A barafunda é total

|Hélio Bernardo Lopes|
Embora, como pude já escrever, ninguém hoje ligue um ínfimo ao caso de Tancos – diz-se agora que Jesus poderá vir a substituir Rui Vitória –, a verdade é que a grande comunicação social e os partidos da oposição têm perseverado em incentivar a barafunda entretanto gerada ao redor do caso em questão. 

Custa-me acreditar que as entidades que vêm promovendo a presente barafunda consigam imaginar o cansaço da generalidade dos que acompanham os noticiários televisivos. Por acaso, um cansaço acompanhado de sorrisos tradutores da graça que tudo isto também já suscita.

Não tendo acompanhado a intervenção do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa durante a recente parada das Forças Armadas, limitando-me a conhecer algumas das suas partes posteriormente, não posso deixar de reconhecer a fortíssima correlação entre as mesmas e a reportagem da passada sexta-feira do SEXTA ÀS NOVE, que foi para o ar logo após o noticiário da hora do jantar da RTP.

Claro está que a reportagem, apesar de muito imperativa no que reportou, não forneceu dados demonstrativos do que referiu. Simplesmente, as reportagens em Portugal são sempre assim, como se tem podido ver à saciedade em casos os mais diversos. E não custa acreditar que a nossa oposição diria exatamente o contrário se, no lugar da Presidência da República e do seu anterior Chefe da Casa Militar, estivessem a Presidência do Conselho de Ministros e a estrutura militar que a assessora.

O estado da barafunda a que se chegou tem, à luz do meu entendimento, uma causa primeira: as constantes intervenções do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, sempre operadas a cada momento em que sobre o tema é questionado. Tudo seria diferente se se limitasse, de uma vez por todas, a dizer aos jornalistas: agradeço que não voltem a perguntar-me o que quer que seja sobre este tema, porque o mesmo está a ser tratado por quem tem a incumbência de o fazer. Infelizmente, de cada vez que é questionado, o Presidente da República lá diz um pouquinho mais, declarações logo colocadas ao Primeiro-Ministro, cujas respostas voltam depois a ser expostas ao primeiro. Ou seja: uma sucessão de sucessos que se sucedem sucessivamente sem cessar.

Gerou-se, deste modo, a barafunda que se vai podendo ver. De facto, se o leitor tiver tido a oportunidade de acompanhar este caso através dos noticiários televisivos, ou dos comentários de jornalistas, analistas e comentadores, facilmente se dará conta de que tudo vai sendo contado com imprecisão, variando com o tempo o (suposto) valor de verdade do que é dito, e com as verdades de hoje a servirem para arremessar sobre estes e amanhã sobre aqueles.

Interessante é o cabal silêncio sobre os ladrões das tais armas apontadas como furtadas em Tancos. Espantosamente, sobre este tema, bom, nem uma noticiazinha... Não surge, neste domínio, uma violaçãozinha ao segredo de justiça... E isto apesar do general Rovisco Duarte, em plena emissão televisiva, ter reconhecido que o tal furto teria de ter cumplicidade interna. Nem o Teorema de Fermat terá sido coisa tão complexa!

Vão decorridos muitos anos sobre certa conversa com um amigo meu, que me fez esta referência, mas que recusei ao tempo: a culpa de tudo isto – preparava-se António Guterres para deixar o poder – é da comunicação social. Este amigo meu, note-se, era dos tempos da fundação do CDS. Hoje, tantos anos depois, já com as redes sociais aí bem vivinhas, com a Extrema-Direita a surgir por toda a parte – Madeleine Albright diz hoje ao Público que as ameaças reais do fascismo à democracia que vêm de todo o espetro político –, já não consigo deixar de ver a realidade que nos vais surgindo a cada dia que passa.

Termino este meu texto com as palavras de Alfredo Barroso, no seu texto de hoje, no i, CRISE DA DEMOCRACIA, CRISE DO OCIDENTE, referindo que a deriva demagógica e populista está a crescer a olhos vistos, conduzida por caudilhos sem escrúpulos, sem educação, sem cultura, sem preparação, e tanto ou mais medíocres e porventura tão corruptos como alguns desses políticos tradicionais. Mas, então, e o Povo? Para que lhe serve, afinal, a democracia? Ou será que a natureza humana é muitíssimo diferente do que desde há muito se vem apregoando? Um dado é certo: o caso do dito furto do armamento de Tancos foi atirado para um autêntico estado de barafunda. E foi um máximo absoluto desta que se observou na sequência do programa dirigido por Sandra Felgueiras. E já agora: e se o preço a pagar pelo conhecimento da verdade prejudicar o País incomensuravelmente mais que o seu desconhecimento? Continuará a imagem de Portugal a estar primeiro? E sabe o que lhe digo, caro leitor? Marcelo Caetano era um português com honra e vergonha e um jurista muito emérito... Veja se vislumbra o alcance do que acabo de escrever, porque já o referi, ao menos, em dois textos meus.

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