Querem fechar a minha Casa

|Danil Conde|
A obra Salesiana chegou a Poiares da Régua, aldeia vinhateira do Peso da Régua, Trás-osMontes, em 1924. De raízes modestas, cresceu desde há 40 anos atrás para as dimensões actuais, um colégio com capacidade para acolher alunos em regime de internato e externato, leccionando para turmas dos 2º e 3º Ciclos e cursos profissionais.

Desengane-se contudo quem acha que tal facto a confinou a estar fora do radar. Fui aluno salesiano em Poiares entre 1994 e 1999, mesmo estando a minha aldeia a 140 km de distância, no concelho de Vinhais, e por sugestão de um familiar, também antigo aluno salesiano de Poiares, também ele vinhaense. Desses anos de internato, onde o Colégio Salesiano de Poiares da Régua foi a minha escola e a minha casa, ficou a amizade com colegas de praticamente todos os recantos de Trás-os-Montes: Bragança, Miranda do Douro, Mogadouro, Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Vila Flor, Macedo de Cavaleiros, Mirandela, Valpaços, Chaves, Vila Pouca de Aguiar, Murça, Montalegre, Mondim de Basto, Vila Real, Santa Marta de Penaguião, Peso da Régua, Lamego, Armamar, e São João da Pesqueira.

Em nenhuma outra escola que frequentei, da “pré” ao Ensino Superior, voltei a ver tamanha dimensão de captação territorial de alunos. Logo aqui sobressai imediatamente a insensibilidade padronizada de uma norma criada por quem se habituou a gerir o país a partir de um gabinete em Lisboa; obrigar este colégio a receber apenas alunos do diminuto concelho do Peso da Régua é ignorar décadas de tradição em acolher dezenas de milhares de alunos num raio de 180 km – a distância entre esta insuspeita aldeia duriense, e Miranda do Douro.

Mas a gestão “chapa 5” com que se juntam realidades completamente distintas, a bem de uma gestão pública fast food, onde ao imediatismo se alia impreparação, ainda enforca este colégio noutros preconceitos assassinos. Apesar de ter frequentado posteriormente outros excelentes estabelecimentos de ensino, como a há muito extinta Secundária da Cidade Universitária, o ISCTE e a ESHTE, nunca mais voltei a encontrar o ensino ou a mera vivência de valores de amizade, respeito e entreajuda como em Poiares. Não vamos mais longe: guardo ainda comigo desses tempos um ensinamento de D. Bosco, padre italiano do século XIX e fundador dos Salesianos: “Sede bons cristãos e honestos cidadãos”.

O que trago ainda desses anos neste Colégio? O gosto pela música, onde aprendi a tocar órgão; o da prática do hóquei em patins, graças a alguém que deixou marcas nesta modalidade em Portugal e em Moçambique, o meu conterrâneo Padre Nuno; o de ler e escrever, tendo o meu primeiro artigo de opinião sido publicado na imprensa quando ainda aqui estudava; o da cidadania, que me guiou até à fundação nada menos do que o Movimento Cívico pela Linha do Tua; e esse vício malvado, o de viajar e defender os caminhos-de-ferro, graças às viagens de e para casa a partir da estação da Régua. Last but not least, foi neste Colégio que conheci aquela que é hoje a minha mulher, e mãe da nossa princesa Leonor.

Mas não se trata apenas do que devo a este Colégio, e a tudo aquilo que aqui aprendi. Trata-se de um vasto conjunto de equipamentos, de entre os quais um pavilhão desportivo, um ringue de patinagem, mais de 15 salas de aula, uma ampla sala de teatro, um dormitório com capacidade para mais de 100 alunos. Trata-se do serviço social e religioso prestado às comunidades locais, da arte ao desporto e ao culto católico. Trata-se das dezenas de postos de trabalho directos e indirectos, aqueles que custa tanto criar e manter, aqui, no tal Portugal profundo, que tanto dá ao país e tão pouco dele recebe. Trata-se ainda de um sistema de ensino que alia o melhor dos nossos tempos em tecnologia, à melhor pedagogia que os Salesianos têm vindo a apurar desde D. Bosco e a sua paternal e acolhedora “Boa Noite”.

Fechar o Colégio Salesiano de Poiares da Régua, porque uma norma criada para poupar dinheiro ao Estado depois de anos de desvario a financiar sem rei nem roque alguns estabelecimentos de ensino privados, sem ter em conta a metodologia de ensino e décadas de tradição a preparar os jovens de uma província inteira, é de uma boçalidade atroz. Torna-se pois imperioso retroceder nesta decisão desequilibrada, e acabar com esta torpe decisão de fechar as portas a alunos que por tradição vêm do Larouco às Arribes, de Montesinho ao Marão, do Tâmega ao Douro.

Faço votos para que haja finalmente bom senso e humildade, e não encerrem uma parte vital do que eu sou junto com os portões de Poiares.

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN