que as pessoas rejeitam, depois dum período de habituação a uma realidade bem diferente.

Apesar de Cameron, que, entretanto, “desapareceu de cena” ter prometido e executado o referendo e face a tamanha dificuldade em avançar com a saída do UK da EU, não conseguem ver os acuais políticos no Governo da UK (Theresa May como PM) que repensar a saída pode ser um enorme ato de Estado e de estratégia em prol da UK e duma europa que se deseja forte e não fragmentada, face aos “inimigos” (USA, Rússia, China, etc) que desejam uma EU fraca ? Ao contrário do que defendem os democratas que dizem que se deve respeitar a vontade soberana do povo e que, no seu conjunto de UK votou, ainda que ligeiramente (52 % ! dos votos válidos) , pela saída da EU, persistir num erro e num ato irrefletido como foi o referendo pode ser considerado um erro histórico para a UK.

Neste tempo de negociações com a EU, todos terão aprendido muito e estarão agora mais habilitados do que estavam aquando do referendo em junho de 2016, pelo que decidir pela permanência, em novo referendo ou por decisão do Governo e do Parlamento, poderia revelar-se um enorme ato de Estado, esse sim, a ficar na história pelas melhores razões e não pelas piores se o Brexit for avante. Aliás, as manifestações e uma petição de milhões de cidadãos no UK, bem como os imigrantes ali residentes e dos cidadãos britânicos residentes em países da EU, por exemplo no Algarve, têm vindo a exigir um novo referendo, na esperança de que o “povo decida” de forma diferente da anterior, agora que já “cheirou” os enormes problemas que advirão, se a sua votação (decisão) anterior se mantiver. Corrigir um erro com outro referendo seria apenas “anular” ou confirmar que o povo do UK estará disposto a “suicidar-se” coletivamente como nação.

Seja qual for a decisão, este processo do referendo e da eventual saída do UK da EU é uma grande lição para muita gente, mas, acima de tudo, para os políticos populistas, de esquerda e de direita, que na sua ânsia de serem “reis num quintal” e ali exercerem o poder, colocam em causa a democracia a coesão dos países e os interesses dos seus cidadãos. São muitos os exemplos que me dispenso de mencionar, mas a Catalunha é o mais relevante ou de outros que ameaçam sair da EU.

O povo que esteja atento e, com o seu voto, decida por políticos que defendam e tenham uma estratégia de elevado interesse de Estado e da Europa, porque quanto mais forte ela for, melhor será para os europeus, face a potências emergentes que fazem perigar o equilíbrio geopolítico do mundo. Ou continuará a Europa a depender da proteção dos USA?


Os Equívocos do Futebol Português

|Serafim Marques|
O futebol no nosso país deveria ser uma atividade de entretenimento e de exercício e prática desportiva, para alem da “produção de espetáculos de lazer”, mas “evoluiu” para uma fonte de alienação e onde muita coisa é permitida, num “vale tudo para atingir fins”, mesmo que pouco lícitos.

O futebol distrital (amador) é uma “escola” não de virtudes e de má educação e fomentador de rivalidades e bairrismos doentios e no qual as ofensas e agressões a árbitros (o elo mais fraco destes comportamentos que nos deveriam envergonhar e sobre os quais se descarregam a má educação e as frustrações) sucedem-se e, normalmente, os prevaricadores ficam impunes. Há dias, a imprensa deu relevo a um vídeo que mostrava uma “cena” de agressões entre adeptos (parece que essencialmente os familiares dos jovens) de duas equipas de jovens (Sub-14 anos).

Enquanto estes disputavam o jogo, os seus “educadores” agrediam-se mutuamente na bancada, mas este episódio é mais frequente do que se julga. E curioso, neste tipo de “lutas” é que elas ocorrem em torno de jogos entre equipas de crianças, isto é, Sub-10 até Sub-17 anos, porque é nestes jogos onde vão mais familiares assistir aos jogos dos seus meninos. O alvo pode ser o árbitro, o jogador da equipa adversária ou até o treinador e jogadores da própria equipa. Que tristes exemplos dão aqueles “educadores” aos seus educandos e, no meio destas atitudes, a maioria dos dirigentes desses clubes “fecham os olhos”, porque também alguns não têm moral para agir, porque também muitos deles fazem o mesmo ou pior.

A Federação Portuguesa de Futebol (FPF), organismo máximo no futebol português tem ganho muito dinheiro, através da performance desportiva e económica da seleção principal, leia-se, Ronaldo e companhia, porque tem sido, nestes últimos anos, uma “galinha de ovos de ouro” com a presença regular nas principais competições mundiais. Depois, pode distribuir esse dinheiro pelos clubes e associações distritais, permitindo assim que se organizem cerca de um milhar de jogos em cada fim de semana desportivo, nos vários escalões etários e vários níveis competitivos (divisões) e também suportar os custos inerentes com seleções nacionais de vários escalões etários, incluindo futebol feminino e futsal. Mas, infelizmente, o retorno desses encargos acaba por ser baixo, porque o clube, como célula básica do futebol, ainda é gerido por pessoas pouco habilitadas a esse importante papel formativo de cidadão e desportistas.

Se na política, temos receios do aparecimento dos populismos, então no futebol eles sempre existiram e, salvo honrosas exceções, ali quase que vale tudo para ganhar jogos e campeonatos, mesmo que seja o “campeonato do seu bairro” e a rivalidade que deveria assentar no “fair play” acaba por ser fomentadora de autênticas batalhas e guerrilhas, algumas de triste memória que me dispenso de citar. Para alguns dirigentes, pressionados por adeptos “irracionais”, porque infelizmente a paixão clubística é algo que é de difícil explicação pela Psicologia e Sociologia, não olha a meios para atingir os fins. E são muitos, desde “utilização” das claques, jogos de influência, acusações aos adversários, tentativas de corrupção, contratações de jogadores e treinadores pagos a “peso de ouro”, criação de SADs que depois perdem o controlo para “investidores” terceiros ou declaram falência, etc.

Apesar do muito dinheiro distribuído ao futebol, este é um autêntico “flop” em termos económicos e desportivos, porque a maioria dos jogos das competições profissionais têm “meia dúzia” de espectadores, salvo aqueles em que intervêm os três clubes grandes (FCP, SLB e SCP). O resto é paisagem, mas os dirigentes defendem a sua capelinha com olhos e dentes e não querem ver a realidade. Como é possível que um país como o nosso, tenha trinta e seis equipas nos campeonatos profissionais, estes organizados pela Liga Portuguesa do Futebol Profissional (LPFP), por delegação da FPF e nos quais a maioria dos jogos têm poucas centenas de espectadores e cujas receitas nem chegam para pagar à equipa de arbitragem, composta por mais de quatro elementos que se deslocam, por vezes de muito longe…. E o paradoxo ainda é maior porque nessas equipas profissionais a maioria dos planteies, em média de 28 jogadores, é composta por jogadores estrangeiros! No último jogo entre o Sporting e Porto, dos 28 jogadores que participaram nele apenas 5 eram portugueses (3 do SCP e 2 do FCP).

E se olharmos para os planteis dos dois clubes, verificamos que os jogadores portugueses representam apenas 23%. Triste realidade que deveria encher de vergonha os dirigentes desses clubes e de todos mais ligados ao futebol português. Porquê? E as respostas serão variadas, mas de acordo como cada um quer ver a sociologia do futebol português. Os adeptos não olham à nacionalidade dum golo da sua equipa e tanto pode ser espanhol, francês, brasileiro, mexicano, holandês, uruguaio, argelino, maliano, sérvio, macedónio, etc, estas as nacionalidades dos 23 jogadores estrangeiros que atuaram no estádio Alvalade, num jogo de fraco nível competitivo e de pobre espetáculo.

