A Cimeira das Lajes

|Hélio Bernardo Lopes|
Existem sempre, na vida de cada um de nós, momentos de extrema infelicidade. Até de inoportunidade de intervenção. Um desses momentos foi o que assistiu a José Manuel Durão Barroso, ao redor da Cimeira das Lajes. Dificilmente se poderia ter sido tão inoportuno nas considerações que produziu sobre o acontecimento em causa.

Como se percebe, o tema estava já entregue aos historiadores, sendo praticamente certo que cada um dos participantes naquele encontro, mais diretamente ou menos, acabará por expor versões distintas do que teve lugar. Portanto, seria de toda a lógica ter evitado falar do tema tal como se pôde ver, tentando puxar a suposta posição de Jorge Sampaio para a decisão do Governo sobre a referida cimeira. Como teria de dar-se, Durão Barroso de pronto foi corrigido por Jorge Sampaio, sendo evidente que a perda de credibilidade política de Durão sempre atirará a opinião da generalidade dos portugueses para a explicação dada pelo antigo Presidente da República. Mas vamos, então, aos factos.

Em primeiro lugar, já por essa altura se percebia que a posição da equipa chefiada por Hans Blix estava correta: nunca se haviam encontrado vestígios das tais armas de destruição maciça, pelo que era elevadíssima a probabilidade de que estas realmente não existissem. Tal como se veio a confirmar.

Em segundo lugar, a própria França, mas também a Rússia e a China, sempre se mostraram contrárias à intervenção militar no Iraque, que, lamentavelmente, veio a criar as condições para o futuro nascimento do Estado Islâmico, depois também potenciado pela criminosa iniciativa dos Estados Unidos e do Ocidente contra Bashar Al-Assad, naturalmente em nome da defesa dos Direitos Humanos e da democracia... Bom, o resultado é hoje conhecido de todo o mundo. E sem responsáveis!

E, em terceiro lugar, a explicação de Durão Barroso na Assembleia da República: era um aliado, mostraram-me documentos. A verdade é que esse aliado sempre deitou mão da trapaça na política ao longo da História, e, como veio a poder ver-se, tais documentos não tinham um mínimo de fundamento. Documentos forjados pela CIA, sob a orientação difusa de Cheney e Rumsfeld, e que serviram de justificação para a desgraçada intervenção dos Estados Unidos e do Reino Unido no Iraque, hoje no estado que se vê a cada semana que passa, e para lá da realidade do Estado Islâmico.

A escolha das Lajes teve, em minha opinião, duas razões. Por um lado, era um lugar a meio caminho entre a Europa e os Estados Unidos. Por outro lado, era uma importante base militar norte-americana, o que logo concitaria um simbolismo militar muito forte. Objetivamente, depois desta cimeira, ninguém poderia imaginar que não se lhe seguiria a guerra (não legitimada à luz do Direito Internacional Público).

Claro está que ninguém hoje duvida de um conjunto razoável de aspetos. Em primeiro lugar, a posição de Jorge Sampaio era diametralmente oposta da norte-americana e de Barroso.

Em segundo lugar, esta posição nunca seria publicamente explicitada pelo nosso Presidente da República. No fundo, protestando e não apoiando, calava e consentia. Uma prática muito típica de todos os líderes do PS, desde a Revolução de Abril até hoje.

Em terceiro lugar, a Cimeira das Lajes nada tinha que ver com a última oportunidade para a paz, porque tudo havia já sido montado pelos Estados Unidos e pelos Estados que lhe são subservientes no sentido de criar tais condições, que as mesmas, nunca podendo ser aceites, acabariam por justificar a guerra desgraçada que veio a ter lugar e que só serviu para levar ao Iraque a destruição, a pobreza e a miséria. E tudo sem responsáveis!

E, em quarto lugar, sendo a tal cimeira uma última oportunidade para a paz – treta, claro está –, ela iria ser, com garantia de cem por cento, o primeiro passo para a guerra. Precisamente o que veio a ter lugar e que se constituía numa evidência lídima. A ninguém era lícito pensar de um outro modo.

Outra coisa é saber o que faria um Governo do PS numa tal circunstância, mesmo que liderado, por exemplo, por Jorge Sampaio. A resposta é-nos dada pela História: aceitaria a realização da cimeira nos Açores, uma vez que o PS foi sempre, desde a Revolução de Abril, um elo fundamental da grande estratégia dos Estados Unidos. Mesmo hoje, quando a própria democracia portuguesa é tratada como lixo pela famigerada União Europeia, depois do verdadeiro crime por omissão de auxílio aos refugiados, o PS continua a mostrar-se como o maior campeão português do europeísmo! Foi sempre assim. Uma sina.

O que sobrevém das infelizes palavras de José Manuel Durão Barroso é mais ruído na vida nacional, maior confusão histórica e crescente divisão entre os portugueses. Para Durão seria sempre essencial não dizer o que disse, porque os portugueses, de um modo esmagador, escolherão sempre Jorge Sampaio ao antigo líder do principal partido da Direita.

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