Já não fico espantado

|Hélio Bernardo Lopes|
A experiência dos portugueses com a baixa política é já tão grande, até tão antiga, que não espantam já os mais recentes episódios surgidos na nossa vida comunitária por via da grande comunicação social. Refiro-me aqui aos casos Constâncio e Álvaro Amaro. 

Em primeiro lugar, e mais uma vez, o caso Vítor Constâncio. Sendo uma personalidade oriunda do PS, de que chegou mesmo a ser Secretário-Geral – um verdadeiro erro de casting –, a grande comunicação social, hoje cabalmente alinhada com a Direita, teria de cascar nele de todo o modo e feitio.

Claro está que nós tivemos agora a possibilidade de o escutar, ao menos, por duas vezes, uma na RTP 3, no programa 360, outra numa rádio nacional de grande projeção. Na primeira esteve presente Helena Garrido e, segundo percebi – de facto, não ouvi a entrevista –, na segunda terá estado presente Cristina Ferreira. Portanto, mostrarei aqui, apenas, o que pude ver a partir daquela.

A entrevista concedida ao 360, também com a presença de Ana Lourenço, mostrou-se-me como uma autêntica sessão de tiro ao Constâncio. Ainda assim, a entrevista não conseguiu impedir a evidência das coisas, mostrando que Vítor Constâncio domina cabalmente a realidade com que se vem tentando atingi-lo, mas saindo muitíssimo por cima da ideia que vem sendo veiculada pela grande comunicação social, hoje em grandes dificuldades financeiras e ávida de sensacionalismo e de conseguir brilhar com os sempre atrativos escândalos. Neste caso, um escândalo realmente inexistente.

Independentemente do resto do diálogo de ontem, entre José Manuel Fernandes e Pedro Adão e Silva, a verdade é o primeiro lá se viu obrigado a reconhecer o que ninguém diz: o primeiro – o principal, em minha opinião – responsável do empréstimo da Caixa Geral de Depósitos a Joe Berardo foi a administração da instituição. E, respondendo a uma pergunta de Helena Garrido, Vítor Constâncio explicou o óbvio: a Administração da Caixa Geral de Depósitos podia, a cada dia, analisar o estado da amortização da dívida da Fundação Berardo, exigir as mudanças no sentido contratualizado, ou executar o que estava em causa. De tudo isto, porém, nunca se fala na grande comunicação social.

Tratou-se, em minha opinião, de uma entrevista concedida por alguém altamente dominador da temática em causa e que simplesmente...tem razão. E custa perceber que se possa continuar com este folhetim a um ritmo quase diário. Por vezes, com réplicas dentro de cada dia. Uma realidade que deve ser olhada através de quanto Salazar tantas vezes referiu sobre o que se passara na I República e que gerou em si as dúvidas conhecidas sobre a qualidade da aplicação das regras democráticas em Portugal, perante as caraterísticas da população portuguesa.

A verdade é que já se percebeu que Vítor Constâncio nada tem que se lhe aponte, mas o tiro ao Constâncio, porventura, terá ainda um bom potencial partidário para continuar. Eleições à vista...

E, em segundo lugar, o caso que hoje envolve Álvaro Amaro. Como se percebe, desconheço cabalmente o que se possa ter passado com o ex-autarca egitaniense. Mas há um dado que eu (e também o leitor) conheço: quase deixou de se falar do caso, agora que Álvaro Amaro estás prestes a tomar posse do lugar de eurodeputado.

Esta atitude da grande comunicação social é perfeitamente natural. Mas imagine o leitor o que a mesma grande comunicação social não teria já dito de Álvaro Amaro fosse do PS... Teríamos um folhetim diário, à semelhança do que tem lugar com Vítor Constâncio, ou com quem quer que seja, desde que do PS.

Estes dois casos é que justificam o título deste meu texto: já não fico espantado. De resto, também não fico espantado com o modo quietinho e quase silencioso como a nossa grande comunicação social, até os nossos intelectuais, fica sempre tão preocupada com Putin – dá para tudo, ou quase...–, ou Xi Jinping, ou com Bolsonaro, limitando-se a rir, mas por igual a contemporizar, com Trump, ou com a política de Israel e da Arábia Saudita. E por tudo isto, ainda me causaram alguma admiração, deveras positiva, as explicações do académico Filipe Vasconcelos Romão sobre o caso dos petroleiros no Mar de Omã, perante uma Cristina Esteves que parecia já só ver causalidade pelo lado iraniano! Então e as armas de destruição maciça do Iraque?! Lamentavelmente, os jornalistas de hoje, de um modo muito geral, quedam-se a anos-luz dos grandes nomes históricos da área no tempo da II República. Um dado é certo: era muito mais fácil ser corajoso no velho tempo do que hoje, ou não se assistiria ao lamentável espetáculo diário que nos vai chegando.

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