A pata na poça

|Hélio Bernardo Lopes|
A Intervenção televisiva de Luís Marques Mendes no dia de ontem, no seu comentário da SIC, foi de uma extrema infelicidade, porque acabou por mostrar o modo político-partidário que a Direita confere à intervenção de Joana Marques Vidal como líder da Procuradoria-Geral da República. 

Se o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa até já referiu que a decisão sobre o tema passa pelo Primeiro-Ministro e pelo Presidente da República, e só no momento próprio, que razões não partidárias poderá ter Luís Marques Mendes para vir ontem falar como pôde ver-se e ouvir-se? Só pode existir uma razão: a materialização de um sonho com raízes político-partidárias.

Esta intervenção de Luís Marques Mendes contém uma boa dose de imprecisões e de erros. Desde logo, quando disse que se tem um mandato positivo, o óbvio é reconduzir. O que significa, afinal, que o Princípio da Limitação de Mandatos é só para aplicar quando convém. Claro que tal princípio não está aqui expresso de um modo imperativo, mas até Joana Marques Vidal pôde já expor, publicamente, que o mandato do seu cargo deve ser único e longo. Precisamente o que sempre se deu com os seus antecessores que seguiram José Narciso da Cunha Rodrigues. Assim, no dizer de Luís Marques Mendes, se Marcelo Rebelo de Sousa tem um mandato positivo, o óbvio é reconduzir, para tal devendo alterar-se a Constituição da República. Como chegou a pensar-se com Ronald Reagan, já então atingido pela Doença de Alzheimer. Ou seja: para Luís Marques Mendes a vida política deve suportar-se em pessoas e não em princípios gerais e abstratos.

Depois, Luís Marques Mendes referiu que Joana Marques Vidal até agora teve um mandato altamente positivo, com investigações difíceis e complexas sobre a banca, com os políticos, envolvendo um primeiro-ministro e um ministro, também no domínio das magistraturas e no futebol, e de um modo geral elogiada por toda a gente. Bom, há aqui muito de impreciso.

É verdade que o Ministério Público tem tocado muita gente, mas também o é que isso havia já tido lugar com antecessores seus. Em contrapartida, quase não existem resultados conclusivos de nada. Afinal, qual é a resultante das investigações aos casos BCP, BPN, BPP, GES/BES, Duarte Lima, elementos da PJ, futebol, Alcochete, etc., etc.? Porque casos destes, como pude já referir noutros escritos, sempre existiram, até com condenações e com antecessores de Joana Marques Vidal. Nada de novo, portanto.

Ao contrário do que diz o nosso concidadão laranja, a generalidade dos nossos concidadãos continua a pensar como sempre pensou, porque essa é a resultante de uma leitura de raiz cultural e muito antiga. Só se operará uma real mudança no pensamento dos portugueses quando existirem condenados graúdos e obrigados a cumprir penas de prisão.

Também Luís Marques Mendes salienta que as duas grandes investigações do período de Joana Marques Vidal são as de Sócrates e de Manuel Vicente. Acontece que a investigação a José Sócrates é já muitíssimo antiga, apenas sofrendo uma aceleração forte já com Joana Marques Vidal no exercício de funções, mas com o antigo Primeiro-Ministro sem já o ser. Por outro lado, o caso Manuel Vicente teve diversas vicissitudes, logo desde a visita de Rui Machete a Angola. Além do mais, o processo, afinal, acabou por ser remetido para a justiça de Angola. Como pude escrever, este caso, se teve algo de referente, foi o modo pouco político de ser tratado pelo nosso Ministério Público. Infelizmente, Portugal viu-se fortemente prejudicado por este caso e pelo tratamento que por cá lhe foi dado. De resto e como pude explicar por diversas vezes, a aplicação da lei nunca pode ser levada a um tal ponto que acabe por pôr em causa interesses essenciais do Estado na sua globalidade.

Por fim, o caso do cheio a esturro. Joana Marques Vidal, pela lógica das coisas e pelo sentido constitucional que é o nosso, deve findar aqui as suas funções. A limitação temporal do exercício de funções de natureza política deve ser limitado. E aqui o seu cargo é também político. Pois se assim não fosse, a nossa Direita não estava nas aflitinhas que se vão podendo ver. Simplesmente, só um tolo pode imaginar que o Primeiro-Ministro, António Costa, estará determinado a entrar num qualquer tipo de conflito com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. O que significa que se vier a surgir um novo Procurador-Geral da República – um académico do Direito, um causídico, mesmo um engenheiro ou um economista político –, tal terá de merecer o apoio do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, o que, no raciocínio de Luís Marques Mendes, o colocaria muito tocado pelo cheiro a esturro!!

Este comentário clarificador de Luís Marques Mendes foi bastante importante, porque ele permite perceber a ideia que a Direita tem de Joana Marques Vidal: alguém que pensam satisfazer as suas esperanças políticas. Bom, não se poderá fazer pior à atual Procuradora-Geral da República. Com toda a certeza que ninguém veria o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa dar vivas ao Braga por uma sua vitória na Luz, mormente logo ali ao lado de António Costa e de Luís Filipe Vieira. Um político tem o dever de saber conter as suas emoções, evitando que sejam lidas como desejos ínvios e politicamente parciais. Foi mais um momento de rara infelicidade de Luís Marques Mendes.

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN