A nossa fábrica de energia celular e os elementos químicos

Celebram-se este ano os 150 anos da Tabela Periódica dos Elementos Químicos, proposta inicialmente pelo Cientista Russo Dmitri Mendeleev e que continua a ser revista e aumentada nos nossos dias. 

A Tabela Periódica é, na sua essência, o catálogo de todos os elementos químicos conhecidos pela Humanidade, uma espécie de mostruário das peças de Lego que temos disponíveis para formar estruturas mais complexas, e moléculas para os mais variados fins, desde o oxigénio que respiramos, até uma rocha granítica, até à Vida, nas suas mais variadas formas. Muitos dos elementos químicos da Tabela Periódica contribuem e são essenciais para a composição da Vida, desde uma pequena bactéria, até uma baleia azul.

Essencial para os seres eucarióticas (isto é, aqueles com um núcleo “verdadeiro”, que protege o ADN) são também umas pequenas estruturas denominadas mitocôndrias. Estes pequenos organelos microscópicos existem no interior de todas as células do nosso corpo, com excepção dos glóbulos vermelhos. São organelos críticos para a nossa vida…é neles que é produzida a maioria da energia que as células necessitam para sobreviver, a energia que retiramos dos nutrientes que consumimos, e onde se dá a verdadeira respiração celular. Podemos, portanto, dizer que as nossas mitocôndrias “queimam” os nutrientes que consumimos na presença do oxigénio que respiramos, para produzir energia, água e dióxido de carbono. Mais do que esta função de produtora de energia, as mitocôndrias são uma verdadeira fábrica de moléculas importantes para a nossa sobrevivência, convertendo os nutrientes e tijolos para a manutenção do edifício-célula.

No meio desta actividade frenética, paremos um pouco para identificar quais os elementos químicos do Grande Catálogo (i.e., a Tabela Periódica) que conseguimos identificar nas muitas moléculas, das mais simples às extraordinariamente complexas, que fazem parte da natureza permanente ou transitória desses organelos fascinantes denominados mitocôndrias.

Comecemos pelos mais usualmente encontrados na Natureza, com o seu símbolo e número atómico (isto é o número de partículas positivas, ou protões, no seu núcleo) entre parêntesis: carbono (C, 6), hidrogénio (H, 1), nitrogénio (N, 7) e oxigénio (O, 8). Encontrados na esmagadora maioria das moléculas na mitocôndria, desde o oxigénio molecular que respiramos, até ao esqueleto em carbono (e que pode conter nitrogénio) das moléculas biológicas, até à água que expiramos, fruto da nossa respiração celular mitocondrial.

De facto, o oxigénio, que normalmente circula na forma molecular (O2), recebe constantemente electrões (partículas carregadas negativamente) de proteínas mitocondriais e transforma-se em outras moléculas, as denominadas espécies reactivas de oxigénio. Desta realçamos o peróxido de hidrogénio (H2O2), vulgarmente conhecido por água oxigenada (exactamente, o que está naqueles frascos que compramos na farmácia ou supermercado é também produzido nas nossas mitocôndrias).

Apesar de, ao contrário do nome, não ser uma espécie tão reactiva assim, o peróxido de hidrogénio, quando produzido em baixas quantidades tem funções benéficas e importantes no nosso organismo.

Mas as mitocôndrias não têm na sua composição apenas aqueles quatro elementos. A lista é enorme e em alguns casos, surpreendente. Cálcio (Ca, 20), potássio (K, 19), cloro (Cl, 17), sódio (Na, 11), e magnésio (Mg, 12) circulam sob a forma de iões com funções de manutenção dos gradientes iónicos, gerando correntes de cargas que atravessam as membranas mitocondriais e que são parte crítica do funcionamento daquele organelo.

O cálcio desempenha mesmo funções muito importantes porque a sua entrada na mitocôndria pode ter um efeito duplo. Para quantidades normais, o cálcio tem o poder de acelerar o metabolismo da mitocôndria, tal e qual um pedal de acelerador de um carro, actuando em várias proteínas envolvidas na produção de energia ou em outras vias metabólicas. Em quantidades maiores, o cálcio pode causar danos na estrutura das membranas mitocondriais, perdendo-se a integridade do organelo e podendo mesmo ocorrer morte celular.

Fósforo (P, 15) é outro elemento crítico, sendo parte não só do esqueleto do ADN mitocondrial (tal e qual como o ADN nuclear), mas também fazendo parte de moléculas energéticas mitocondriais, como o ATP (adenosina trifosfato). O “mal-cheiroso” enxofre (S, 16) faz também parte da mitocôndria, não só como parte do gás sulfito de hidrogénio (H2S), que pode regular a respiração celular, mas igualmente como parte integral do local activo de várias enzimas (proteínas que aceleram reacções químicas nas nossas células), incluindo algumas envolvidas nos processos de geração de energia (ATP) na mitocôndria. Igualmente com a mesma função, encontramos a presença de ferro na mitocôndria. Aliás, a enzima que na respiração celular transforma oxigénio molécular em água, possui centros de ferro onde essa fantástica reacção ocorre. Outro exemplo é o cobre (Cu, 29), que se localiza em locais activos de proteínas envolvidas em transferências de electrões para produção de energia mitocondrial.