Mas também nas camadas jovens, dos Su-23 para baixo, já existem muitos jovens estrangeiros nos principais clubes e também em equipas das distritais, onde o SEF tem detetado muitos em situação ilegal de permanência no país e, muitas vezes a viverem em condições indignas. Pelos vistos com prenuncio de tráfico de pessoas, conforme relatórios das entidades fiscalizadoras.

Há falta de jovens portugueses com nível futebolístico? Então reduzam-se as equipas profissionais e ou invista-se mais na formação. Contudo, para os dirigentes e treinadores é mais fácil ir à loja do chinês…Aos nossos jovens, aqueles que ainda sonham ou se divertem com o genuíno prazer de jogar futebol, resta depender dos “favores” de toda uma camada de (ir)responsáveis que continuam a gerir a sua quintinha.

Os políticos saberão aparecer nas festas, muitas vezes com convites “irrecusáveis” até porque lhes permitem aparecer nos holofotes das vitórias. Assim, o futebol português é mesmo um equívoco, nos seus diversos níveis de competição, mas permite a muita gente descarregar as suas frustrações e dar largas a uma agressividade contida noutro contexto. Mas acaba por ser uma péssima escola de educação.

O Pai Natal vai fazer greve

|Serafim Marques|
A figura do Pai Natal, que todas as crianças, enquanto genuínas e puras, porque depois, infelizmente, não se sabe que caminhos seguirão nas suas vidas de adultos ou mesmo já de adolescentes violentos, é uma das muitas manipulações das sociedades consumistas em que uma parte do mundo “rico” se converteu, sim, porque há milhões e milhões de crianças onde “o Pai Natal não existe”, tal é o estado de pobreza dessa gente deserdada do desenvolvimento dos países ricos. 

Manipulamos e enternecemos-mos com a pureza e ingenuidade do sonho dessas crianças, mas basta lembrarmo-nos que todos os “homens maus” ou os mais facínoras da história da humanidade, também foram crianças e, muitas delas, bem-amadas e acarinhadas pelos seus progenitores. Quem gosta de crianças, não pode deixar de pensar, muitas vezes, que aqueles corpinhos frágeis e carinhas de anjos, capazes de nos “derreterem a alma”, poderão vir um dia a ser capazes das maiores atrocidades sobre os outros humanos.

No passado, nas festas natalícias essa figura não era tão relevante, embora a lenda de São Nicolau (traduzido para Pai Natal), acabou por servir às mil maravilhas para que a economia de consumo o adotasse para o “Santo do Consumo”, sim porque o Pai Natal não traz apenas prendas para os mais novos. Depende do orçamento “destinado a cada família”, ele acaba por “distribuir” bens e graças por todos, mesmo por aqueles que não as mereceriam, violando, assim, o lema do Pai Natal em que este trará prendas para todas as crianças que se portarem bem durante o ano. Essa é a mensagem e chantagem que os “educadores” incutem nas crianças.

Conta-se que foi desde muito cedo que Nicolau se mostrou generoso e sendo ele filho dum comerciante rico, distribuía bens pelos mais necessitados e acabou mesmo por ser convertido em Santo pela igreja católica e é, atualmente, um dos santos mais populares entre os cristãos, principalmente no período que antecede o Natal, festa comemorativa do nascimento de Jesus Cristo, que, cada vez começa mais cedo, porque os negócios necessitam dum tempo mais longo. Hoje começa bem cedo, com todos os enfeites que fazem apelo ao período de festa que tem o seu ponto mais alto no dia 24 de dezembro.

A imagem que as crianças têm do Pai Natal é a de um homem velhinho e simpático, de aspeto gorducho, barba branca e vestido de vermelho, que conduz um trenó puxado por renas, que vem carregado de prendas e voa, através dos céus, na véspera de Natal, para distribuir as prendas de natal, entrando pela chaminé e depositando os presentes nas árvores de Natal ou meias penduradas na lareira, por cada uma das casas de todas as crianças bem-comportadas durante o ano… A “encenação” é mais ou menos perfeita, seja nos locais de consumo, seja mesmo nos lares em que um membro da família “desempenha esse papel”, levando as crianças a acreditarem no verdadeiro Pai Natal.

Atualmente, há quem atribuía à época de Natal um significado meramente consumista e outros veem o Pai Natal como o espírito da bondade, da oferta, da partilha, da entreajuda, etc, e os cristãos associam-no à lenda do antigo santo, representando a generosidade para com os outros. Mas, infelizmente, nem tudo são rosas, bem pelo contrário, porque o mundo em pleno século XXI, revela desigualdades gritantes entre nações e dentro destas entre classes e pessoas.

Os exemplos que nos chegam, de várias partes do globo, são aterradores e revoltantes e transmitindo-nos a sensação de impotência. Os tipos de conflitos, gerando guerras, destruição e mortes de milhares de inocentes, muitas delas crianças como as nossas que acreditam e esperam pela chegada do Pai Natal e das respetivas prendas, deixando-nos incrédulos e levam-nos a questionarmo-nos como é possível tanta desigualdade, tanta dor e ao mesmo tempo tanto egoísmo individual e corporativista? Às vezes e hipocritamente, os beligerantes concedem entre si tréguas natalícias.

A imprensa, ela própria com um papel duplo (“agente manipulador e vítima”) de muitas coisas “ruins” que vão sendo fomentadas pelos homens, por esse mundo, que também já foram crianças e acreditaram na bondade do Pai Natal, já difundiu a notícia de que este ano também o Pai Natal vai fazer greve. Fundamenta ele que que saindo do seu reino na Lapónia corre muitos riscos de vida e das suas renas e, para não “desagradar a uns e agradar a outros”, não vai dar a volta ao mundo, porque em vários pontos ele correria riscos.

Por exemplo, em França ele poderia ser barrado no seu percurso pelos “coletes amarelos” e assaltado pelos vândalos misturados na manifestação e ficar sem as prendas para distribuir. Em Portugal, ele correria riscos de ser apanhado no meio das muitas greves que ocorrem sistematicamente. Diz ele ainda que o que mais lhe dói na alma é saber que há crianças doentes vítimas dalgumas classes de grevistas e que, por isso mesmo, não poderiam estar nas suas casas na noite da sua passagem. Como “herdeiro do santo que é, diz ainda que reza por elas e por todos aqueles humanos para quem não há Natal. Pede perdão por tomar esta decisão tão drástica, mas promete que voltará.

Quando compreendem os homens, que foram criancinhas maravilhosas, que o Natal deveria ser todos os dias e não apenas em dezembro e que há valores pelos quais se deveriam bater, sem ganância, sem egoísmo, sem vingança e que a paz e o amor reinassem entre os homens e as desigualdades diminuíssem no mundo. Na ação política, acaba por ser sempre preciso trair ou o país ou os eleitores. Eu prefiro trair os eleitores” Charles de Gaulle (1890-1970), estadista francês duma nação à deriva e que suscita tantos motivos de alerta e reflexão. Quem escapa agora ao contágio do que aconteceu em França? Quando se perde o controlo dos acontecimentos e não se sabe como recuperá-lo, o pior é, infelizmente, sempre possível. Eis também uma lição para nós, portugueses, nestes tempos de greves e reivindicações em cadeia.

Até para o ano Pai Natal e reza por todos nós, porque nos governantes ninguém confia. Culpa deles apenas ou também de cada um de nós e dos nossos egoísmos e corporativismos e fechados no nosso próprio umbigo sem olharmos em redor?

Sinto Saudades do Futuro

|Serafim Marques*|
Ter saudades do futuro, como assim se a saudade é um sentimento de algo ou de alguém que nos marcou ou marca positivamente? Saudade de alguém que amámos e que já perdemos, por exemplo um ente querido ou um amor. Saudade de algo que foi bom para nós, etc. “...e é por isso que eu tenho mais saudades…; Porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes em que sinto este aperto no peito, meio nostálgico, meio gostoso, mas que funciona melhor do que um sinal vital quando se quer falar de vida e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis! De que amamos muito o que tivemos e lamentamos as coisas boas que perdemos ao longo da nossa existência…”. O passado deixou-me “marcas” profundas, no corpo e na alma, mas que, por isso, constituíram, juntamente com o meu ADN, as bases da minha personalidade. Não tenho, por isso, saudades desse passado, apesar da importância que ele teve em mim, porque foi muito sofrido e doloroso.

