Eram 16 horas e 22 minutos

|Hélio Bernardo Lopes|
Exatamente, caro leitor, foi preciso terem decorrido 22 minutos sobre a hora marcada para a escolha aleatória do juiz de instrução criminal que irá apreciar o Caso Marquês, para que se obtivesse o tão esperado resultado. Um tema que decorreu num ambiente de um suposto falhanço do sistema informático em causa: nos termos indicados pelos jornalistas presentes, o referido sistema estaria a não responder.

Este acontecimento de pronto me trouxe ao pensamento a defesa porfiada de Manuela Ferreira Leite, há já uns anos, do mecanismo informático como o melhor para se conhecer a decisão, por exemplo, do eleitorado. A verdade é que, num caso simples, envolvendo a escolha de um de dois juízes – Carlos Alexandre ou Ivo Rosa –, houve este apontado falhanço, pelo que facilmente se imagina o que não deveria vir a ter lugar com o apuramento dos resultados em eleições nacionais.

A tudo isto, poderemos juntar o já histórico VAR, com coisas boas e outras más, mas que, em essência, não pôs fim a disputas insanáveis. Mais: chegou já, ao menos uma vez, a parar de funcionar. O que mostra o que pude já explicar: nenhum sistema jurídico pode garantir que os atos praticados no seu seio são justos.

Neste caso de agora, quis o acaso que o juiz de instrução criminal escolhido tenha sido o juiz Ivo Rosa, o que foi excelente. E porquê? Bom, porque se os acusados no processo da Operação Marquês, quer em relação a dúvidas sobre as ações do Ministério Público, quer de muitas das decisões do juiz Carlos Alexandre, delas discordam, é ilógico, até gerador de uma dúvida insanável, que quem viesse a decidir das críticas a decisões de Carlos Alexandre fosse... Carlos Alexandre.

Para que o leitor possa perceber a minha posição redor de tudo isto, digo aqui o que penso dos acusados na Operação Marquês: o que eu penso só eu sei e não digo a ninguém. Precisamente a resposta dada por Salazar, quando foi julgado na I República, e o juiz lhe perguntou o que pensava da monarquia.

Desconhecendo cabalmente o processo, nunca tendo lido uma só notícia de jornal sobre o tema, tendo lido diversos livros publicados ao redor do mesmo, eu posso dizer, por exemplo, que discordo, liminarmente, da interpretação dada pela Procuradoria-Geral da República ao redor da defesa de que os prazos estipulados na lei são, afinal, meramente indicativos. Como discordo da brincadeira pouco feliz do juiz Carlos Alexandre na entrevista concedida à SIC. Ou de certa entrevista de rua, em determinada procissão que teve lugar em Mação, onde, sem lógica, nos surgiu a garantir que sempre se ateria à lei, se lhe aparecesse um daqueles amigos que ali iam, naquela subida ligeira. O despropósito da curtíssima entrevista, operada num ambiente religioso e recolhido, logo completada com um tema que supostamente mostraria alguém que sempre cortaria a direito, foi o suficiente para gerar, nos mais atentos e experientes da vida, uma dúvida também insanável. Qualquer historiador que um dia se debruce sobre o papel da comunicação social em face do juiz Carlos Alexandre sempre acabará por concluir que aquela foi operando, ao longo do tempo, a criação de um mito: o juiz implacável e imparável.

É minha convicção forte que não existirão agora anticorpos contra as decisões do juiz Ivo Rosa, exceto, porventura, do Ministério Público, agora que se pôde já assistir ao que teve lugar em torno de Manuel Pinho. Um tema sobre que vale a pena tentar conhecer as considerações absolutamente certeiras de Ricardo Sá Fernandes, até por serem objetivamente jurídicas.

Por fim, embora um bom bocado fora deste tema, mostro aqui a minha enorme satisfação pela recente eleição do novo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, dado ser um juiz de carreira e não alguém proveniente da carreira de procurador. Se é legítimo que quem segue a carreira de procurador anseie por chegar ao topo desta magistratura – não é detentora de soberania –, também é perfeitamente natural que quem tenha seguido a carreira da Judicatura – os juízes são detentores de soberania – aspire a chegar ao topo da carreira que escolheu. Infelizmente, falta muita coragem e bom senso à nossa classe política. E falta-lhe olhar para os que, por tantas partes do mundo, alumiam duas vezes.

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