Para outros contextos, temos igualmente exemplos admiráveis. Uma proteína mitocondrial chamada superóxido dismutase II (que controla os níveis mitocondriais de espécies reactivas de oxigénio, nomeadamente uma denominada anião superóxido, de modo a não serem prejudiciais) possui manganês (Mn, 25) no seu local activo. O zinco (Zn, 30), surpreendentemente, é um elemento muito importante para várias enzimas mitocondriais, que contam com esse metal nos seus locais activos. Exemplos são enzimas conhecidas como proteases, que processam (”cortam”) outras proteínas.

O catálogo aumenta se contarmos com alguns “encontros imediatos” das mitocôndrias com vários iões que estejam de “passagem”, como níquel (Ni, 28), selénio (Se, 34), vanádio (V, 23), fluor (F, 9), titânio (Ti, 22) e muitos outros, que poderão ter efeitos benéficos (como por exemplo para doses baixas de selénio), até efeitos negativos (doses elevadas de níquel, titânio e vanádio). Muitos desses elementos são originários da nossa dieta ou exposição a poluentes ambientais.

Por esta descrição se vê como as mitocôndrias são uma amostra do que realmente somos. Um conjunto de elementos químicos, que andam sozinhos ou acompanhados, e de cuja mistura dos elementos certos na quantidade certa no local certo, resulta o que chamamos de Vida. E esta Vida precisa da faísca da energia, que no nosso caso é conseguida na sua maioria através desses organelos-pilhas chamados mitocôndrias.

Paulo J. Oliveira (Investigador Principal do Centro de Neurociências e Biologia Celular, Universidade de Coimbra. Professor Auxiliar Convidado, Universidade de Coimbra)
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva


Ética em Inteligência Artificial

É possível concordar sobre a generalização de que a Inteligência Artificial (IA) tem vindo a alterar a sociedade, mesmo quando não falamos de IA acabamos por fazer referência à mesma sob a forma de uma semi-automação, ou de uma qualquer outra tecnologia aplicada.

Ética em Inteligência Artificial
Tornou-se igualmente urgente observar que os debates teóricos sobre a IA parecem mais simples - no sentido de se verificar uma abundante produção conceptual - do que a praticabilidade das hipóteses que se propõem nos mesmo. Todavia, a interrogação ética em torno das consequências sociais da automação já tem décadas. Pode até dizer-se, a questão da ética, no seu sentido filosófico, é secular, no seu sentido computacional – mais recente. Um dos livros que demonstra a problematização deste assunto é o da Deborah G. Johnson: “Computer Ethics”; saiu nos anos 80 e apresentou considerações diversas sobre a utilização humana da tecnologia e a sua relação com privacidade, o ciberespaço e tantos outros temas que foram também enunciados em artigos prévios, alertando para a necessidade de alguma reflexão face aos desfechos éticos e sociais.

Isto significa que se introduziram várias perguntas face às consequências sociais (ex. perda de emprego) e comportamentais, mas nem sempre se dedicou algum tempo à discussão específica dos dilemas da programação, da própria modelação dos sistemas. Geoffrey Rockwell é um dos nomes que pertence ao fórum nacional no Canadá sobre ética da IA explorando, em conjunto com membros de diversas indústrias, os paradoxos éticos da automação. Por exemplo: Qual das duas opções escolher para a modelação de um carro autónomo: 1. Atingir um pedestre adulto que aparece à frente do carro, ou 2. desviar o carro para um passeio onde se encontra um carrinho com uma criança bebé?

Do fórum mencionado resultou a Declaração Canadá-França sobre Inteligência Artificial   pedindo a formação de um grupo de investigação internacional para o entendimento e partilha de resultados (dentro do G7) de investigações sobre a Inteligência Artificial. Geoffrey Rockwell sinalizou diversos sectores que estão sujeitos a novas formas de operacionalização com técnicas de IA, relembrando a necessidade de discutir temas desde a aprovação de crédito, aos diagnósticos médicos, ou à necessária inserção participativa das mulheres na programação da pipeline: a técnica hardware usada nos CPU’s para que seja possível encontrar e executar instruções.

Em algum momento terá de se perguntar: será ético que a modelação conceptual de dados continue a reproduzir estereótipos padronizados? Recorrendo, a título exemplificativo, à experiência Moral Machine  do MIT Media Lab foram recolhidos dados de 233 países (com resultado publicados na Nature ) face às decisões que cada participante assumiria no papel de “Juiz” em dilemas morais aleatórios. Neste caso em concreto, de um veículo autónomo, os pedestres assumiam quase sempre as categorias de “mulher/ homem” e/ou “criança/idos@”.

