Algum dia imaginou tal acontecimento?

|Hélio Bernardo Lopes|
Será que o leitor algum dia imaginou que a CIA espiou os partidos da Esquerda de Espanha? Pois é o próprio Governo dos Estados Unidos que o confirma, por via da desclassificação de documentos até há pouco no segredo da segurança e da espionagem norte-americana.

Claro está que todos nós sabíamos ser esta a realidade, mas, sendo aliados, fingíamos nada sequer perceber. Tal como continua hoje a ter lugar. Se este tipo de atuação tivesse vindo da antiga União Soviética, ou mesmo da democratizada Rússia do nosso tempo, a coisa passaria a logo a ficar feia. E bastaria que os Estados Unidos apontassem um dedo à Rússia de hoje, para que logo os fracos políticos desta União Europeia passassem a cantar a cantiga apresentada pelos americanos. Uma triste mas realíssima sina.

Acontece, porém, que (quase) todos nós sabemos que a espionagem existe mesmo e que tal se dá, com variações ao nível do poder e dos correspondentes interesses, com todos os Estados, incluindo com os ilícitos por razões de Estado. Basta que seja considerado necessário. Sabemos que é esta a natureza das coisas ligadas ao interesse do Estado, que acaba sempre por ser totalitário. O que significa que a importância destas recentes desclassificações de antigos segredos de Estado valem a um outro nível.

Em primeiro lugar, a espionagem norte-americana sobre a política espanhola vem já do tempo franquista, tendo continuado com o Governo do PSOE, então dirigido por Felipe González. Uma espionagem que trespassou os setores sindical, partidário e outros, todos ligados à (dita) Esquerda de Espanha.

Em segundo lugar, mal surgiu o Governo de González, os oficiais da CIA procederam a uma análise detalhada das caraterísticas dos diversos membros desse Governo, logo a começar pelo Presidente do Governo, Felipe González. Ora, o interessante – e como tinham razão...– foi ter sido González classificado como pragmático e sem ideologia. Uma evidentíssima realidade, como recentemente se tem podido ver, sempre alinhado com o PP, ou com os seus objetivos estratégicos. Em todo o caso, também sempre em nome da dita matriz socialista que subjaz à fundação do PSOE…

Em contrapartida, o Ministro das Relações Exteriores de Espanha desse tempo, Fernando Morán, já era apontado pela CIA como mais à esquerda e mais doutrinado e doutrinador. Tudo isto com a consideração de que Alfonso Guerra, Vice-Presidente do Governo, apresentava um estilo confrontacional, temperado com uma retórica de esquerda. Tudo objetivas e reconhecidas verdades, que acabaram por despedaçar o PSOE, hoje reduzido a uma espécie de náufrago político-partidário.

E, em terceiro lugar, o caso de Narcís Serra, que era, nesse Governo, o Ministro da Defesa de Espanha: combinava o pragmatismo com uma imagem radical, para servir de ponte entre as alas moderada e esquerdista do partido. E tudo isto ao mesmo tempo que o Ministro do Interior, José Barrionuevo – veio a ser condenado por crimes ligados ao terrorismo de Estado, no âmbito do combate à ETA –, era apontado como capaz de empregar uma dura resposta contra o terrorismo etarra, produzindo alguns progressos. Alguém, portanto, a caminho de um verdadeiro político na perspetiva norte-americana.

Em face de tudo isto, pergunto agora ao leitor: algum dia imaginou tal situação? Tomando como segura uma sua resposta afirmativa, volto a perguntar: o que dirão os arquivos da CIA sobre os nossos políticos do tempo? Quem seria, nesse tempo, dado como garantido para a grande estratégia dos Estados Unidos, quem não passaria de uma boia política e quem poderia ser mais duvidoso, considerando como natural que ninguém nos Estados Unidos poderia temer o PCP? Ou seja: quem serviria melhor os interesses estratégicos dos Estados Unidos?

Por fim, um dado que voltou ao meu pensamento com esta recente desclassificação de segredos desde sempre conhecidos. Em certa entrevista, quase certamente na década de 80, Mário Soares contou que estivera no Chile em 1973, encontrando-se aí com Salvador Allende, a quem foi expor alguns aspetos do tempo e das suas condições políticas. Ora, mal li estas suas palavras, de pronto disse para mim: mas o Soares foi expor o quê ao Allende, se ela era um socialista inamovível?! Foi uma dúvida lógica, dado que Allende era diametralmente oposto a González, bem como aos mil e um que conduziram os seus partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas ao seu próprio fim. Basta recordar, por todos, o que se passou com o Partido Socialista Italiano, depois da fuga de Craxi para a Tunísia, vindo a ser condenado (em Itália), à revelia, a trinta anos de prisão.

Enfim, percebe-se por estes documentos ora desclassificados o que realmente valiam, em termos de política ativa, os partidos da Internacional Socialista, o que explica o estado a que chegaram, assim levando os que os elegeram para uma situação de terrível dureza e incerteza na vida. Infelizmente, não faltam exemplos por esse mundo fora, sobretudo no espaço do Primeiro Mundo, mormente na Europa. Uma triste sina...

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