O que é que condiciona as escolhas alimentares dos seres vivos?

As moscas-da-fruta, quando privadas de certos nutrientes vitais, mudam as suas escolhas alimentares e até a maneira como procuram comida. Uma equipa de neurocientistas, liderada por investigadores da Fundação Champalimaud, em Lisboa, “dissecou” estes comportamentos – um primeiro passo na identificação dos mecanismos cerebrais responsáveis pelas alterações de hábitos alimentares.

O que é que condiciona as escolhas alimentares dos seres vivos?
De pé frente a um buffet, alguns de nós escolherão mais facilmente peixe grelhado com salada e outros entrecosto com batatas fritas. As escolhas individuais variam imenso – e quando elas são pouco saudáveis, a sua repetição pode ter consequências graves para o organismo.

O que é que condiciona as escolhas alimentares dos seres vivos? Mais especificamente, será que a falta de certos nutrientes altera o comportamento, influenciando assim as escolhas alimentares seguintes? Foi esta a pergunta a que Carlos Ribeiro e Verónica Corrales-Carvajal, da Fundação Champalimaud em Lisboa, juntamente com Aldo Faisal, do Imperial College de Londres, quiseram responder. As suas conclusões acabam de ser publicadas na revista eLife.

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Já se sabia que muitos organismos, incluindo os seres humanos, são capazes de escolher (sem disso terem consciência) os alimentos em função dos nutrientes de que precisam. Este aspeto comportamental tem sido muito estudado na pequena mosca-da-fruta, mas de modo superficial, segundo Carlos Ribeiro, que liderou o novo estudo. “Sabíamos que quando uma mosca-da-fruta tem uma dieta desprovida de aminoácidos [os constituintes das proteínas], ela vai comer mais proteínas”, explica o cientista.

Mas agora, graças a uma técnica de visualização computadorizada extremamente minuciosa, desenvolvida pela co-autora Verónica Corrales-Carvajal, foi possível “dissecar” de forma muito fina esse comportamento.

Essencialmente, cada mosca tinha à sua disposição dois tipos de comida – açúcar (sem proteínas) e levedura (rica em proteínas). Estes alimentos encontravam-se distribuídos em várias pequenas áreas do “tabuleiro”. Os movimentos da mosca eram observados por uma câmara de vídeo durante duas horas, para depois serem analisados ao mais ínfimo detalhe.

"O maior desafio técnico foi extrair a informação escondida nos dados”, explica Verónica Corrales-Carvajal. “Estávamos em território inexplorado. Não havia maneira certa ou errada de extrair o significado a partir do comportamento dos animais: tudo o que tínhamos era uma sequência de imagens com a posição da mosca ao longo do tempo. Tivemos que criar algoritmos para visualizar estes dados de maneiras diferentes, para responder a perguntas específicas sobre o que as moscas faziam exatamente em relação aos nutrientes à disposição e em diferentes escalas de tempo. Passámos muito tempo a olhar para os dados em bruto, permitindo que os nossos próprios cérebros encontrassem neles padrões interessantes."

Os cientistas puderam assim comparar o comportamento de moscas que, à partida, se encontravam em diferentes “estados internos” nutricionais: umas tinham uma dieta sem aminoácidos, outras uma dieta mais ou menos pobre em aminoácidos e outras ainda uma dieta equilibrada em aminoácidos. E descobriram assim que o estado nutricional condicionava o padrão de comportamento das moscas face aos alimentos propostos.

Um dos resultados “mais interessantes”, diz Carlos Ribeiro, é que a falta de aminoácidos na dieta torna as moscas “mais conservadoras, menos propensas a correr riscos”. Assim, as moscas com suficientes aminoácidos na sua dieta mostraram-se mais inclinadas a explorar outras áreas do “tabuleiro” à procura de outras zonas com alimentos – enquanto as moscas que tinham sido privadas de aminoácidos só comiam levedura e, mesmo quando decidiam explorar em seu redor, voltavam repetidamente ao mesmo sítio, onde já sabiam que encontrariam o alimento de que precisavam.

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“Esta alteração dos comportamentos de risco devido à dieta pode ter consequências profundas, influindo sobre comportamentos de exploração não relacionados com a procura de alimentos”, salienta Carlos Ribeiro. “O fenómeno poderá ser geral e acontecer noutros contextos,” acrescenta. Os autores constataram contudo que, salvo nos casos em que a privação de aminoácidos era total (aí, a maioria das moscas comportavam-se de forma semelhante), a avidez pela levedura apresentava “uma imensa variabilidade” entre os insetos – que ia do desinteresse total a uma grande apetência pelo alimento.

Esta observação levou à próxima pergunta: será esta variabilidade aleatória ou, pelo contrário, será que cada inseto reage de forma personalizada, “idiossincrática”? A se confirmar a segunda opção, poderá significar que a diversidade de reações reflete a diversidade de características individuais das moscas, sejam elas fisiológicas (metabolismo), relativas ao microbioma (intestinais) ou cerebrais.

Tal como as moscas, os seres humanos também reagem de forma muito diversa a um mesmo alimento: “há pessoas que vêm os seus níveis de glucose disparar quando comem uma banana e outras cujos níveis de glucose diminuem”, faz notar Carlos Ribeiro.

As diferenças vão mesmo até ponto de alguns de nós poderem empanturrar-se impunemente enquanto outros parecem ganhar peso só de olhar para a comida. Daí que, se se conseguir desemaranhar esta questão, talvez seja um dia possível lidar melhor com doenças humanas como a obesidade ou a diabetes.

Link para o artigo original

Fundação Champalimaud
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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