É necessário entender que priorização da vida face a um acidente inevitável não só é diferente de cultura para cultura, como é impossível de ser padronizada face a uma decisão singular. Não obstante, perante a inevitabilidade da necessária programação é indispensável incluir o maior número de perspetivas possíveis, sendo que este aspeto terá de passar pela implementação de políticas que assentam na observação de experiências como esta. Porém, é preciso dizer que os carros autónomos não têm a potencialidade de certas repressões que podem surgir face a algumas aplicações da IA na saúde, educação ou igualdade.

É certo que as aplicações de IA, nos diferentes contextos, precisam de um grande volume de informação para um melhor reconhecimento e/ ou resposta, mas isto também significa que se as representações não forem alteradas, inclusive as que estão a ser programadas, em nada irão contribuir para a diversidade social - apenas e somente para a multiplicação futura de discriminação por um lado, e estigmatização por outro. Fei-Fei Li é co-diretora do Stanford Human-Centered AI (HAI) Institute e coordena equipas que trabalham, entre outros aspetos práticos, a integração segura de sistemas autónomos na sociedade.

Ou seja, trabalham os algoritmos, os dados, os modelos computacionais e as interações humanas para que, no futuro, um robô não venha a reforçar uma desigualdade social que, por sua vez, vai resultar no sofrimento, na morte, e por consequência: em perdas económicas. Além do mais, há equipas, como poderá ver-se através do trabalho da Londa Schiebinger no Genderer Innovations que procuram facultar às/aos cientistas e engenheiros/as métodos práticos que permitam entender a tecnologia no contexto social. Sem este entendimento não será possível falar de Ética em Inteligência Artificial, na medida em que falar de uma integração segura de sistemas autónomos na sociedade é, também e necessariamente, falar em diversidade plural.

Lia Raquel Neves
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

Elementos por todo o lado

Por decisão da Organização das Nações Unidas estamos no Ano Internacional da Tabela Periódica, celebrando os 150 anos da sua proposta pelo químico russo Dmitri Mendeleiev. Aquela Tabela sumaria numa simples folha A4 todos os 118 elementos químicos conhecidos até hoje, dispondo-os de acordo com as suas propriedades.

Toda a matéria conhecida – o Universo, o Sistema Solar, a Terra, o corpo humano – é feita desses 118 elementos, naturalmente em abundâncias muito diferentes. São como peças de Lego para o jogo da construção cósmica. E só precisamos de uma caixa com 118 peças diferentes para obter, ligando-as, as infinitas possibilidades do mundo químico.

Os elementos da mesma coluna da Tabela Periódica são semelhantes porque os átomos que os constituem também o são, mas, no tempo de Mendeleiev, não havia sequer a certeza da existência de átomos, desconhecendo-se em absoluto a sua estrutura: não se conhecia nem o núcleo atómico, nem os electrões que circulam à volta dele. Hoje sabemos da teoria quântica, estabelecida só no início do século XX, que as ocupações por electrões de estados quânticos do mesmo tipo explicam as semelhanças no comportamento químico dos átomos.

Alguns átomos ligam-se facilmente, como os da primeira coluna (os chamados metais alcalinos), ao passo que os da última coluna se ligam com dificuldade (chamam-se gases raros). A visão unificadora do criador da Tabela foi extraordinária, tal como o foi a visão do naturalista inglês Charles Darwin ao descobrir em 1859 uma ordem universal na extrema diversidade do mundo vivo, que só mais tarde a moderna genética veio a explicar.

O Universo é feito essencialmente pelos dois elementos químicos mais leves, que ocupam as duas primeiras casas na horizontal da Tabela Periódica e que encabeçam também a primeira e a última colunas: o hidrogénio (que perfaz 75% da massa total de matéria do universo) e o hélio (que perfaz 23% da massa total). Foram os dois formados no Big Bang, há 14 mil milhões de anos, mas algum do hélio hoje existente foi produzido nas estrelas a partir do hidrogénio.

De facto, as estrelas como o Sol não são mais do que centrais nucleares nas quais o hidrogénio é permanentemente transformado em hélio. Em todo o Universo, os elementos que aparecem a seguir são muito menos abundantes: logo a seguir surge o oxigénio (1%), que é formado em certas estrelas que compõem as galáxias, espalhadas pelo Universo. O Sol vai conseguir fazer carbono no final da sua vida a partir do hélio, mas, para fazer oxigénio em quantidades significativas, já são precisas estrelas maiores.

O hidrogénio e o hélio foram descobertos em datas e por meios muito diferentes. O hidrogénio foi identificado pelo físico e químico inglês Henry Cavendish em 1766, estudando reacções químicas de ácidos com metais, ao passo que o hélio só apareceu em 1868, quando os astrónomos Jules Jansen, francês, e Norman Lockyer, inglês, analisaram a luz do Sol (hélio significa Sol em grego). Foi o primeiro e o único elemento a ser descoberto fora da Terra. Já o oxigénio é contemporâneo da emergência da Química, descoberto que foi em 1772-1774 pelos químicos Carl Scheele, sueco, e Joseph Priestley, inglês (o químico francês Antoine-Laurent Lavoisier, também reclamou a descoberta do oxigénio).

Na Terra, a abundância de elementos é muito diferente da que ocorre no Universo em geral, que é praticamente a mesma que ocorre no sistema solar (cuja massa é dominada pela do Sol). Os elementos mais abundantes da crusta terrestre são, em percentagem de massa, o oxigénio (46%), o silício 28% e o alumínio (8%). Tal como acontece para o oxigénio, o silício e o alumínio só podem ser feitos em estrelas pesadas.

Foram todos os três espalhados no espaço por supernovas, que são grandes explosões de estrelas de grande massa que ocorrem quando estas chegam ao fim do seu tempo de vida. Isso significa que houve uma estrela anterior ao Sol que explodiu violentamente espalhando a sua matéria no espaço. O Sol é, portanto, uma estrela de segunda geração. Tal como o hélio, o silício e o alumínio foram identificados no século XIX, e quase ao mesmo tempo: o silício foi descoberto em 1824 pelo químico sueco Jöns Jacob Berzelius e o alumínio em 1825 pelo físico dinamarquês Hans-Christian Oersted.

Finalmente o homem. A maior parte do corpo humano é água (H2O), sendo o resto dominado por moléculas orgânicas, que contêm o carbono. Em percentagem de massa, no corpo humano é formado maioritariamente pelo oxigénio (65%), seguido do carbono (19%) e do hidrogénio (10%). O resto (azoto, cálcio, potássio, etc.) não passa de umas minúsculas migalhas. Dos 118 elementos da Tabela só 17 são necessários ao funcionamento do nosso corpo.

O mais extraordinário é que, exceptuando o hidrogénio, que veio do Big Bang, todos esses 17 vieram das estrelas: somos, portanto, “filhos” das estrelas. Não conhecendo nós outros seres vivos inteligentes, somos os únicos “filhos” das estrelas que conseguem perceber de onde vieram.

Carlos Fiolhais (Professor de Física da Universidade de Coimbra)
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

Uma super terra na vizinhança do Sistema Solar

A descoberta da super terra G1411b, com três vezes a massa do nosso planeta, a apenas oito anos-luz de distância, contou com a participação de investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA).

Imagem artística de uma super terra em órbita de uma estrela anã vermelha Crédito - ESO-M Kornmesser
Uma equipa internacional, que inclui dois investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA), detetou uma das super terras mais próxima do Sistema Solar, a apenas oito anos-luz de distância. Este exoplaneta, que com três vezes a massa da Terra provavelmente será rochoso, orbita a estrela Gliese 411 (Gl411), na constelação da Ursa Maior, e é dos exoplanetas telúricos que mais se adequa à caracterização por imagem direta. Os planetas telúricos são planetas rochosos, com interior diferenciado (no caso do Sistema Solar, todos os planetas telúricos têm um núcleo, um manto e uma crosta).

Examinar as atmosferas de planetas extrassolares, especialmente dos que se assemelham à Terra, é um dos principais objetivos da astronomia nas próximas décadas. Isso irá permitir entender as semelhanças e as diferenças entre estes planetas e os do Sistema Solar.

No estudo agora publicado (o artigo “The SOPHIE search for northern extrasolar planets. XIV. A temperate (Teq∼300 K) super-earth around the nearby star Gliese 411” foi aceite para publicação na revista Astronomy & Astrophysics (ArXiv: 1902.06004), a equipa concentrou-se em particular nos exoplanetas que orbitam estrelas anãs vermelhas, cuja massa é inferior a metade da massa do Sol. Estas estrelas representam 80% das estrelas da nossa galáxia e por isso são também a maioria das estrelas que rodeiam o nosso Sistema Solar. A sua baixa massa facilita a deteção de exoplanetas mais pequenos – potencialmente do tipo terrestre – e localizados na zona de habitabilidade da estrela.

Olivier Demangeon (IA & Faculdade de Ciências da Universidade do Porto) explica o interesse neste planeta: “A juntar a outras descobertas, a deteção de um planeta de tipo rochoso em torno de uma das estrelas mais próximas de nós reforça claramente a ideia de que a maioria das estrelas que vemos no céu tem planetas à volta.”

A deteção foi efetuada recorrendo ao espectrógrafo SOPHIE, instalado no telescópio de 1,93m do Observatório de Haute-Provence (OHP), em França. Foi neste telescópio que, em 1995, Michel Mayor e Didier Queloz descobriram o primeiro exoplaneta à volta de uma estrela do tipo solar. Graças a dados de alta resolução do SOPHIE a equipa detetou, pelo método das velocidades radiais, um planeta ao redor da estrela Gl411, nomeado Gl411b. Este planeta orbita em torno de sua estrela separado de apenas 0,08 UA (cinco vezes mais perto da sua estrela do que Mercúrio está do Sol), completando uma volta em apenas 13 dias terrestres.

O Método das Velocidades Radiais deteta exoplanetas medindo pequenas variações na velocidade (radial) da estrela, devidas ao movimento que a órbita desses planetas imprime na estrela. A título de exemplo, a variação de velocidade que o movimento da Terra imprime no Sol é de apenas 10 cm/s (cerca de 0,36 km/h). Com este método é possível determinar o valor mínimo da massa do planeta. No entanto, em conjunto com o método dos trânsitos, é possível determinar a massa real.

Apesar de G1411 ser uma anã vermelha, e por isso menos quente do que o Sol, o G1411b ainda recebe cerca de 3,5 vezes mais radiação do que a Terra recebe do Sol, o que o coloca fora da zona de habitabilidade, sendo provavelmente mais parecido com Vénus.

O Gl411b é, em conjunto com Proxima Centauri b, uma das duas super terras mais próximas, e por isso mais adequadas para uma caracterização por imagem direta, algo que estará ao alcance de instrumentos como o HIRES, do futuro Extremely Large Telescope (ESO). Este instrumento, cujo desenvolvimento técnico e futura exploração científica tem a participação do IA, está previsto entrar em funcionamento em 2025 e ajudará a entender o comportamento e os limites dos planetas logo abaixo da zona de habitabilidade.

Nuno Cardoso Santos (IA &FCUP), investigador responsável pela linha temática “A detecção e caracterização de outras Terras” no IA acrescenta: “Isto mostra-nos que a aposta feita pela equipa do IA em desenvolver novos instrumentos para o ELT, nomeadamente o espectrógrafo HIRES, vai no caminho certo.”

Grupo de Comunicação de Ciência - Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

Já está disponível uma “app” para contabilizar e mapear o lixo marinho nas praias portuguesas

Sensibilizar a população para o combate ao lixo marinho, contribuindo para a preservação dos oceanos, e alertar as entidades competentes para a urgência na adoção de medidas que permitam mitigar este grave problema ambiental global é o principal objetivo da plataforma lixomarinho.app, lançada hoje em formato de aplicação (app). 

Trata-se de um projeto de ciência-cidadã promovido por investigadores do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), em parceria com a Associação Portuguesa do Lixo Marinho (APLM).

Também disponível no facebook e instagram, esta plataforma permite a contagem simples e mapeamento de lixo marinho em praias da costa portuguesa, nomeadamente em eventos de limpeza dos areais, visando funcionar como observatório nacional de lixo marinho.

Atualmente existem muitas iniciativas de limpeza de praias em Portugal, «no entanto, é necessário compilar de forma simples e organizada todos os dados que se estão a produzir, para que possamos informar outros atores da sociedade e decisores políticos sobre os níveis de poluição, com o objetivo de sensibilizar e reduzir as emissões de lixo marinho para o ambiente, isto é, promover alterações efetivas nos níveis de poluição na nossa costa», afirma Filipa Bessa, investigadora do MARE e coordenadora da plataforma.

O contributo de todos é essencial. Por isso, qualquer pessoa pode participar, «quer em tempo real na praia ou, mais tarde, através do registo no Site da plataforma, onde é possível efetuar as contagens das suas recolhas de lixo marinho», refere a investigadora, clarificando que existem duas tipologias de contagens - uma simples e outra de caráter científico.

A contagem simples, composta por 20 itens – representando os materiais e resíduos que mais se registam nas praias de Portugal –, indicará as tendências dos tipos de lixo ao longo do tempo. A contagem científica, dirigida a investigadores/técnicos especializados, inclui uma lista mais alargada de tipos de lixo marinho e poderá ser útil às entidades responsáveis pelas monitorizações nacionais e internacionais deste tipo de poluição.

Esta contagem do lixo marinho por categorias permite «produzir uma plataforma alargada, de acesso livre de dados, sobre a ocorrência de lixo marinho na nossa costa. Esses dados estarão disponíveis para todos os utilizadores registados de forma gratuita (cidadãos, organizações não governamentais, empresas, organizações estatais, nacionais, regionais e internacionais) que queiram colaborar connosco, contribuindo para a redução e mitigação do lixo marinho», salienta Filipa Bessa.

É considerado lixo marinho qualquer material sólido, persistente, manufaturado ou processado, que é eliminado, abandonado ou perdido no ambiente marinho e costeiro. Apesar deste tipo de lixo incluir uma vasta gama de materiais, entre os quais metal, madeira, borracha, plástico, vidro e papel, vários estudos indicam que mais de 80% dos materiais identificados são plásticos de vários tamanhos e formas.

«Devido à sua dificuldade de degradação no ambiente, os plásticos têm sido identificados como um dos maiores problemas ambientais globais dos nossos tempos, resultando do excesso de consumo destes materiais e de algumas falhas na gestão destes resíduos. Sabe-se que, em média, cerca de 8 milhões de toneladas de lixo terminam nos oceanos e as tendências indicam um aumento destas projeções», alerta a coordenadora da plataforma lixo marinho.

Existem registos de lixo marinho, particularmente plásticos de vários tamanhos, em praticamente todos os ambientes do planeta (rios, lagos, oceanos, praias, solos, gelo e até no ar), «com vários impactos adversos para a fauna e flora, bem como em termos sociais e económicos para o Homem», conclui.

Equipa da FCTUC desenvolve géis para remoção de hidrocarbonetos de petróleo

Uma equipa do Centro de Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) desenvolveu e testou um conjunto de géis com elevada capacidade de remediação de ambientes contaminados com hidrocarbonetos de petróleo.

Cesar Filho
O projeto, focado no desenvolvimento de uma solução inovadora e de baixo custo para recuperação de ambientes contaminados com compostos (hidrocarbonetos) provenientes do petróleo, foi conduzido pelo investigador Cesar Cavalcante Filho, no âmbito do seu doutoramento em Química, no ramo de especialização em Química Macromolecular e supervisionado pelo professor Artur Valente, do Departamento de Química da FCTUC.

O investigador explica que optou por desenvolver um sistema polimérico constituído por géis porque «são sistemas de baixo custo, baseados em constituintes naturais, entre os quais quitosano (obtido da carapaça de crustáceos) e pectina (obtida da casca de algumas frutas). São géis promissores, desenvolvidos pela primeira vez neste trabalho e preparados através de metodologias simples

Sabendo-se que os hidrocarbonetos de petróleo podem ter efeitos adversos na saúde humana e afetam o ecossistema, a equipa de investigação procurou «uma solução inovadora, de baixo custo e alternativa para os métodos atualmente utilizados na recuperação de ambientes contaminados com compostos derivados do petróleo. Pretende-se a remoção eficaz de hidrocarbonetos do ambiente, quando ocorrem derrames de petróleo», conta o investigador.

Os derrames de petróleo podem suceder frequentemente como resultado de erros humanos, atos deliberados, como vandalismo, ou na sequência de desastres naturais, como terramotos ou furacões.

Da bateria de testes realizados em amostras que mimetizam soluções reais baseadas em petróleo, «os resultados obtidos são promissores e indicativos para a aplicação destes géis no meio ambiente. Os géis apresentaram elevada capacidade de remoção dos hidrocarbonetos de petróleo», refere Cesar Cavalcante Filho, sublinhando, no entanto, a necessidade de realizar «mais estudos para que estes materiais possam ser utilizados em condições ambientais complexas.»

«Os resultados alcançados permitem prever as potencialidades dos géis sintetizados em aplicações ambientais reais, mas ainda há muito trabalho a fazer para que um produto com base nesta solução chegue ao mercado», reforça.

Por agora, conclui Cesar Cavalcante Filho, o seu grupo de investigação no Departamento de Química da FCTUC está a estudar o potencial dos géis produzidos neste trabalho «para a remoção de outros poluentes, que não os hidrocarbonetos aromáticos, demonstrando assim outras potenciais aplicações destes materiais.»

A investigação foi financiada pela agência brasileira CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), através do Programa Ciência sem Fronteiras, e pelo Centro de Química da Universidade de Coimbra.

Estudo internacional alerta para os impactos do aquecimento global nas comunidades de fungos de água doce

O aquecimento global pode induzir mudanças nas comunidades de fungos de água doce, especialmente em comunidades dominadas por espécies adaptadas a ambientes mais frios ou a ambientes com oscilações mínimas de temperatura, e provocar uma alteração gradual nas teias alimentares modificando os ciclos biológicos e geoquímicos e comprometendo os serviços do ecossistema e do bem-estar humano, alerta um estudo internacional liderado pela investigadora Seena Sahadevan, do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).

Seena Sahadevan
Este é o primeiro estudo realizado à escala global sobre a diversidade de fungos aquáticos em ribeiros de floresta distribuídos ao longo de um gradiente latitudinal (do equador em direção aos polos), baseado em técnicas moleculares de nova geração (Illumina NGS). Coimbra (FCTUC).

Ao contrário dos micro-organismos do solo, cujos padrões de distribuição das espécies pelo globo estão bem definidos, a distribuição em larga escala dos micro-organismos aquáticos, apesar do seu valor ecológico, não tem tido a mesma atenção. Coimbra (FCTUC).

Os ecossistemas de água doce têm um papel relevante no ciclo global do carbono, inclusive os pequenos ribeiros de floresta em que a principal fonte de Coimbra (FCTUC).

O carbono reside nas folhas e detritos vegetais que caem sobre o leito e aí se decompõem. Este processo de decomposição é conduzido pelos fungos aquáticos: ao libertarem substâncias para digerir as folhas também as tornam apetecíveis para consumidores invertebrados, e por sua vez estes servirão de alimento a predadores como ninfas de libélula e peixes, dinamizando as relações tróficas. Coimbra (FCTUC).

