|Tânia Rei| |
O mais comum, quando alguém resolver aplicar o ignoranço, passa, simplesmente, a parecer a minha afilhada, que tem quase dois anos, e que, por isso, está na altura das birras: faz de conta de que não vê, que não ouve, que não entende, mas, na realidade, só quer é irritar a malta. Ora, se o objectivo é levar uma sapatada, está no bom caminho.
Se não era isso que tinha em mente, desista, porque tudo o que está a fazer é incitar o outro a ser mais persistente – como quando vemos um amigo, ao longe, e ficamos a acenar, por detrás de um vidro, num sítio onde está muita gente, que olha para nós com ar de pena e desprezo. Temos que ser mais criativos, abanicar os braços de forma mais persistente, pedir a um conhecido, que toca no braço de outro conhecido, que por sua vez é amigo de um primo que está emigrado em França, mas que vem cá nas férias grandes. Até que, chegamos ao ponto, ao epicentro da acção.
E nem que tudo o que consigamos seja um leve abanar de cabeça (normalmente, para a esquerda e para a direita), já conseguimos corromper o “vou ignorar-te para todo o sempre”. Missão cumprida.
Ignorar alguém não pode parecer forçado. Não pode ser como nas comédias românticas - “ri-te como se eu tivesse acabado de contar uma piada super engraçada” e “ah, nem te tinha visto!”.
Tentar ignorar em demasia também não dá bom resultado. O fazer de conta que há uma pessoa invisível ou que um assunto não nos incomoda, e então vamos andando, uma passarela, a sacudir os cabelos calorosamente. É que assim toda a gente vai perceber que estamos fulos.
Agora isto das redes sociais trouxe outra tormenta – temos de seleccionar muito bem onde damos like ou naquilo que partilhamos. Querendo ignorar alguém, certifique-se que nunca, mas nunca mesmo, coloca “gosto” num post onde conste o nome dessa pessoa – dê lá para onde der, nem que o visado tenha uma foto maravilhosa numas férias alucinantes. Bom, o mesmo se aplica à escolha de conteúdos que queremos mostrar aos nossos amigos. Sempre a ignorar, internet afora. E, tamanho é o esforço, que a incumbência acaba por não ser bem-sucedida na mesma.
O mais complicado nisto do ignoranço, é quando não conseguimos mesmo ignorar. Queremos ignorar uma pessoa, mas estamos sempre a vigiá-la pelo canto do olho. Estamos nem aí para o fulano de tal, que disse ou fez alguma coisa, mas estamos sempre a bater no ceguinho, na mesa do café ou por SMS. Ou seja, um completo afundanço.
O melhor ignoranço é o genuíno – esquecemo-nos simplesmente de alguém ou de algo, porque não nos afecta. Tudo o resto, claro está, não está em situação de ser ignorado.