Miúdas giras, lingeries e anjos

|Tânia Rei|
Tenho-me lembrado frequentemente de um episódio constrangedor onde entra a minha fraca figura, um espelho e uma miúda grega, de espantosos olhos verdes.

Certa vez, fui eu comprar maquilhagem. E era lá que trabalhava a fabulosa moça grega. Sem mentir, uma das mulheres mais bonitas que vi em toda a minha vida, e que, ainda por cima, se sabia maquilhar muito bem (e daí, quem sabe, o porquê de trabalhar, pois, numa loja de produtos cosméticos), o que a tornava ainda mais perfeita.

Ora, como normal será, e porque era a única cliente na loja no momento, fui abordada por uma voz sensualona, com sotaque: “Precisa de ajuda?”. E a partir do momento em que eu disse que sim, e em que aceitei sentar-me num banquinho em frente a um espelho de aumentar com muita luz artificial em volta, percebi que, talvez, ver aquelas pestanas impecavelmente separadas e curvadas, um sorriso perfeito e umas maçãs do rosto que parecem fazer ginásio, de tão rijas, ali, ao pé da minha cara, não me fosse assim tão necessário para comprar a porcaria de uma base e um lápis delineador. E dito isto, é humilhante sujeitar uma gaja normal a estes espelhinhos com luz (que também os há nos provadores de roupa), que fazem de cada imperfeição da pele uma cratera lunar, mais ainda quando lhe põem uma rapariga lindíssima para fazer contraste.

Tenho-me lembrado disto por causa das notícias que têm brotado como cogumelos sobre o desfile anual da Victoria’s Secret. Então não é que já escolheram as 54 modelos que vão usar as lingeries mais cobiçadas de todo o mundo? E o Fantasy Bra, que, tivesse-o eu, e vendia-o às peças no mercado negro. Há, neste momento, homens e mulheres a suspirar. Pela roupa e pelo conteúdo.

Ao contrário do que possa parecer, gosto de lingerie e das miúdas que a usam. Sei o nome de duas ou três, das mais conhecidas. Mais do resto gosto é de ver o que têm vestido, claro está. E se a miúda da loja de maquilhagem não é modelo, devia ser. Voto nisso, mesmo roída de inveja. br>
Às vezes, principalmente quando oiço conversas em balneários femininos, e tendo plena noção de que, estando acompanhada, o meu discurso iria soar de forma muito semelhante, nem percebo o entusiasmo todo com as mulheres. Não somos assim tão interessantes, vistas daquele ângulo. Ou então, as modelos fogem a esse crivo porque na boca só levam sorrisos, nada de palavreado, e uma pessoa nem sabe como é o falar delas. É que até isso continua a ser Secret, sem hipótese de plágio, num caminho para ser mais Victoria.

A verdade é que, com ou sem cintura de vespa, com ou sem busto, com ou sem um cabelo brilhante e sedoso, uma mulher confiante fica tão ou mais bonita do que qualquer modelo esculpida pelo Criador. E toda a mulher confiante pode usar uma lingerie sexy. E toda a mulher pode juntar a essa lingerie um par de asas e pensamentos pecaminosos.

Lá no fundo, o comum ser humano também pode ser anjo. Porventura sem passarela e flashes endiabrados. E, já que tanto se fala da igualdade de género, que já um homem é nomeado para prémios criados para distinguir mulheres, quando é que começam a pôr pares de asas a um autocarro cheio de rapazolas jeitosos, só para sabermos que cuecas estão na moda? É que “anjo” não tem sexo, dá para todos.

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