Tivesse ele sido de “cor de rosa” e, nesta era conturbada, teria saudades dele. Mas não foi e se, e quando o cito, faço-o não como saudade desse tempo, mas como exemplo desse condimento que se misturou, no cadinho da vida, com a minha herança genética e ajudou a gerar o ser humano que fui sendo ao longo destas quase sete décadas de vida. Sendo, contudo, muito imperfeito, enche-me de orgulho, não um orgulho “bacoco”, mas um orgulho de encher a alma ao ponto de, por vezes, o peito querer rebentar, porque é demasiado pequeno para conter uma alma que quer ainda crescer, mas sempre num processo dinâmico, porque, até morrermos, poderemos sempre mudar para melhor. Só os mortos não mudam.

Ao invés de sentir saudade do passado, apesar das críticas que me dirigem, quando cito esse passado duro, muitas vezes insensatas e indiciadoras de falta de sensibilidade ou de conhecimento duma realidade que milhares de portugueses viveram há décadas atrás, sinto saudades do futuro, saudades de um futuro que desejo viver e que, sei, não viverei. “…Sinto saudades do futuro, que se idealizado, provavelmente não será do modo que eu penso que vai ser…”

Gostaria de viver muitos anos ainda, porque gostaria de realizar ainda muitos sonhos e realidades. Por exemplo, ver os “rebentos” do meu sangue a percorrer os caminhos da vida sem as dificuldades do meu tempo. Ser vigilante desses seres que vão adquirindo a sua autonomia, mas que nós tendemos sempre a querer proteger, com medo de que os muitos perigos desta vida, diferentes do meu tempo, mas talvez mais ameaçadores, os molestem, alguns de forma muito violenta e destruidora.

Aprendemos a ser filhos, quando somos pais, esta é uma grande verdade. E aprendemos a ser pais, quando somos avós, digo eu na minha experiência de vida. Mas, contudo, não teremos já oportunidade de aplicar esses saberes adquiridos. “O tempo não volta para trás” e a partilha intergerações tem vindo a perder-se, pagando todos um custo elevado. Nestes papeis, acabo por sentir saudades do passado, como filho e pai, mas sentir também saudades do futuro porque nele se projeta a minha vida. Seremos lembrados, até que exista alguém que se lembre de nós e da nossa “obra” na terra.

Mas, deixando o universo dum microcosmo que é a família, mesmo que constituída por três gerações, e apesar dela ser a base da pirâmide das superestruturas – cidade, região, país, continente e mundo – o futuro, tal como o vemos no presente e o projetamos, parece que, tudo o indica, não será um paraíso, aliás, em muitas partes do globo ele tem sido sempre um terrível inferno.

As ameaças são muitas, porque os governantes não sabem, não querem ou nós não os deixamos, combater os males destruidores dum futuro que deveria levar-nos a sentirmos saudades dele, mesmo esperando ainda o seu provir. Fome, desigualdades, migrações, terrorismo, guerras, episódios violentos da natureza – cada vez mais agredida e a leva a “vingar-se nos humanos – poderão levar o mundo ou significativa parte dele para situações que nos leve a sentirmos saudades dum futuro que deveríamos saber criar e gerir.

Então e afinal, acabaremos por sentir saudades do passado ou dum presente que, sempre que o citamos, já é passado, apesar de tudo e de todas as ameaças, ainda é um paraíso, mas, infelizmente e apenas, para uma franja da população mundial, maioritariamente, localizada a norte do globo terrestre. Afinal onde está a riqueza e o desenvolvimento da humanidade. Sinto saudades das coisas boas ou menos más, mas também das coisas boas que poderemos gerar, no futuro.

* Economista

Cristiano Ronaldo e os Outros

|Serafim Marques*|
Na gíria futebolística, poder-se-ia dizer; “Ronaldo e mais dez”, porque uma equipa que tem um craque que está a “anos luz” dos outros, acaba por jogar e agir em torno da estrela. Feliz ou infelizmente, na seleção portuguesa, tem sido assim desde que Ronaldo emergiu como uma “estrela maior” do futebol desta última década. 

O êxito da “nossa equipa” depende muito da eficácia e inspiração de Ronaldo, porque, alem de ser um excelente futebolista, ele é também um verdadeiro atleta e líder, que puxa a equipa para os êxitos.

Além dos êxitos desportivos ou por força destes, na seleção portuguesa e ainda mais nos dois grandes clubes por onde passou - Manchester United e Real Madrid -, depois de ter sido transferido Sporting, ainda jovem, Ronaldo tem sido o maior embaixador de Portugal, levando o nome do nosso país aos “quatro cantos do mundo”.

Se para muitos, ele é um verdadeiro ídolo, para outros ele é o “adversário a abater”, porque a inveja é um pecado capital, incluindo muitos portugueses. Mas os êxitos pessoais mostram que Ronaldo vai ficar na historia do futebol mundial por muitos anos, ao lado de muitos ídolos do passado, mas também dum grande jogador argentino da atualidade - Lionel Messi.

Contudo, este é um genial futebolista, qual verdadeiro rato atómico, enquanto Ronaldo pode ser considerado um autêntico atleta, isto é, equiparado aos atletas da Grécia antiga. Infelizmente para nós, portugueses, o final do futebolista Ronaldo aproxima-se do fim da sua carreira, deixando um vazio no universo futebolista, pois não se vê, no presente, nenhum jogador que possa seguir as peugadas de Ronaldo ou mesmo de Luís Figo, o seu antecessor no estrelato português e mundial.

Mas Ronaldo não tem sido apenas um futebolista, dentre os melhores de sempre, como milhares de outros de elevado valor futebolístico, pois ele é um exemplo e uma referência, como homem, apesar dalgumas “extravagâncias”, próprias de alguém com muito dinheiro, e algumas originalidades no campo da paternidade, que só a ele dizem respeito. Desde a sua origem social e a “solidão e falta de apoio familiar” que, mesmo em ambientes de pobreza, as crianças e os jovens preferem a outros bem melhores materialmente, aquando da sua vinda do Funchal para Lisboa, aos 14 anos para o “lar do jogador” do Sporting, Ronaldo deu mostras que os grandes homens vencedores na vida, seja qual for a área profissional, se moldam com as características que ele, desde criança, deu mostras. Ele é o exemplo perfeito dos vencedores, ainda com maior mérito, porque partiu do grau mais baixo da pirâmide social e que, por isso, a primeira grande de vitória de cada um é vencer esse fatalismo. É uma tarefa de “sangue, suor e lágrimas”, mas, cada etapa, é celebrada, muitas vezes em solidão, como uma grande vitoria pessoal. Sei do que falo.

Ronaldo é também um excelente exemplo para muitos dos futebolistas que ganhando muito dinheiro ou mesmo “rios de dinheiro”, porque uma percentagem elevada deles, do topo, acabam a carreira, por volta dos trinta e poucos anos, sem poupanças, pois tudo gastaram em luxos e extravagâncias. E, mais triste ainda, sem nada saberem fazer profissionalmente, pois a sua formação escolar é média-baixa e, pior ainda, cheios de vícios. A idade com que eles acabam a carreira futebolista, é sensivelmente aquela em que muitos outros cidadãos se iniciam na vida ativa regular.

Durante cerca de década e meia, eles viveram em torno do futebol e descuraram a sua formação escolar e profissional e, infelizmente, acabam por cair no meio social donde vieram, mas com muitos vícios e sem horizontes profissionais. São poucos os exemplos dos desportistas que souberam gerir os seus proveitos e também investir na sua formação escolar e profissional.

