Greves

|Hélio Bernardo Lopes|
Decorre, no presente momento e em Portugal, uma vaga de greves em setores os mais diversos. Uma vaga por onde se podem perceber, de um modo simplificado, três tipos de causas: causas de oportunidade partidária; causas envolvendo objetiva razão; e causas de mero oportunismo, tentando aproveitar um comboio que se move acossado de lados diversos e, desse modo, podendo imaginar-se como algo à deriva. Analisemos estas três vertentes da atual vaga de greves.

Em primeiro lugar, as causas de oportunidade partidária. É conhecida a fantástica aversão dos grandes interesses à atual solução governativa. Depois de se ter imaginado poder evitar que a mesma pudesse nascer, passou a acreditar-se que não teria, todavia, uma vida para lá de curta. Simplesmente, todo este sonho ruiu com estrondo.

O sonho transferiu-se depois para uma possível manifestação diabólica a curto prazo, mas por igual por via de uma ação do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa similar à do seu antecessor. Mas também estes dois sonhos seguiram o caminho dos anteriores, esvaindo-se sem materialização.

Por fim, foi surgindo uma infinda sucessão de aparentes oportunidades, a primeira das quais foram os estranhíssimos fogos florestais, depois o caso de Tancos, etc., até à tragédia mais recente, numa das pedreiras de Borba. A verdade é que nada tem surtido o efeito imaginado, uma vez que existe um caldo de fundo, que são os valores dos mais referentes indicadores económicos e sociais. Objetivamente, ninguém com bom senso poderá estar desejoso de mudar para um futuro que seria sempre, mais ou menos, uma incógnita. Para já não falar do nefando papel da grande comunicação social, hoje objetivamente ligada às linhas de força da política da Direita. Tudo debalde.

Perante estas evidências, a grande comunicação social, mas por igual a oposição, foram tentando estigmatizar o Bloco de Esquerda, o PCP e os Verdes, no sentido de lhes colar um rótulo de forças políticas que vêm cedendo perante a estratégia do PS, acabando por servir esta e, por esta via, minimizando as posições dos três partidos da Esquerda. Bom, a coisa, de facto, acabou por não funcionar, mas terá gerado, sobretudo depois das autárquicas, agora já com legislativas à vista, uma reação de revalorização do papel central destes partidos nos êxitos conseguidos. Simplesmente, esta é uma realidade que nunca foi ignorada pelos cidadãos.

Em segundo lugar, causas envolvendo objetiva razão. É o caso de um enorme leque de greves que vêm tendo lugar, de que a principal será a dos professores. Em todo o caso, são muitos mais os setores onde esta situação está presente. E só há um caminho a seguir para solucionar estas situações: dialogar com os contestatários das greves. Mas fazê-lo com vontade política e à luz de uma mudança global dos fatores que geram estas contestações. Uma realidade, que, infelizmente, não está a ter lugar. Por enquanto, porque o Governo poderá sempre, a todo o momento, mudar o rumo que vem sendo dado a estas realidades.

E, em terceiro lugar, causas de mero oportunismo. Claro está que, como sempre se dá numa situação como a atual, de pronto se percebe que é agora o momento de protestar, de exigir, sempre sem olhar a meios. Para não ser assim, teriam de existir valores fortes que ligassem os membros da comunidade e uma iniciativa do Governo, em ordem a ir, até onde fosse possível, ao encontro das exigências dos grevistas.

Ora, uma resposta deste tipo, numa situação como a do Portugal de hoje, já bem dentro da quarta década de vida da III República, só poderá ter êxito, porventura, à luz de uma reforma global da organização social, também suportada através do apoio dos setores sindical e patronal, mas que reordene o tecido social e legal existente, objetivamente uma mancha de retalhos construída um pouco ao Deus dará desde que entrou em vigor a Constituição de 1976, depois sucessivamente revista.

Como facilmente se percebe, uma tal reforma requer um leque vasto de apoios, tanto de natureza técnica como política, deve ter em vista a realidade envolvente mundial, precisa de tempo, deve culminar numa calendarização condicionada a fatores incontroláveis e requer tempo para ser implementada. Ainda assim, poderão desde já ser dados passos indiscutíveis e bem visíveis, de molde a que se possa baixar a energia interna que se introduziu no sistema global da nossa vida em sociedade.

Esta metodologia, que teria, com toda a certeza, o apoio do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, é a que deve ser seguida e desde já. Seria de excelente oportunidade um debate dos nossos líderes partidários, ao longo de uma boa semana de trabalho conjunto, de molde a que se conseguisse delinear uma envolvente política que viesse a servir de base às mudanças de fundo que se impõem em Portugal.

Formulo votos, pois, para que o Governo se determine a avançar com uma metodologia como a aqui apontada, ou de um tipo similar, recordando, a propósito, o que se passou com os Acordos de Bretton Woods, onde estiveram presentes, entre tantos outros, John Maynard Keynes e Harry Dexter White. E que aí tenha em conta o que por aí poderá vir em matéria de possibilidades de trabalho, olhando o descontrolo do que está a passar-se com as novas tecnologias, com a robótica, etc..

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