A fantástica hipocrisia da política portuguesa

|Hélio Bernardo Lopes|
Ninguém duvida, claro está, do rápido decréscimo do prestígio das instituições em Portugal. É uma situação que resulta de um processo degenerativo distante, que se iniciou, de certo modo, com os acontecimentos de 25 de Novembro de 1975. 

Em todo o caso, um processo que vinha de trás, tendo estado latente por muito tempo, e que começou a ressurgir na nossa vida comunitária com a dita Ala Liberal.

O fim do comunismo, como facilmente se pode hoje perceber, permitiu o triunfo neoliberal, com a posterior diminuição do valor da dignidade humana quase por toda a parte do mundo. Até de um modo mais nítido e sentido ao nível do espaço europeu, onde o decaimento dessa dignidade está hoje em franca aceleração.

No caso de Portugal, atingiram-se as portas do estertor do regime constitucional da III República, com a redução quase total do valor e do significado da democracia, e estando hoje fortemente posto em causa o real funcionamento do Estado de Direito. A prova disto mesmo são as recentes palavras de Diogo Freitas do Amaral, voltando a defender o voto obrigatório, perante a evidência do lógico desinteresse dos portugueses por esta prática. A grande verdade é que a prática democrática está reduzida aos dias das eleições, agora com a nova moda de que só se deve prometer o que possa ser cumprido, assim redundando tudo na recusa de se prometer o que quer que seja...

Sabem bem os portugueses (e na sua vasta generalidade) que nunca sonharam com viver à grande, com duas ou mais casas, carros de alta cilindrada e férias à custa de dinheiro pedido à banca por empréstimo. Existem, claro está, situações deste tipo, mas que sempre foram em número assaz ínfimo. A generalidade dos portugueses sempre subsistiu através do seu trabalho, invariavelmente remunerado de modo curto.

Com a prática neoliberal desde sempre sonhada pela direita pós-abril, e que acabou por ser materializada pela atual Maioria-Governo-Presidente, o que sobreveio foi o que sempre teria de esperar-se: desemprego, pobreza, miséria e emigração, para lá da destruição muito vasta do Estado Social. Simplesmente, desde o primeiro Governo de Mário Soares, e através de sucessivas revisões constitucionais – e sempre com o apoio, direto ou indireto, do PS –, foram-se passando para o domínio privado crescentes setores do funcionamento da sociedade. O resultado desta reiterada prática foi que, ao tempo da anterior vitória do PSD de Pedro Passos Coelho, restava ao PS a defesa do Estado Social.

Com um fantástico desatino político, os portugueses elegeram Aníbal Cavaco Silva para o alto cargo de Presidente da República. Hoje, podemos já comparar o Portugal que existia ao tempo da sua tomada de posse com o destes dias e com os vindouros. Sobretudo, se o próximo Presidente da República voltar a ser um concidadão nosso oriunda da referida direita de pós-abril. Será a continuação do que já se viu, porventura, com simples cambiantes de mera aparência.

É no meio deste estertor da III República que nos surge a próxima eleição presidencial. E, como pôde já ver-se, Pedro Passos Coelho só governou deste modo porque em tudo recebeu o apoio do Presidente Cavaco Silva, ele mesmo uma personalidade da direita de pós-abril. Uma realidade que se repetirá se um novo presidente voltar a sair dessa área política.

Ora, perante o referido estertor tem-se assistido ao choradinho da atual classe política com acesso ao poder ao redor da necessidade de levar a política aos cidadãos, recorrendo mesmo à tão badalada Sociedade Civil. Perante a cabalíssima impossibilidade do PS poder apresentar um candidato que não sofra uma derrota copiosa, começaram a surgir candidatos a candidatos. E se Henrique Neto de pronto mereceu a fantástica simpatia da direita de pós-abril – é uma candidatura que porá em causa o PS e a sua ação histórico-política –, já o surgimento de António Sampaio da Nóvoa fez tocar mil e um campainhas. Afinal, mesmo vinda da sociedade civil, materializada num académico de brilhantismo mui singular e honesto, esta candidatura foi logo vista pela direita atual e por muitos militantes cimeiros do PS como um perigo. O perigo para os interesses do grande Centrão, que desgraçou Portugal e deixou os portugueses (agora sim) de tanga.

Num ápice, começou a pôr-se em prática um velho método de muitos oposicionistas do Estado Novo: o recurso à mentira, à calúnia, à difamação, à deturpação, à colocação de questões capciosas, etc.. Práticas que a grande comunicação social não evita, procurando, como era seu dever, esclarecer a realidade dos factos tratados.

Um caso muito fácil de desmontar é o da mentira contada sobre António Sampaio da Nóvoa ao redor da reprovação de José Luís Saldanha Sanches nas suas provas de agregação. E seria elementar fazê-lo, porque o próprio Saldanha Sanches falou sobre o que se passou à grande comunicação social. Está tudo escrito ou gravado. Sintomaticamente, a grande comunicação social não esclarece a realidade que se passou então...

Este caso da sua noticiada candidatura teve, para já, uma enorme virtude: mostrou a fantástica hipocrisia da atual classe política em face da importância da tão badalada Sociedade Civil, bem como o desnorte de militantes socialistas de referência que não param de sugerir nomes que, ou não querem ser candidatos, ou seriam copiosamente derrotados.

Finalmente, o tempo para uma candidatura presidencial. Se se percebe que Marcelo queira só iniciar a mesma lá para Outubro – faz campanha, no mínimo, todas as semanas –, também tem de aceitar-se que António Sampaio da Nóvoa, naturalmente menos conhecido, a tenha de começar agora. Até Nuno Morais Sarmento, com a sua atitude de analista sério, salientou que assim terá de ser. Esperar pelo tempo pós-legislativas, como defendeu Eduardo Ferro Rodrigues, é próprio de quem não tem interesse nas presidenciais. Naturalmente, porque o PS já deverá aceitar Marcelo como um mal menor.

Malgrado tudo, os portugueses mais atentos estão agora a ter a possibilidade de poder ver (e bem ao vivo!) o estado a que chegou a III República em Portugal. Um tema que pode bem ser ilustrado com a excelente série que a RTP 2 está agora a passar, UM CRIME, UM CASTIGO. Vale a pena ser seguida, porque mostra, de um modo muito vivo e direto, a realidade das atuais (ditas) democracias, e um pouco por todo o lado de um mundo à beira de uma guerra mui ampla e terrífica. Vale a pena ver esta série televisiva.

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