Duas equipas de cientistas utilizaram dados recolhidos pela sonda Cassini para deduzir a provável existência de fontes hidrotermais em Encélado, uma das luas de Saturno (Figura 1).
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Figura 1 - As “Riscas de Tigre” na superfície de Encélado (filamentos turquesa na superfície branca) são fracturas na superfície onde existem géisers. Estes projectam plumas de vapor de água e outras espécies químicas provenientes de um oceano interior da lua. A cor característica das riscas é devida aos materiais depositados na superfície. Crédito: NASA/JPL. |
Estas fontes, semelhantes às observadas no fundo dos oceanos da Terra, situar-se-ão no fundo de um enorme oceano interior, com 10 km de profundidade, por debaixo de uma crusta de gelo com 30 a 40 km de espessura (Figura 2). O interior de Encélado é aquecido pelas forças de maré de Saturno que provocam fricção no seu núcleo rochoso e permitem a existência de água no estado líquido.
A actividade hidrotermal ocorre quando a água se infiltra em profundidade na rocha do fundo do oceano, emergindo depois aquecida e enriquecida em minerais dissolvidos. Medições muito precisas do campo gravitacional de Encélado realizadas pela sonda Cassini tinham já permitido deduzir que a lua tem um núcleo rochoso pouco denso, e por isso com um elevado grau de porosidade. Esta particularidade facilita a infiltração da água necessária à formação das fontes.
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Figura 2 - O oceano interior de Encélado, por debaixo de uma crusta de gelo com 30 a 40 km de espessura. Fontes hidrotermais no fundo desse oceano são a explicação mais simples para as peculiaridades observadas na composição do material das plumas, que escapa para o espaço através de géisers alimentados por fendas na crusta. Crédito: NASA/JPL-Caltech. |
Uma primeira equipa estudou a origem de nanopartículas de sílica, detectadas nas plumas dos géisers de Encélado pelo instrumento Cosmic Dust Analyzer da Cassini, semelhantes às encontradas nas fontes hidrotermais terrestres. Estas partículas, com dimensões entre os 6 e 9 nanometros, formam-se quando água quente com silicatos dissolvidos entra em contacto com água mais fria. A temperatura necessária para produzir os grãos observados é de pelo menos 90 ºC.
Na Terra, este tipo de grãos de sílica forma-se em condições muito específicas nas fontes hidrotermais e a equipa estudou e eliminou sucessivamente outros possíveis mecanismos que pudessem explicar a sua formação. O pequeníssimo tamanho dos grãos observados sugere que, depois de expelidos de uma fonte hidrotermal, se movimentam rapidamente até à superfície onde são ejectados pelos géisers à superfície.
Uma segunda equipa de cientistas, que estudou a abundância anormalmente elevada de metano nas plumas dos géisers, chegou também à conclusão de que a existência de fontes hidrotermais em Encélado é muito provável. Na presença de pressões muito elevadas, como as existentes no fundo do oceano da lua de Saturno, a água, infiltrando-se na rocha do fundo do oceano, reage com minerais libertando metano. No entanto, o metano assim produzido fica aprisionado no interior de uma estrutura cristalina formada por moléculas de água, dando origem a um tipo de substância designada por clatrato.
Estes clatratos de metano seriam então expulsos nas fontes hidrotermais saturando o oceano com metano que escaparia através das fendas da crusta até ser depois expulso nos géisers, junto à superfície.
As implicações desta descoberta são importantíssimas. Na Terra as fontes hidrotermais são ecossistemas ricos, sustentados por bactérias extremófilas que extraem a sua energia dos minerais dissolvidos na água quente. Há mesmo quem defenda que a vida na Terra teve origem nestes locais, na mais absoluta escuridão.
Luís Lopes
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva