Verde Escuro

|Daniel Conde|
Arrancaram com celeridade ímpar as obras de adaptação do canal da Linha do Tua, nos 76 km entre Carvalhais e Bragança, em mais uma ciclovia. A obra está orçada em 3 M€, sensivelmente 40 mil €/km, desconhecendo-se quantas estações e obras de arte serão beneficiadas no total dentro deste valor.

Surpreende-me que as autarquias de Mirandela, Macedo de Cavaleiros e Bragança tenham resistido tantos anos ao assédio da extinta REFER em embarcar neste tipo de empreendimento “chapa 5”, para agora da noite para o dia o abraçarem em tamanha sintonia. O timing é ainda mais infeliz ao coincidir com o início da exploração privada dos 37 km ainda abertos, por um player turístico de peso que poderia estar interessado numa expansão para Norte.

Seguidamente, o valor do investimento é inusitadamente baixo, em comparação com outras ciclovias do género em Portugal. Para citar algumas, 3 M€ custou igualmente a da Póvoa a Famalicão em apenas 28 km (107 mil €/km), e 5 M€ a do Dão (49 km, 102 mil €/km); no Sabor, o rácio foi de 125 mil €/km, no Tâmega 167 mil €/km, e só a de Montemor-o-Novo se aproxima deste valor, ao custar 41 mil €/km, mas num percurso de 12 km em terra batida, com uma única ponte e sem recuperação de estações. Ora, de Carvalhais a Bragança existem 13 obras de arte e 20 estações, sem contar com a renda de 250 €/km a pagar ao Estado pelo canal (19 mil €/ano), mais o que for pedido pela utilização das estações.

Através de candidatura ao Programa Valorizar, as autarquias terão ainda de pagar pelo menos 2,6 M€ pela ciclovia; numa reabertura ferroviária caber-lhes-ia pagar à volta de 5,7 M€, depois de candidatura a fundos comunitários. Sim, por mais 3,1 M€ do que vão gastar numa ciclovia, estas autarquias podem trazer o comboio de volta a Bragança; é agora uma questão de escolher o que faz mais falta à região.

Depois, quem vai esta ciclovia servir? Estes 3 municípios têm índices de envelhecimento galopantes, entre os 200% e os 300%, agravados a cada novo Censo, concentrando-se a maior percentagem de população idosa nas aldeias, algumas das quais sem transportes públicos fora do período escolar. Será portanto um convite à população para que se desloque aos centros urbanos a pé ou de bicicleta, no rigoroso clima trasmontano, em percursos com rampas como as do Quadraçal (7 km) ou do Vale da Porca ao cume ferroviário português (19 km), com inclinações médias de 2%? Por fim, se num centro urbano um corredor treinar 10 km, ou um ciclista 20 km, estamos a deixar de fora 36 km de canal para uma utilização residual, mormente por visitantes – nas aldeias não faltam bons trilhos para corrida/BTT.

Em 2012, a CM de Bragança emitia uma nota contra o pedido de desclassificação da Linha do Tua pela REFER, onde referia que não era uma decisão “sustentada numa política de coesão e de ordenamento para o território”, fundamentada num “somatório de episódios que levaram deliberadamente ao encerramento da Linha do Tua”, arrastando “o Nordeste Transmontano para uma situação de despovoamento acentuado e de empobrecimento” e de “eliminação ou redução (...) do serviço de transportes às populações”. Cinco anos volvidos, a autarquia dá uma volta de 180º

, e põe a obra fácil e de lazer à frente da mobilidade de pessoas e bens no mais eficiente dos transportes terrestres: o comboio. À luz da discussão sobre a ligação entre a cidade e a estação de Alta Velocidade de Puebla de Sanábria, a qual se arrasta há quase uma década sem resultados práticos, esta ciclovia é a derradeira antítese dessa aspiração: negligencia o papel da ferrovia como artéria privilegiada entre o Noroeste Peninsular e todo o Nordeste Trasmontano até ao Douro Vinhateiro, passando por um renovado aeroporto de Bragança, e de movimentação de passageiros, matérias-primas e produtos de e para o território, a menor custo que pela rodovia.

Restam por fim duas questões: a primeira, é de que forma este projecto pretende salvaguardar o património e memória industriais ainda presentes in situ, por exemplo nas estações do Romeu, Cortiços, Macedo, Azibo e Sendas, bem como os marcos quilométricos ainda existentes no canal, tendo o Movimento Cívico pela Linha do Tua agido ao longo dos anos no sentido dessa mesma preservação, em acções como o “Entrar na Linha”; a segunda, é se a interessante e correcta opinião avançada pelo vereador socialista macedense Rui Vaz, de preservação do canal para a sua reactivação ferroviária, e construindo-se a ciclovia junto a este (o denominado rail-to-trail, tão utilizado por exemplo nos EUA), foi tida em linha de conta.