Esta é uma área onde os clubes falham, aquando da formação futebolística, mas também já na plenitude do futebol sénior (jogador acima dos 19 anos), em todas as divisões das competições, embora nesta fase os seus agentes, que vivem, alguns luxuosamente, do agenciamento dos contratos daqueles, sejam moralmente responsáveis, porque a sua função deveria ser também de aconselhamento e de gestão dos proveitos dos seus agenciados.

Alguns são mesmo os “coveiros da desgraça” de muitos jovens futebolistas e não só. Não nos esqueçamos que a vida dum futebolista se situa numa fase de muita imaturidade do homem e que, por isso, sonhos, pressão e dinheiro podem levar a “maus caminhos”. Ora Cristiano Ronaldo, apesar de pertencer a outro universo futebolístico, deveria ser olhado por todos os candidatos a futebolistas e também por todos aqueles já bem posicionados no “mundo da bola”, como exemplo a seguir, porque ele é um vencedor.

Aliado à sua elevada autoestima, a ambição e capacidade de sacrifício fizeram dele um ÍDOLO, (sem pés de barro). Ele faz questão, como em tempos disse publicamente, de não “cuspir no prato onde comeu”, numa alusão ao reconhecimento para com todos aqueles que contribuíram para o seu sucesso, principalmente ao Sporting (e seus tutores) e ao Manchester United, cujo “manager “(Sir Alex Ferguson) foi e o considera como um pai. A verdadeira “escola” dos futebolistas são os clubes por onde passam, muitos desde tenra idade, e alguns esquecem-se disso. A humildade não está em paralelo com origem social da maioria dos jogadores.

Pena é que Ronaldo já esteja a acabar….

*Economista

“Os Livros que ninguém lê”

|Serafim Marques*|
Graças aos novos processos de produção, tornou-se relativamente fácil e barato editar um livro. Por isso, nunca tanto se editou em Portugal. O processo de composição, paginação, impressão, encadernação, etc, não se comparam com os métodos do passado, em que os tipógrafos colocavam, letra a letra, numa prancha, por cada página do livro, que depois seria colocada numa rotativa de impressão.

E se recuarmos ao tempo de Gutenberg (ano de 1450), o inventor da prensa, que vivendo numa região caracterizada pelo cultivo de vinho pensou e adotou a metodologia das prensas que eram utilizadas para a obtenção do vinho, afim de “exprimir” o suco das uvas. Assim, esta foi tomada como molde embora ainda fosse necessário muito trabalho para transformá-la numa impressora tipográfica. As imagens e os textos eram feitos numa chapa só, como se fosse um grande carimbo onde as frases dos textos eram compostas por várias letras individuais. A evolução, como tudo na vida, não parou e hoje falar dos métodos de Gutenberg é como que falar da “pré-história”, embora ainda existissem há poucas décadas.

Estes custos fixos de produção, para uma edição livreira, tinham que ser diluídos por uma quantidade económica de exemplares editados. Hoje, graças à evolução das tecnologias de todo o processo, podem fazer-se edições de pequenas quantidades das obras literárias e recorre-se a um conjunto variado de “truques” para tornar mais apelativos os livros e cativarem os compradores e leitores. Desde as capas dos livros, o seu colorido e motivos dão um forte contributo ao impulso de comprar e até ler, mas também o tipo de letra, disposição das páginas, etc, em nada se comparam com as edições do passado, extremamente massudas.

Aliada a estas técnicas de venda, a entrada no mercado das “Grandes Superfícies – vulgo Híper e Supermercados, mas não só”, que disponibilizam os livros “à mão” do comprador e leitor, matou as livrarias tradicionais, e tornou os livros mais acessíveis e mais baratos. Contudo, a quantidade de obras confunde os potenciais leitores, ainda mais com a concorrência, que os livros sofrem, face a outros meios e outra oferta de lazer. Edita-se muito, de autores que ninguém conhece, nacionais e estrangeiros, e a qualidade literária não saiu favorecida.

Muitas vezes, compramos um livro, ou levantamo-lo numa biblioteca, e a desilusão surge, porque a história, a forma de escrita, etc, não justifica o dispêndio de tempo, ele próprio tão escasso. Por isso, os monos literários, isto é, livros sem comprador ou rejeitados pelos leitores tem, como destino final, a destruição das resmas de papel gastas com a sua produção. Grande desperdício dos livros que ninguém lê…

Obviamente que há as exceções e, muitas vezes, donde menos se espera. E eu tenho tido a sorte de “descobrir” autores que me surpreendem com obras de que acabo por gostar muito de ter lido. E alguns, como disse, são desconhecidos ou não “badalados” com os prémios literários atribuídos a outros e que acabam por nos frustrar, quando os lemos. É um facto que o hábito de leitura tem vindo a decrescer assustadoramente nas culturas “ocidentais”, porque os jovens e adultos jovens de hoje não sentem esse apelo e a consequência mais visível é o mau trato que a língua mãe sofre.

É triste verificar que a literacia está muito maltratada e não apenas pelos modernos “analfabetos” da sociedade de hoje, porque também a nível daqueles que usam a escrita na sua função profissional. Esta aversão à leitura é ainda mais inconcebível, se pensarmos que as gerações das “entas” pertencem a uma época, a um meio em que a tendência era exatamente para nos impedir que lêssemos: “para de ler, porque vais estragar a vista; vai lá para fora brincar, porque está um lindo dia; apaga a luz, porque já é tarde, etc, “. Eram” sermões” que ouvíamos.

Hoje, esta mesma (nossa e mais novas) geração diz não ter tempo para ler e acrescenta: onde podemos ir roubar tempo para ler? à televisão, às tarefas diárias, a outras formas de convívio; às redes sociais, etc? Para muitos, existe um conflito entre o desejo de ler e a falta de tempo para o fazer. Por isso, alguns meios de transporte (metro, etc) são, nos tempos modernos, a maior “sala de leitura”. Mas gostar de ler é uma forma de amor, ao livro, à palavra e à vontade de aprender, tal como o é amar alguém (filhos, pais, cônjuge)? Então, por essa ordem de ideias, também amar seria um roubo de tempo, tal como o tempo de leitura.

Outros, argumentam que sai caro comprar livros, mas esquecem-se que há muita oferta gratuita para ler. Por exemplo, bibliotecas, empréstimos de livros e, modernamente, mas sem sucesso, “bancas de troca de livros” livre e gratuita em centros comerciais, jardins públicos, etc. Ler é o alimento da alma e da educação e da formação, tal como o comer, saudável, é vital para o ser humano. Caminhamos para uma preocupante iliteracia, na era dum desenvolvido sistema comunicacional sem paralelo?

* Economista (aposentado)

Uma manhã de alma cheia

|Serafim Marques*|
É domingo e acordo com o corpo dorido, fruto da idade e de noites mal dormidas, porque o desassossego provoca estes danos colaterais. Hoje não tenho compromissos, porque apesar desta vida de reformado, debato-me com a terrível falta de tempo, mas, às vezes, sem saber o que fazer com ele.

O ginásio espera-me, nesta rotina de dar “vida à vida” que se vai esbatendo nestes já sessenta anos com muito desgaste do tempo e das “avarias”, sim, porque somos uma máquina perfeita, mas com defeitos e sem garantia fixa. Aliás, há muito que o meu cardiologista me disse que o meu prazo de validade poderia ter terminado há mais de vinte anos.

Entro no carro, a caminho do ginásio, porque a mente, por vezes, tem mais força do que o corpo onde “vive” e por ele é transportada. O rádio está sempre ligado e, como sou homem fiel e de rotinas, por agora a emissora é a mesma. A canção que passa é linda (Espelho de água – Paulo Gonzo) e, apesar de ter sido patrocinada pela EDP, vem muito a propósito neste final de Verão terrível de seca e fogos que agravam, e de que maneira, o nosso ambiente e uma das suas fontes vitais: a água. Se não fosse a conduzir, apetecia-me fechar os olhos e relembrar o videoclip utilizado na canção, aquando do seu lançamento. Vou sorvendo a letra e a musica: “Olhos bem abertos, percorro a paisagem e guardo o que vejo, para sempre, uma clara imagem.

Um manto imenso de água…, de um azul quase profundo. Um sopro de ar, faz girar, o mundo melhor, raio de sol, luz maior, para partilhar…Faz da vida, paixão energia, que toca sempre mais alguém. Vai, espelho de água, trata e guarda, o que é nosso afinal. Em nós, vive a arte, de ser parte, de um mundo melhor. Eu sei, que gestos banais, parecem pouco, mas talvez sejam fundamentais”. Sim, parecem banais os gestos, que todos deveríamos praticar na defesa deste mundo melhor e que são de vital importância na preservação daquilo que é nosso.

Sento-me na bicicleta estática do ginásio e, para ajudar no “sacrifício” de castigar o corpo, ligo a televisão do sistema do ginásio e deixo-me ficar na transmissão da missa dominical pela RTP, diretamente, duma igreja do Funchal. Faço isso com frequência, sempre na esperança de que algum padre celebrante me surpreenda nas homilias. Por vezes, a surpresa é enorme, quer pelo tema da homilia quer pelas qualidades oratórias do celebrante. Tal como aconteceu há duas semanas e diretamente duma igreja de Ponta Delgada, na ilha de S. Miguel, hoje o jovem celebrante contagiou-me, porque o tema do “perdão” e as suas qualidades comunicacionais atingiram-me a alma.

Perdoar é algo que deveria ser assumido por todos os cidadãos, independentemente da sua crença religiosa, porque é um valor civilizacional. Mas não é fácil perdoar a quem nos fez mal ou mesmo termos a coragem de, humildemente, pedirmos perdão, porque sentiríamos esse gesto como uma humilhação. Contudo, a humildade é uma característica apaziguadora de outros potenciais conflitos, pessoais ou coletivos.

Por vezes, egoisticamente, pedimos perdão por algumas das nossas faltas, mas já não somos capazes de conceder o mesmo a alguém que nos fez algo semelhante ou mesmo de menor importância. O celebrante prendeu-me ao tema tão atual, recorrendo às parábolas de há mais de dois mil anos e à realidade atual, pois é algo que a todos nos toca, quer como ofendidos quer como ofensores de alguém, por vezes bem próximo de nós nos laços afetivos e familiares. Aliás, as câmaras da televisão mostraram algumas das fiéis a secarem as lágrimas e outras exibiam uma imagem que tocavam fundo aos expectadores.

Vivemos uma época muito complicada nesta matéria, onde o ódio, a vingança, a ganância, o crime, o desamor e as guerras fazem deste mundo e de nós, por vezes, um inferno. Por isso, as “forças vivas do bem” têm muito para fazer com que este mundo seja bem melhor do que está a ser. As religiões e os seus crentes têm muita culpa nestes comportamentos, mas nelas há, garantidamente, líderes e seguidores que condenam as violências que se praticam, muitas do foro meramente individual, mas outras movidas pelas instituições religiosas e políticas, incluindo os governantes que, ávidos do poder, da vingança e da ganância sacrificam milhões de inocentes.

Assumo que sou católico, não fanático e muito seletivo e independente nas minhas crenças e práticas, - o meu lema é , chegar a Deus através dos humanos, procurando praticar neles e com eles os valores cristãos - e confesso que me “reaproximei” mais da igreja católica depois de me aperceber dos perigos que as sociedades cristãs correm , mais no futuro, porque a expansão e a agressividade e fanatismos de outras religiões, com o beneplácito de muitos governantes europeus, faz delas e dos seus fanáticos, uma séria ameaça à paz e aos cidadãos europeus e aos seus valores culturais e educacionais. Exagero? Que a realidade no tempo adulto dos meus netos, ainda criancinhas, desminta esta minha profecia. Muito tem que ser feito para que a convivência entre religiões, raças e povos seja pacifica e não belicista e com consequências imprevisíveis. É uma tarefa de todos e não apenas dos governantes mundiais.

Porque a dose de exercício físico ainda não era a recomendada, deu ainda para ver na televisão um episódio, duma série que desconhecia (Caminhos de Irmandade) que me maravilhou durante meia hora. A personagem portuguesa, uma jovem, tenta explicar o passado glorioso de Portugal a um jovem espanhol. Uma delícia, pelos textos, pelas imagens e pela originalidade narrativa, fresca e cativante. Ai aquilo que eu aprendi ou rememorei acerca do nosso passado. A não perder, para fortalecer o ego português e o orgulho do nosso passado, como lição para o presente.

Com o corpo liberto de toxinas e mais “fresco” do que estava ao acordar, porque a mente o obrigou a lutar, e com a alma cheias de mensagens de esperança, num mundo e num meio que corre sérios riscos, já merecia o almoço, não de guerreiro lusitano, mas de um cidadão consciente de que este Mundo, onde estamos de passagem, merece os nossos cuidados. A natureza está “revoltada e violenta”….

*Economista Reformado

Para que servem as tempestades?

|Serafim Marques*|
Um jovem caminhava num bosque, com o seu pai e foram surpreendidos por uma tempestade. Abrigados, como puderam, ficaram em silêncio meditativo, observando a força da natureza.

- Pai, para que servem as tempestades?

Surpreendido pela pergunta do filho, o pai demorou algum tempo a responder, pois a questão era profunda e ele nunca tinha pensado nisso. - Servem para testar a resistência, a coragem e a força dos homens. Servem também para purificar e renovar a natureza, pois também nela só os mais fortes resistem. Já pensaste que o vento abana as árvores para que se libertem das folhas e dos ramos mortos?

- Uhm....

- No que diz respeito aos humanos, alguns resistem e ficam mais fortes, mas outros deixam-se abater e ficam revoltados contra todos e contra a própria mãe natureza.

E o silêncio voltou à "gruta", só quebrado pelo barulho do vento e das árvores que iam caindo, porque estavam frágeis e não resistiam à "lei" e força da natureza.

Com a bonança, o pai retomou.

- Sabes filho, a natureza, não se queixa do mal que lhe fazemos. Vinga-se e zanga-se connosco, quando a agredimos. A natureza, ralha connosco, quando lhe fazemos mal.

As tempestades são a expressão mais violenta que a natureza utiliza para nos castigar das nossas agressões para com ela. E, sabes, tem muitas formas de o fazer e, infelizmente, cada vez com mais frequência. Por vezes, os humanos ficam impotentes de lutarem contra a sua força e só lhes resta esperaram que a fúria acabe.

Este pensamento ocorreu-me, num meu despertar, talvez porque no meu subconsciente se tenha albergado algum facto recente que testou a minha inteligência emocional e também porque têm ocorrido muitas situações de calamidades, algumas por negligência humana, com muitas vidas humanas perdidas. Incêndios, quedas de árvores mortíferas, tufões, destruição da natureza, etc.

Contudo, e involuntariamente, a minha memória recuou cerca de sessenta anos e trouxe-me, qual filme vivo e nítido, um episódio da minha infância rural. Era Agosto, mês de trovoadas frequentes e, naquele fim de dia, a minha mãe, eu, com nove ou dez anos de idade, e o meu irmão mais velho dois anos, (os outros três mais novos ficaram na aldeia entregues a si próprios - cada um a guardar o outro abaixo) apanhávamos feijoeiros secos, antes que a trovoada descarregasse uma bátega de chuva e os estragasse.

- Filho, pega neste molho e põe-te a caminho, antes que comece a chover, pois vem aí uma forte trovoada que eu e o teu irmão ainda ficamos mais um pouco.

Mas a trovoada e a chuva apanharam-me a meio do caminho e não hesitei em me abrigar numa casa-palheiro ali mesmo ao lado do caminho para a aldeia. Entrei, molho dos feijoeiros para o chão, e deitei o meu corpito cansado na palha de centeio e, indiferente aos trovões e relâmpagos, adormeci que nem um anjo, talvez protegido por Santa Bárbara, não fosse ali cair um raio.

