|Hélio Bernardo Lopes| |
Estão a muitos anos-luz de se prenderem apenas com a situação da III República Portuguesa, como as palavras do Papa Francisco tão correta e certeiramente têm apontado.
Miguel Cadilhe, cheio de razão, referiu que a democracia não está bem. Simplesmente, a democracia nunca esteve bem, de um modo muito geral, em lugar algum do mundo. Basta recordar, por exemplo, o homicídio de Kennedy, nunca até hoje realmente esclarecido. Ou as vitórias eleitorais de Kennedy e de George W. Bush, conseguidas como se sabe. Ou, ainda, a meia centena de homicídios perpetrados pela Gendarmerie francesa na década de cinquenta, sobre outros tantos argelinos, operada na própria sede da autoridade militar-policial, com os corpos posteriormente lançados ao Sena e com tais crimes protegidos pelo carimbo do segredo de Estado. Não faltam exemplos e por todo o mundo.
Mas se Miguel Cadilhe olhar o Brasil de hoje – de ontem ou anteontem –, lá encontrará uma boa imensidão de brasileiros a pedir o regresso dos militares ao poder. E se procurar notícias de domingo na Letónia, também lhe surgirá uma vasta manifestação dos veteranos da Legião Nazi Letã, homenageando os seus colegas já mortos. De facto, a democracia não está bem.
Com enorme espanto meu, eis que Cadilhe nos veio agora dizer este mimo: por vezes a democracia escolhe pessoas que não prestam. Mas não é isto mesmo que teve lugar com George W. Bush, com Reagan, com Gerald Ford – nem eleito foi! –, com Craxi, com Andreotti, com Aznar, com Maduro e com mil e um outros por esse mundo fora? Difícil é encontrar uma boa escolha por via democrática!
Mas o antigo ministro disse mais: como é que a democracia nem sempre distingue, a tempo, e não segrega os políticos de pouca diligência, débil caráter, o puro sacana, velhaco? Bom, porque não existem meios para uma tal decisão! De resto, tenho de acreditar que Cadilhe, se for um dragão, haverá de preferir que o seu Porto ganhe a qualquer preço, nem que seja com golos com a mão. Aliás, como pude já escrever, a generalidade dos portugueses sempre teve um interesse reduzido pela democracia, vivendo-a de um modo clubista, que é a razão de tudo andar sempre a oscilar entre PSD e PS. O português não é, está. E isto ou se percebe, ou não percebe.
Compreendo muitíssimo bem o cenário negro que traçou, num olhar pelo passado e também pelo futuro próximo. Mas será que Miguel Cadilhe pensará que os Descobrimentos Portugueses foram uma mera aventura de curiosidade, ou antes uma necessidade imperativa? Eu mesmo pude já escrever o que já todos terão percebido, ou começado a perceber: não teremos futuro como Estado independente. Se admitirmos que seremos seis milhões pouco depois de meados deste século, que esperar do futuro de Portugal?
Um pouco depois, Cadilhe apontou que a solução passa por sermos capazes de subir a montanha e tentar ver lá de cima o que se passa. Simplesmente, tal metodologia pode conduzir a isto: se se subir demasiado, pode perder-se a verdadeira dimensão das minudências realidades, tão essenciais à razão de se ter chegado aonde estamos. É essencial que Miguel Cadilhe não esqueça que existem problemas sem solução.
Logo à frente, Cadilhe assegurou que a qualidade da democracia é diretamente proporcional à qualidade das pessoas, coisa que se pode facilmente constatar que Portugal não tem, pois a cada governo que passa, mais incapazes são os seus integrantes. É uma afirmação muito interessante, porque quem vai gerando este decréscimo de qualidade dos governantes são os governados. Como um dia disse Diogo Freitas do Amaral, as coisas são como são...
Por fim, a saída que nunca o será: Portugal precisa da reforma estrutural do Estado macrocéfalo e voraz que temos. Mas quem não recorda a histórica Junta de Colonização interna? E resolveu alguma coisa? Claro que não! Falta uma reforma do Estado? Mas com mais desemprego, menores salários, maior abismo salarial entre uma ínfima minoria de poderosos e uma legião nacional de para-mendigos. Porque se for assim, encontrar-se-á facilmente a solução: escolham-me a mim. Ou a qualquer outro, claro está. Por aí sim, é simples achar o ótimo deste problema histórico-cultural.
Formulo votos para que Miguel Cadilhe esteja a acompanhar a interessante série, OS INFLUENTES, e que por igual tenha procedido com a série, BORGEN. São duas democracias, mas muito diferentes. Ou seja: a democracia não apaga o modo próprio de estar na vida de um povo, sobretudo, se for já muito antigo. Tal como referiu o Papa Bento XVI, também por estas bandas o mal está cá dentro, mas muitíssimo disseminado. E se a isto juntarmos que as coisas são como são e que a História é a Geografia em movimento, percebe-se que Miguel Cadilhe, olhando lá nas estrelas, poderá não conseguir perceber a realidade já tão conhecida e historicamente inamovível.