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|Hélio Bernardo Lopes| |
Uma realidade diária, mas a que é necessário juntar que a idade média das onze pessoas presentes nas conversas deverá andar pelos sessenta e oito ou setenta anos. Das três jovens novas presentes numa outra mesa, apenas conversas sobre aspetos profissionais e coisas ao redor do que se contém em certa revista do social. Mas vamos, então, à mudança presidencial de ontem.
Finalmente, os portugueses viram-se livres do Presidente da República menos apoiado destes quase quarenta e dois anos. Terei a oportunidade, se a saúde o permitir, de dar à estampa uma obra sobre esta passagem de Aníbal Cavaco Silva pelo alto cargo de Presidente da República. Reitero agora, em todo o caso, o que escrevi já por diversas vezes: podemos hoje comparar o Portugal que tínhamos quando entrou em Belém com o que nos deixa dez anos depois. Um abismo!
Quanto ao Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, o seu primeiro dia como Presidente da República mostrou profundas diferenças com a postura do seu antecessor. Desde logo, o modo como deixou a casa que foi de seus pais para se dirigir à Assembleia da República. Desde a rua de S. Bernardo, passando pela da Imprensa e Calçada da Estrela, por aí chegou ao local onde primeiro o vimos. Uma atitude muito típica de si, sempre imprevisível, mas procurando mostrar a sua função como algo que não vive desligado da realidade das pessoas comuns.
Logo depois, o seu discurso, muito diferente do seu antecessor. Na forma, como no conteúdo. Na forma, porque não foi apenas uma espécie de estátua falante, antes alguém que transmitiu alma, tanto pela imagem gestual como pelo estilo muito afirmativo. Falou como um comandante e não apenas como um apontador de realidades.
Foi, indiscutivelmente, um discurso marcado por brilhantismo e por conteúdo substantivo. E foi, por igual, um discurso que terá gerado alguma vibração junto dos que o acompanharam, bem como a esperança de quem no mesmo encontrou um sinal de esperança e de desafio forte às capacidades dos portugueses.
Já pela tarde, aquele encontro ecuménico que lhe foi sugerido por Abdul Vakil. Foi, sem dúvida, um encontro que bem pode servir ao mundo, repleto de espírito pacífico e unificador, coisas cada dia mais raras no mundo destes dias. Uma raridade que cresce sem parar e para níveis que se aproximam de uma conflitualidade global e desastrosa.
Este encontro, porém, foi de pronto aproveitado para pôr em causa o caráter laico do Estado Português, tentando tornar diferente o que é igual, ou seja laicidade e laicismo. O fim deste, pretendido desde há muito pelos católicos mais referentes no seio da nossa sociedade, acarretaria sempre o fim, na prática, do caráter laico do Estado Português. É essencial evitar esta deriva, porque se a mesma vier a ser posta em prática, aí renascerá a discriminação social por motivos de opção religiosa, incluindo a de não ter religião alguma. Uma coisa são as referências católicas da generalidade dos portugueses, outra a mordaça que sempre resultaria de se pôr um fim no caráter laico do Estado, e tudo em nome do combate ao dito laicismo...
A deposição de coroas de flores nos Jerónimos foi um ato de grande significado, embora com pouco impacto ao nível do tecido coletivo. Foi um ato que deverá dar início a uma atitude de culto em favor da nossa História e da nossa heroicidade, desde os casos pessoais à gesta coletiva. E foi com o intuito de manter o Presidente da República junto dos portugueses que à noite teve lugar o espetáculo que se realizou na praça da Câmara Municipal de Lisboa. Um dia que teve solenidade e vivência coletiva. Assim os portugueses saibam aproveitar esta onda de esperança que, depois da nova e humanista ação política do atual Governo, se vê reforçada com as linhas gerais da atitude política do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.
Por fim, os seus atos políticos mais próximos. Foi excelente a decisão de operar uma espécie de nova tomada de posse, mas agora no Porto. Cidade e centro metropolitano da maior importância no País. Só alguém verdadeiramente político e sensível à História e aos sentimentos dos portugueses pode assumir uma tal atitude política com tanto significado. Depois, as duas visitas de Estado já para este mês: de manhã no Vaticano, com o Papa Francisco; à tarde em Madrid, com Filipe VI. Conhecendo a História de Portugal, percebe-se o significado e a importância destas duas visitas. Mas também o que se vem anunciando sobre o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, a realizar em Paris, e em que será convidado de Estado François Hollande. Deverão seguir-se o Reino Unido, as antigas províncias ultramarinas e a União Europeia.
O que o dia de ontem permitiu perceber foi o abismo político entre duas figuras muito referentes na sociedade portuguesa da III República. Os portugueses esperam agora que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa não impeça a demonstração prática da esperança surgida com o atual Governo, por via da histórica coligação operada.
A verdade é que não há bela sem senão. A condecoração de Aníbal Cavaco Silva com o grande colar da Ordem da Liberdade só pode compreender-se como mero ato protocolar, porque o Presidente da República sabe bem que a grande maioria dos portugueses nunca aprovaria uma tal decisão.