A investigação, já publicada na revista Science of the Total Environment, envolveu 32 investigadores de 31 instituições distribuídas por 18 países, designadamente: Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China (Hong Kong), Equador, Espanha, Estados Unidos da América, França, Guiné, Índia, Itália, Japão, Malásia, Noruega, Portugal - incluindo os Açores - e Nova Zelândia. Coimbra (FCTUC).

A partir da análise das comunidades de fungos de 19 rios, distribuídos pelos dois hemisférios, a equipa verificou «que o número de espécies de fungos varia consoante a latitude, isto é, o número de espécies é maior nas regiões temperadas de média latitude, como por exemplo Portugal e Espanha. Este padrão de distribuição diverge do padrão global, pois enquanto o número de espécies de plantas e animais diminuem quando nos afastamos do equador, os fungos aquáticos diminuem perto do equador e dos polos», relata Seena Sahadevan. Coimbra (FCTUC).

A investigadora do MARE sublinha que «outro ponto relevante do estudo foi verificar que a composição das comunidades de fungos difere claramente com a temperatura da água, tendo sido registados três grupos distintos independentemente do hemisfério onde se encontravam.»Coimbra (FCTUC).

Os elementos C, H, N, O e a vida

Árvores da floresta tropical de chuva.  Quilombo dos Dembos. Angola

Água e Vida 
 Os elementos mais relevantes para a vida e para os seres vivos (Biodiversidade) são o Hidrogénio (H), do 1º Período [o outro deste Período é o gás raro Hélio (He)] e três do 2º Período: Carbono (C), Nitrogénio ou Azoto (N) e Oxigénio (O).

Sem água (H2O) não há vida. O corpo dos seres vivos é maioritariamente constituído por água. Por exemplo, num adulto da espécie humana com 70 kg, 42 kg são de água, 12 kg de gorduras, 12 kg de proteínas, 2 kg de hidratos de carbono (glúcidos; vulgo açucares) e 2 kg de outras substâncias. Isto é, a maior parte do corpo humano (60%) é água.

Assim se compreende que, no Planeta Terrestre (4.550 Ma), a vida se tivesse iniciado na água (2.500 Ma). Aí se mantiveram os seres vivos em evolução até conseguirem a transmigração para o meio terrestre (570-500 Ma), inicialmente nas áreas limítrofes dos lençóis de água, evoluindo até conseguirem viver em ecossistemas áridos.

É fácil demonstrar que sem água não há vida. Se deitarmos sementes em dois vasos com terra seca, mas só regarmos um deles, apenas nascerão plantas no que foi regado.

Todos sabem que a espécie humana é capaz de sobreviver 2-3 meses sem comer, desde que se movimente o mínimo possível para não consumir o combustível (gorduras, glúcidos e proteínas) que tem acumulado no corpo. Mas não há ninguém que faça greve de sede, pois não aguentava mais do que 2-3 dias vivo.

É por isso que, em todo o Globo Terrestre, é fundamental preservar as Zonas Húmidas, não só por conterem uma grande diversidade e quantidade de seres vivos, como também por serem reservas de água muito importantes para nós e para os seres vivos de que dependemos.

Infelizmente, estamos, há séculos, a fazer desaparecer grandes áreas de Zonas Húmidas. Por outro lado, com a “revolução industrial” iniciou-se a poluição do Globo, agravada, durante a segunda metade deste século, com a “revolução verde” da agricultura. Assim, abarrotaram-se extensas Zonas Húmidas de produtos químicos nocivos, como pesticidas, agro-químicos, detergentes, nitratos, iões metálicos e muitos outros compostos vertidos por efluentes urbanos e industriais sem tratamento prévio. Ora, a nossa espécie só pode beber água potável. Não somos como muitos outros animais que conseguem beber água poluída com seres patogénicos ou com produtos químicos tóxicos. A água, desde que esteja poluída, pode matar-nos ou provocar-nos doenças que, posteriormente, muitas vezes levam à morte.

Infelizmente, a maioria da população mundial ainda não se capacitou que a água que existe no Globo Terrestre e respectiva atmosfera é sempre a mesma. Das superfícies aquáticas terrestres e do corpo de todos os seres vivos, evapora-se, na atmosfera condensa-se em nuvens, que, posteriormente precipitam a água para a superfície terrestre, sob a forma de chuva, neve e nevoeiro (Ciclo da água).

A falta desse conhecimento, levou a que, particularmente, após as referidas “revolução industrial” e “revolução verde”, se tivesse saturado de veneno a Biosfera, transformando-a numa gigantesca esponja abarrotada com cerca de 72.000 compostos químicos tóxicos, como dioxinas, furanos, PCBs (PoliCloradoBifenilos), chumbo, mercúrio e DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano), recoberta por uma atmosfera empobrecida em oxigénio, plena de gases nocivos, muitos deles solúveis na água, como os gases de enxofre (SO, SO2), de azoto (NO, NO2) e de carbono (CO, CO2). Como esses gases formam ácidos com a água (H2O) (sulfúrico, H2SO4; nítrico, HNO3 e carbónico H2CO3), as nuvens passaram a precipitar chuvas de pH abaixo de 7, o que levou a designá-las por chuvas ácidas, quando, na realidade, são chuvas poluídas, pois a água dessas chuvas transporta muitos poluentes. A acidez dessas chuvas chegou a atingir valores baixíssimos como, por exemplo, 1,7 na República Checa.

