Uma história mal contada

Fez 400 anos na passada sexta-feira, dia 26 de Fevereiro de 2016, que Gaileu Galilei (1564 – 1642) foi advertido pela Igreja Católica pela sua opinião em defesa do sistema heliocêntrico: era a Terra que girava em torno do Sol e não o contrário como era defendido pela Igreja Católica e muitos académicos de então.

O cardeal Roberto Bellarmino (1542-1621), figura então importante da Igreja Católica cujo Papa à época era Paulo V (1552 – 1621), foi incumbido dessa missão. Bellarmino adverte Galileu: “que a afirmação de que o Sol é o centro imóvel do sistema do mundo é temerária, quase herética; que a afirmação de que a Terra se move está teologicamente errada; proíbe-o de falar do heliocentrismo como realidade física, mas autoriza-o a referir-se a este apenas como hipótese matemática”.

Ressalta destas acusações que a discordância entre a Igreja Católica de então e Galileu é fundamentalmente de natureza teológica. Não é científica. A Igreja Católica permite que Galileu refira cientificamente o heliocentrismo. Ou seja, não houve propriamente uma confrontação fracturante entre ciência e religião como está generalizado no saber comum.

Esta imagem de Galileu, pai da ciência experimental moderna, como um “mártir da ciência” aos pés de uma Igreja Católica autoritária e contrária ao saber científico libertário, foi, segundo a historiadora de ciência Patricia Fara, forjada durante o século XIX por propagandistas científicos e é uma história muito mal contada. Diga-se, a propósito, que Patricia Fara é autora, entre outras obras, de um incontornável “Ciência: 4000 de história”, publicado entre nós pela editora Livros Horizonte, em 2012, com prefácio de Carlos Fiolhais.

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Uma nova geração de historiadores de ciência, em que Patricia Fara se enquadra, tem tentado nas últimas décadas reconstituir a verdade histórica dos factos e romper com o paradigma dominante na história ocidental de uma ciência triunfante em completo e permanente conflito com a religião, em particular a religião católica. Sabe-se hoje que a ideia reinante, ainda entre nós, de uma Igreja Católica que impediu o desenvolvimento da ciência está longe de corresponder à verdade histórica.

No que diz respeito ao episódio que realmente aconteceu há 400 anos, em vez de um confronto directo entre ciência e religião, ou entre Galileu e o Papa, deve-se considerar que aquele foi um conflito mais complexo e que envolveu facções rivais dentro e fora da Igreja.

É preciso ter em conta que Galileu era um católico devoto e que tinha e continuou a ter apoiantes em todos os degraus da hierarquia clerical. Mas Galileu tinha muitos inimigos, principalmente devido ao seu estatuto social invejável: era primeiro matemático e filósofo na corte de Cósimo II de Médicis, grão-duque da Toscânia e governante de Florença. Acrescente-se a isto o facto de muitos académicos e eruditos não clericais de então serem acérrimos defensores do geocentrismo de Ptolomeu, não considerando os trabalhos de Copérnico, Tycho Brahe, Kepler e os dados observacionais permitidos pelo novo instrumento revolucionário, o telescópio, que Galileu desenvolveu e aplicou na descoberta e interpretação do Universo.

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Assim, são hoje melhor conhecidas as ambições e rivalidades pessoais que gravitaram em torno de Galileu e há quem defenda que se este tivesse agido de modo mais diplomático e não tivesse escrito obras científicas em italiano ao alcance de outros que não só os eruditos e eclesiásticos, talvez tivesse conseguido divulgar mais o seu universo heliocêntrico sem ter sido oficialmente condenado por razões teológicas.

António Piedade
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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