Nada neste projecto faz qualquer sentido. O despesismo gratuito, o sentido de oportunidade, o virar de costas às necessidades das populações, a vista grossa a decisões estratégicas flagrantes no curto prazo, a comparação com o custo de reactivação da Linha do Tua, mesmo depois dos constantes avisos sobre estes números, remetidos tanto a nível pessoal como por associações como o MCLT, são inqualificáveis. Fazer esta ciclovia é um acto imediatista e de pequenez, com consequências graves, e que deveria ser melhor escrutinado, tanto pelas Assembleias Municipais, como pelos próprios munícipes.

O articulista não escreve segundo as regras do novo Acordo Ortográfico

Da Representatividade dos Povos

|Daniel Conde|
No dia 18 de Setembro, a Escócia, nação com quase 9 séculos de independência, seguidos de 4 de união dinástica e 3 de união governativa imposta com a Inglaterra, foi a votos num referendo histórico. Não fossem as histéricas ameaças proferidas por James Cameron de “doloroso divórcio”, de um “adeus definitivo” e até de uma fronteira “fortemente armada”, este referendo teria sido imaculado.

Nesse plebiscito, era perguntado aos residentes na Escócia – a estes apenas, e a mais nenhum no Reino Unido – se esta deveria ser um país independente. Falamos de um universo de 5 milhões de habitantes, inserido num Estado com 63 milhões. O “Não” venceu, e a Democracia seguiu o seu caminho.

Agora é a Catalunha, nação independente entre os séculos X e XV, quem quer que os seus habitantes exerçam o seu direito ao voto para aceder à auto-determinação plena. São 5 séculos de independência, seguidos de várias lutas por recuperá-la, uma delas coincidente com a Restauração Portuguesa. Mas “Aqui d’El-Rei!”, que os catalães não se podem pronunciar sozinhos: toda a Espanha teria de ir a votos. É esta a visão do Governo em Madrid, que rapidamente interpôs em Tribunal Constitucional um pedido de ilegalidade desta consulta, imediata e unanimemente aceite pelo destinatário.

Em Portugal, Costa ganhou a Seguro, e a parangona desta vitória é a queda da proposta “populista” do derrotado em se reduzir o número de deputados no Parlamento. Se do populismo e sentido de oportunidade da mesma não teço comentários, algo na denúncia de Costa me fez lembrar o populismo em se pegar numa proposta séria de um adversário – ainda que fragilmente construída – e a etiquetar, pelo seu timing, de populista.

O que faltou a cada candidato explicar foi que o actual sistema de voto, circunscrito a círculos eleitorais, esse sim é um entrave à Democracia, tanto mais que, afinal de contas, um deputado no Parlamento fala pelo país inteiro – que digo, pelo Partido inteiro – e não pela região administrativa que o elegeu – ou que elegeu o seu Partido – o que é à partida um ardiloso contra-senso.

Contudo, uma proposta baseada num círculo nacional, juntaria as dezenas de milhares de votos em partidos que separadamente em cada círculo não chegam para eleger deputado nenhum, somando assim o suficiente para nomear 1, 2, ou quem sabe mais deputados. Um simulador na blogosfera mostra que com a proposta de Seguro de 181 deputados, em havendo um circulo nacional, nas últimas legislativas ter-se-ia ainda assim eleito 2 deputados para o PCTP/MRPP, e outros 2 para o PAN. Populista? Não, democrático. E se a comparação com outros parlamentos mostra que em média temos menos deputados por habitante que outros países, pergunte-se o que fazem de facto grande parte deles em cada legislatura, que contributo dão à nação, e quanto do seu Tesouro subtraem em algumas benesses escandalosas.

Para a representatividade regional, seria altura de instituir a procrastinada regionalização, que a Constituição pede que se conceba desde há 40 anos, e criar uma câmara de senadores, onde cada região elegeria um e um só senador, zelando pelos interesses regionais. Sim, porque as esperanças de círculos como os de Bragança, Portalegre, Évora e Beja, com 2 a 3 deputados cada, de serem alguma vez ouvidos de forma séria no Parlamento, estão entre nada e coisa nenhuma.

Esta Europa de Estados com fobia aos Povos balança-me entre a preocupação e o euro-cepticismo. A mesma Europa, cujo lema oficial é “Unidos na Diversidade”, treme de medo da sua própria História, com mais de dois milénios de uma interminável valsa de uniões de impérios e secessões de Povos. Escócia, Catalunha, País Basco, Córsega, são todos perigosos patinhos feios, que se recusam a seguir a mãe pata do seu Estado, mas que abraçam de igual forma o projecto europeu de cooperação e concórdia.

E não nos riamos desta fobia aparentemente externa: o chamado “bairrismo nortenho” não tem absolutamente nada a ver com rivalidades entre Porto e Lisboa, ou o brejeiro “nortenhos versus ‘mouros’”. Tem a ver sim com o Norte ser histórica e culturalmente uno com a Galiza desde os tempos da Galécia pré-romana, e o restante território nacional estar ligado à Lusitânia e outros povos do Sul. Mas, se chamar de luso a um nortenho e de lusa uma língua que nasceu no Norte não é crime, que seria de nós se estes se lembrassem agora de uma união mais forte com os irmãos da Galécia do Norte? Que São Bento* nos proteja!

*Padroeiro da Europa

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