Já a tarde tinha caído, andava meia aldeia à minha procura e acabaram por me assustar e interromper o meu sono profundo, aconchegado na palha de centeio ali guardada, ao abrirem a porta da casota.

Ainda "dorminhoco" e meio estranho com o opúsculo e o cheiro a terra molhada, senti-me herói por minutos, apesar de por ali não haver raptores de crianças, mesmo que as destinassem à escravatura ou a serem vendidas em feiras pelos ciganos, assim nos iam assustando, que nómadas, porque a lei da época não lhes permitia “sedentarizar” nos povoados, percorriam as aldeias à procura de meios de subsistência, ora pedindo, ora negociando ou roubando os parcos meios de subsistência, de gentio ainda mais pobre do que os aldeões.

As trovoadas, na minha aldeia beirã, em terras de Viriato, eram um espectáculo único, porque o palco também o era. Belo e assustador, punham em sentido os mais corajosos, que se refugiavam nas preces a Santa Bárbara (só nos lembramos de Santa Bárbara, quando troveja - provérbio popular que significa que só perante o perigo nos lembramos da prevenção/precaução). As tempestades, podem moldar-nos com uma estrutura física e mental de aço, por fora, mas de extrema sensibilidade interior, porque elas nos trazem mensagens que só passam despercebidas aos insensíveis. Por vezes, são acompanhadas de dor, para nós e para outros que, acobardados, tentam mostrar-se fortes, mais por medo, porque são mais frágeis do que mostram. Outros, esses cobardes, sacodem as suas responsabilidades. Nos incêndios florestais, o horror e a incompetência e a negligencia repete-se anos após ano e não aprendemos nada. A memória pelo mortos deste Verão merece que se atalhe caminho no combate a uma “tempestade” que não escolhe vítimas inocentes.

Para que servem as tempestades? Também para aprendermos com elas, quase sempre com elevadas perdas materiais, financeiras e HUMANAS.

*Economista Reformado

Lágrimas de Fogo de Artifício

|Serafim Marques*|
Se as tradições católicas foram perdendo importância na cultura sociológica das nossas aldeias, vilas e cidades, com o povo cada vez mais de costas voltadas para a igreja (católica, enquanto outras religiões se vão espalhando e crescendo de fieis e praticantes), as festas de cariz pagão ou mistas, essas têm vindo a adquirir relevo em cada povoado, maior ou mais pequeno, porque as comissões (de festas, de turismo, etc) e as autarquias têm “investido” muito dinheiro na promoção da sua terra ou na satisfação do povo que, muitas vezes, entre uma melhoria num equipamento colectivo ou na organização, da festa anual, “vota” nesta última.

Festa por três ou mais dias compensa as agruras do resto do ano! Com “palhaços e circo”, o povo até se esquece da crise, etc. Em torno da celebração em honra dum “Santo” padroeiro, contratam-se artistas, muitas vezes apelidados de “cantores pimba”, se forem portugueses, porque as “estrelas estrangeiras”, pagas a peso de ouro, essas não são pimba. Há comes e bebes, bailarico, música, muito álcool e foguetes, para levarem mais longe o “rugido” daquela festa. De facto, a utilização de fogo (rebentamento ou de artificio), como forma de celebração, é um uso , diríamos,  quase mundial ou talvez dos países mais ricos. Tomemos como exemplo as grandiosas manifestações de fogo de artificio que assinalam a “Passagem de Ano”  por esse mundo fora e  que as televisões dão maior grandiosidade.

Quando era criança e vivia numa aldeia beirã, bem no coração de Portugal (Viseu), mesmo muito pobre e a viver como na "idade da pedra", o povo não abdicava de “lançar foguetes” e, se bem me lembro, em três situações. Quando os mancebos iam à inspecção do serviço militar obrigatório, nas celebrações pascais  e na festa anual do S.Pedro, padroeiro da minha freguesia. No primeiro caso, era uma honra para um jovem ser considerado apto para o serviço militar, porque era sinal de que era um homem. Assim, de regresso da cidade, lançavam alguns foguetes que ali tinham adquirido. Nos outros dos casos, faziam parte de festas importantes na comunidade, mais do que o Natal, por exemplo, mas se uma era de cariz estritamente religiosa, a festa mais sentida de todas as que que se celebravam - a Páscoa - a outra,, em honra do Santo, era de cariz misto, mas quase irrelevante a componente religiosa.

Ainda menino, até aos 11 anos de idade e posteriormente muito esporadicamente ali de visita, estas duas festas encantavam-me a minha singeleza dum pequeno aldeão, mesmo que nem um tostão tivesse para dar uma volta no carrossel ou beber um pirolito, por alturas do último fim de semana do mês de Junho, porque o trabalho era duro e as festas só poderiam ser celebradas em “dia santo” ou domingo. No domingo de Páscoa ou dia seguinte, porque naquele tempo eram muitos os “fogos” (casas de habitação), decorria a "cerimónia do compassou ou visita pascal", que era constituída pelo padre e era acompanhado, pelo sacristão, que transportava o crucifixo , e o portador da água-benta, e a família reunia-se então de joelhos na sala da casa a visitar, onde o padre lhes dava a cruz a beijar.

Nas ruas e em frente a cada uma das casas visitavas, cujas entradas se apresentavam enfeitadas com verdura e atapetadas de giestas, rosmaninho, alecrim e louro, o povo entoava cânticos pascais. De vez em quando, estalavam foguetes lançados por aldeões inexperientes, pelo que, por vezes, o perigo espreitava e alguns incidentes aconteciam, com maior ou menor gravidade. Confesso, que não sentia grande entusiasmo, para não dizer que sentia medo, como alguns, pelo actos pirotécnicos.

Hoje, com esta idade, continuo a não sentir grande entusiasmo pelos espectáculos de pirotecnia, porque sempre pensei nos riscos que o processo implica. Desde o fabrico, armazenamento, transporte e processo de lançamento, em cada etapa há riscos que, nalgumas situações , podem ser dramáticos. Infelizmente e a poucos dias dum período importante para os negócios da pirotecnia, o período pascal, ocorreu uma tragédia em Avões (concelho de Lamego e distrito de Viseu) que fez oito vítimas mortais (cujos corpos ficaram desfeitos, tal a violência das explosões, todas elas na flor da idade e que deixam crianças órfãs, algumas com poucos meses de idade.

Foi um drama e que nos deverá levar a pensar que, em qualquer festa mas talvez mais nesta da Pascoa, a primeira das grandes festas anuais, que o espectáculo  da “queima de foguetes” pode ter muito sangue e dor envolvido. Se desde muito cedo me questionava  se valia a pena, isto é, se o espectáculo, por vezes de minutos, porque cada foguete estoira em segundos, compensa os custos envolvidos, sejam financeiros ou humanos. Quanto “custam” (uma vida humana não tem preço) as vidas ceifadas em Avões?

E se os rebentamentos tivessem ocorrido, por exemplo, no transporte ou numa povoação, quantas vidas se perderiam, tal é a força destruidora da carga, concentrada, de pirotecnia ? Vale  a pena meditar, não apenas nas muitas festas pascais que vão ocorrer no nosso país, ainda considerado como predominantemente católico, embora as igrejas, em muitos casos, fiquem vazias. É o negócio, e que é o ganha-pão de muitas pessoas, dizemos todos, mas, nesta Páscoa principalmente, os foguetes lançados vão cheios de lágrimas, não daqueles que morreram, mas dos que ficaram dramaticamente fragilizados. São lágrimas de fogo de artifício carregadas de sangue e dor.

*Economista

Pai, o Nosso Ídolo

|Serafim Marques|
Pegou moda comemorar tudo com “o dia de…”, com o propósito de nos levar a pensarmos num determinado assunto, pelo menos uma vez no ano, embora corramos o risco de, face a tantas comemorações, banalizarmos a importância dos factos ou lemas que se comemoram. 

Das mais antigas comemorações, encontram-se o “dia da mãe”, este com data móvel (no primeiro domingo de Maio) e o “dia do pai”, em Portugal, no dia 19 de Março. Ao que tudo indica, a criação destas duas celebrações assentaram na ideia de fortalecer os laços familiares e o respeito por aqueles que nos deram a vida e, nos países cristãos, há uma simbologia assente nos pais de Cristo, cujo presépio representa.

Nos últimos séculos, as sociedades ocidentais têm sofrido profundas alterações na estrutura das suas instituições e a família, como célula base, foi das que mais sofreu. Quando as sociedades começaram a organizar-se em nações, surgiu a figura do casamento para sustentação da família, que, normalmente, só com a morte dum dos conjugues se desfazia, porque os divórcios eram proibidos e raros.

Hoje, faz mais sentido falar na conjugalidade, onde um casal surge quando dois indivíduos se comprometem numa relação que pretendem que se prolongue no tempo e constitui um espaço de apoio ao desenvolvimento familiar, em articulação entre individualidade e conjugalidade , ou seja, os dois elementos do casal têm que negociar a vivência a dois o que implica tomar uma série de decisões no quotidiano comum, que para além dos benefícios, também implicam sacrifícios dos conjugues.

Uma união conjugal não conduz, necessariamente, à paternidade e maternidade, pois muita gente opta por não ter filhos, vivendo então a conjugalidade duma forma egoísta, com reflexos na natalidade e na sustentação do modelo de sociedade. São opções, porque ser pai e ser mãe é uma das mais importantes tarefas de que o ser humano vivencia, com tudo de belo que ela significam, mas  “não há bela sem senão” e, neste papel, esta é também uma tarefa de grande sacrifício individual e duma enorme responsabilidade, porque o ser humano é dos poucos “animais” que não nasce nem sobreviveria de forma  autónoma como muitas espécies do mundo animal.

Se o papel da mãe é de vital importância, até porque é ela que realiza a gestação, o papel do pai , depois de “depositar a sementes” , pode começar a ser desempenhado ainda na barriga daquela que engravidou, porque a interacção com a criança começa ainda naquele idílico lugar donde somos expulsos, prematura e violentamente, ao fim de nove meses.

Depois, começam os maiores trabalhos e responsabilidade e a partir daí se vê o verdadeiro pai, isto é aquele que vai ser a referência masculina na criança, independentemente do género (F ou M) desta. Ademais, as relações laborais alteraram-se profundamente, com a crescente integração da mulher no mundo do trabalho, com reflexos na família, pelo que o papel do pai, aquele que era a reserva de autoridade e o ganha pão, passou também a ser um agente participativo nos cuidados e na educação da criança durante a sua fase de crescimento e socialização.

O pai é fundamental na formação da personalidade da criança, e como ela desenvolverá diversas características até a idade adulta. Embora em número crescente, infelizmente ainda há muitos que se demitem desse papel, quando mesmo não fogem, optando pela rotura conjugal e deixando a criança aos cuidados da mãe. São muitos os reflexos na “criança abandonada”, nomeadamente na sua formação, educação e equilíbrio emocional, com graves consequências na sua formação humana.

A criança ou o jovem, “perde o pai presente” que tanta falta lhe vai fazer no seu crescimento, porque perde a referência masculina e que, ainda para agravar, vai ser inserido num sistema de ensino predominantemente feminino, isto, praticamente desde o infantário até à entrada na universidade, os cuidadores, educadores e formadores são largamente do sexo feminino.

As consequências deste excesso de femininização na socialização humana ainda não estão avaliadas, mas algo de mau vai grassando por aí, pelo que não seria de todo errado atribuir esses males também, mas não só, à “ausência do pai” que não tem, necessariamente, que ser o pai biológico. Nos pais homossexuais, com filhos biológicos dum deles ou adoptados, a referência do outro género não facilita a socialização. Porque celebramos , por estes dias, o “Dia do Pai”,  prestemos homenagem aos nossos pais, mas também meditemos na sua imprescindível importância nas nossas vidas, como educadores e como referências.

Eu, perdi o meu pai, por causa duma daquelas doenças da época e a partir dali, foram poucas as vezes que com ele convivi, até este falecer, mas ficaram-me, para sempre, as recordações daqueles sete anos duma paternidade simples e própria do mundo rural da década de cinquenta e depois, sempre com curtas visitas, nos nove anos de internamento, ouvia atentamente os seus conselhos e, após cada despedida, com lágrimas não contidas, pensava em todos os seus conselhos que me atingiam a alma e uma profunda tristeza, pois nem num abraço de conforto me poderia refugiar.

Dentre os muitos, um deles gravou-se-me bem no fundo da alma:"Filho, faz-te homem, já que eu não posso ajudar-te”. E eu cumpri, também em homenagem ao meu pai e porque ele, fisicamente ausente, foi e continua a ser a minha estrela-guia lá no céu, para onde partiu há cinquenta anos. Não nos “abandonou”, a mim e aos meus cinco irmãos, e esse destino deu-nos forças para lutarmos, porque a morte é menos violenta nos filhos do que o “abandono”.

Pai não é aquele que apenas  nos dá a vida, mas sim o pai que nos educa com amor , porque educar é a maior obra que poderemos fazer por um ser humano. Se não soubermos ou não quisermos educar as crianças e os jovens, a justiça poderá ter que vir as puni-las, quando forem adultos. As prisões estão cheias!

A dor que nos sufoca

|Serafim Marques|
Todas as mortes são sofridas e dolorosas, mas umas mais do que outras por envolverem perdas de ente queridos que não voltaremos a ver, mais ainda quando se trata da morte de um filho, cuja dor é inimaginável. 

São mortes anti natura pelo que a dor e tristeza se transforma num calvário difícil de suportar, provavelmente por muitos anos dos seus familiares.

Por estes dias, ocorreu a morte de duas jovens de 13 e 14 anos que terão sido colhidas pela deslocação dum comboio que circulava na linha férrea do Norte, no distrito de Coimbra. Além da rebeldia das jovens que se ausentaram da sua residência, sem autorização dos pais, e se deslocaram a Coimbra, de comboio, transporte que nunca teriam utilizado,  para, segundo testemunhos, se encontrarem com um amigo, no regresso terão cometido enganos, próprios da inexperiência e depois se fizeram a caminho optando por circular ao lado da própria linha férrea, tendo então sido colhidas por um com bóio que circularia no mesmo sentido das jovens.

Notícias e factos destes, deixam qualquer cidadão afectado pela perda e “violência” que tal significa, mas também “revoltados” pela facilidade que crianças daquela idade têm em ousar praticar actos de violação das regras familiares e educacionais e, em muitos casos, correrem riscos fatais. Aconteceu ali, mas poderia acontecer às portas duma qualquer discoteca, porque são muitos os jovens daquela idade que têm liberdade dos educadores para frequentarem locais impróprios para a sua idade e imaturidade. Depois, são os pais que se lamentam de terem perdido a “autoridade” para com os seus educandos, e sofrem ambos as consequências desse laxismo. Perdas irreparáveis e profundamente dolorosas.

Nesta manhã, e enquanto tomava a minha “bica”, voltei  a ler um jornal diário que continuava com o assunto, porque as desgraças “vendem jornais” e também cativam os expectadores das televisões, e  acabei assim por ficar ainda mais triste e revoltado com a morte daquelas duas crianças.

 Saí e entrei no carro e, nem a propósito, na rádio passava uma canção cuja letra versava a morte de um ente querido que, presumo fosse o pai do cantor, por atropelamento citadino, imagine-se, por um carro da Policia que respondia a uma chamada de urgência. Não conhecia a canção mas fixei algumas partes da letra: “Tu partiste sem deixar mensagem; não tiveste tempo de comunicar. Ficou tão triste a paisagem; sinto um enorme vazio; resta-me arranjar coragem para vencer o frio.... Sem ti ninguém me transmite alegria....”.

O meu ânimo “afundou-se” ainda mais até porque naquela viagem , duma dezena de quilómetros, a minha memória dirigiu-se para o meu pai e que a “má sorte”, dele e de nós (mãe e cinco irmãos menores),  não o deixou ser um pai por longo tempo e que tanta falta nos fez, não só como “ganhador do pão” que nos faltava, mas, acima de tudo , pelo seu papel de pai que não desempenhou e cuja falta sentimos na alma.

Estas três histórias de sofrimento e perda, deixaram-me profundamente triste, também  afectado pelo sofrimento de milhões de inocentes e que só um coração de gelo ou egoismo, muito alimentado pelos valores que imperam nas sociedades do “norte rico do Globo”. Neste frenezim natalício, na qual muita gente anda atarefada no “faz de conta do amor, da felicidade, da amizade e da paz”, alguns sofrem e outros ficam cada vez mais vazios e depois acabam também por sofrer. “ Aquele que nunca  sentiu tristeza, nunca reconhecerá a alegria.” – K.Gibran. Contudo : “Cuidado com a tristeza. Ela é um vício” – G. Flaubert ; Dizem os especialistas e podemos confirmar nós, a tristeza só é  prejudicial à saúde se for patológica e persistente.

De outro modo, todos nós temos períodos  de tristeza e isso faz parte da nossa condição de humanos. Porque: “A vida não é triste. Tem horas tristes.” – R. Rolland. Nos casos das perdas aqui citadas e em mentes fortes: “A alma resiste muito mais facilmente às mais vivas dores do que à tristeza prolongada.” –JJ. Rousseau. Difícil de ultrapassar são as situações de sensação de culpa ou remorsos como poderá acontecer em casos semelhantes aos familiares destas jovens que perderam a vida brutalmente numa situação de “transgressão” aos valores de educação e autoridade e responsabilidade dos educadores. Cedo os jovens começam a esticar a corda da autoridade dos educadores, mas quando é de mais, estatelam-se sem amparo. Infelizmente  e sem saudosismos do passado modelo autoritário, a corda está muito esticada no actual estado da educação das nossas crianças e jovens.

“Bancos: Lucros Privados, mas Perdas Públicas”

|Serafim Marques*|
O que é um banco, poderia perguntar-se a qualquer pessoa, mas cuja resposta dependeria dos seus conhecimentos acerca das especificidades. Contudo, com mais ou menos pormenores, todo o adulto conhece um banco, porque usa o dinheiro e sabe que é lá que ele é “fabricado” e desde que o homem substituiu os meios de pagamento com géneros (sal, couros, ouro, etc) pela moeda, surgiram os bancos.

Existem relatos de sistemas financeiros desde a antiguidade, onde os povos fenícios, que aportaram até Lisboa, já utilizavam várias formas diferentes de realizar pagamentos, como documentos de créditos. Mas, foi no século XVII que os bancos se firmaram, com o lançamento do dinheiro de papel (papel-moeda) que passou a ter, basicamente, três funções: meio ou instrumento de troca; unidade de medida ou de conta – a moeda serve para uniformizar as medidas de valor, independentemente dos bens ou serviço e reserva de valor - a moeda pode ser guardada para uso posterior, pois apenas representa um valor que pode ser trocado por mercadorias ou serviços, no presente ou no futuro.

 Em síntese, a moeda, aqui em sentido lato e composto pelas notas e moedas físicas, é um título de credito representativo duma parte da riqueza dum país, entendendo-se assim por que as moedas dos diferentes países têm valores de câmbio diferentes. Sem bancos, a moeda (dinheiro) não funcionaria e continuaríamos no longínquo período das trocas directas, incompatível com a globalização, cujo sistema financeiro se tornou cada vez mais dificil de controlar.

Os bancos são empresas, designadas por instituições financeiras, que podem ser privadas ou públicas, essenciais à sociedade e à manutenção da actividade económica e dos Estados, porque além de oferecerem serviços financeiros, facilitam transacções de pagamento e oferecem crédito às empresas, às pessoas, ao Estado, etc, contribuindo para o desenvolvimento das sociedades modernas e das transacções internacionais. Se de facto são os Bancos Centrais (BC) que “produzem” as notas e as moedas, são os bancos comerciais que “criam e destroem” a moeda, porque as notas só são dinheiro quando circulam no sistema, mesmo que estejam paradas debaixo do colchão, isto é, desde que saem ou entram nos cofres dos bancos.

Como membro dum sistema (financeiro) dinâmico, um banco capta o dinheiro (depósitos) dos clientes (pessoas, empresas, Estado, etc) que depois é utilizado para conceder empréstimos aos seus clientes. Como são empresas com fins lucrativos, salvo algumas excepções, os bancos conseguem obter lucros, através dos juros e das taxas cobradas pelas transacções e serviços efectuadas. E é, essencialmente, na concessão do crédito que os bancos vêem, duma forma pouco limitada, a sua capacidade de criação de moeda, a chamada moeda escritural, pois o dinheiro em notas e moedas representa em média 8% do PIB e depende também dos hábitos de pagamento dos consumidores. Com base no contrato e duma forma contabilística, a Massa Monetária aumenta. É, pois, o crédito, a fonte dinamizadora da economia mas também o “calcanhar de Aquiles” dos bancos, porque os incobráveis geram prejuízos que fazem perigar a solidez dum banco, como se viu nos exemplos recentes em Portugal.

Quanto mais lucrativo for uma banco, o que não agrada a muita gente, baseado na sua dimensão, eficiência, etc, e não em transacções especulativas ou afins, melhor para o sistema e para todos, porque a falência dum banco tem elevados custos directos ou indirectos para TODOS, sim, todos, mesmo para aqueles que dizem nada ter a ver com isso. No nosso país e muito recentemente, temos exemplos de sobra que nos têm prejudicado a todos os contribuintes. São os casos do BPN, BPP, BES e agora do BANIF.

Como foi possível que aquelas empresas/instituições estivessem tão “doentes”, por dolo/crime ou por negligência e as instituições fiscalizadoras (BdeP, CMVM, etc) não tivessem detectado a tempo os perigosos caminhos ou “pântanos” onde estavam mergulhadas? Ao longo da história bancária, sempre houve falências, mas nada faria supor que o nosso país fosse castigado deste modo. Onde estão/estavam os responsáveis directos (conhecemos alguns porque estão a contas com a justiça, que tarda) e indirectos, que não poderemos mencionar?

Um antigo responsável do sector (Dr João Salgueiro), disse, por estes dias, que outros bancos estarão na calha para serem resgatados (entenda-se com injecção de dinheiros dos contribuintes). Ao ouvi-lo, ocorreu-me o que aconteceu ao BANIF que, segundo se diz por aí, a derrocada começou com uma noticia veiculada numa televisão. Com que intenção vem este senhor dizer isto e em público? É que os bancos funcionam numa base de confiança que se for abalada pode significar a derrocada ou o abanão de um ou mais, pois eles funcionam em sistema e as noticias e discussões na “praça pública” em nada favorecem os interesses do sistema e dos seus agentes, incluindo os depositantes ou investidores.

Numa qualquer empresa, se não for estratégica (EDP, etc) a sua falência não abala o sistema, mas já aos bancos, pela sua especificidade, exige-se que, embora sejam privados e, por isso, com direito à distribuição de lucros aos seus accionistas, sejam eficazmente controlados pelas respectivas autoridades, para que as perdas que ocorrem não sejam públicas, isto é, suportadas por todos nós, contribuintes, bem penalizados que temos sido,porque quem de direito e dever não terá desempenhado bem as suas funções. O poder politico, económico e judicial do mundo, corre sérios riscos, porque o poder do sistema financeiro é enorme e incontrolável (fugas de capitais, offShores, máfias, etc.).

*Economista

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