C e Vida
Qualquer motor para trabalhar precisa de um Combustível que, através de reacções químicas exotérmicas (Combustão) liberta Calor (energia) suficiente para que o motor funcione. Os combustíveis (gasolina, gasóleo, álcool, gás, etc.) são compostos orgânicos com Carbono (C), Hidrogénio (H) e Oxigénio (O). Quando se dá qualquer reacção química, formam-se outros Compostos (um dos que se forma na Combustão é o CO2), que, neste caso, são expelidos pelos tubos de escape, sendo, muitos deles, poluentes.

O nosso Corpo tem vários “motores”. O Coração é um desses “motores” que está sempre a “bater” (trabalhar) e que não pode parar. Se o Coração é um motor, tem de haver um Combustível para que este motor funcione. Esse Combustível é a Comida, que não é de plástico, nem são pedras, mas sim produtos vegetais, animais e de outros seres vivos (leveduras, por exemplo). Essa Comida que ingerimos é transformada no nosso organismo em energia (Calor), através de reacções exotérmicas (digestão) semelhantes à referida Combustão, que vai fazer com que os vários motores do nosso Corpo, entre os quais o Coração e os pulmões, trabalhem e nos mantenham vivos.

Na Comida estão as substâncias Combustíveis com Carbono (C), Hidrogénio (H) e Oxigénio (O), como são os hidratos de Carbono (açucares, farinhas, etc.), lípidos (gorduras, como o azeite, a manteiga, etc.) e proteínas (na carne, no peixe, nas leguminosas, como o feijão, a fava, a ervilha, etc.). Estas últimas têm mais um elemento, o Azoto (N), que, apesar de nos ser muito útil em reduzida quantidade, é muito tóxico. Assim, tal como acontece com os veículos automóveis, da Comida que ingerimos, durante a digestão (reacções químicas) formam-se muitos Compostos que, tal como nos automóveis, são expelidos do nosso corpo sob a forma de fezes, que têm muitos Compostos com Carbono. Por isso há animais que se alimentam das fezes dos outros, como, por exemplo, escaravelhos. Mas, para os Compostos azotados, nós temos de ter outro “escape”, que é a urina, que os veículos automóveis não têm por não precisarem de proteínas, pois não crescem como os seres vivos.

Os seres vivos são, pois, o nosso Combustível e que se não os protegermos e eles desaparecerem do Globo Terrestre, também nós vamos desaparecer, por ficarmos sem Carburante.

As Plantas
Todos os seres vivos necessitam dessas substâncias orgânicas como nutrientes (“combustíveis”). As plantas, porém, não precisam de comer, porque são seres vivos capazes de as sintetizarem (produzirem), “acumulando” no seu corpo a energia do Sol, com a ajuda de substâncias (CO2 e H2O) existentes na atmosfera e reacções químicas endotérmicas (fotossíntese), com libertação de Oxigénio (O2). Como os animais não são capazes de fazer isso, têm que comer plantas (animais herbívoros) para terem produtos energéticos ou, então, comerem animais que já tenham comido plantas (animais carnívoros). Nós, espécie humana, tanto comemos plantas como animais, por isso, dizemos que somos omnívoros.

Entre as plantas, há enormes diferenças na quantidade de biomassa que produzem, no volume de gás carbónico (CO2) que retiram da atmosfera e o de oxigénio (O2) que libertam, como, por exemplo entre o que produz uma pequena erva anual e uma árvore que está todo o ano ao sol. Entre as árvores, as maiores produtoras são as árvores da floresta tropical de chuva (pluvisilva), pois, por se encontrarem nas zonas equatoriais, têm o Sol não só praticamente na vertical, como tiram proveito de maior luminosidade, por os dias serem praticamente iguais durante todo ano. É, por isso, que é nestas florestas que não só se encontram os maiores seres vivos terrestres (árvores com 6000 toneladas), como também são as florestas de maior biomassa vegetal. Portanto, são as florestas que podem alimentar não só os maiores herbívoros terrestres (elefantes), como a maior quantidade de outros organismos. As florestas tropicais são, pois, os ecossistemas terrestres de maior biodiversidade, são o “pulmão” do Globo por ser aí que se produz o maior volume de oxigénio (O2) e são a região com maior acção “purificadora” do ar, por ser aí que as plantas absorvem o maior volume de gás carbónico (CO2).

Mas os outros seres vivos não são apenas as nossas fontes alimentares, fornecem-nos muito mais do que isso, como, por exemplo, substâncias medicinais (mais de 80% dos medicamentos são extraídos de plantas e cerca de 90% são de origem biológica), vestuário (praticamente tudo que vestimos é de origem animal ou vegetal), energia (lenha, petróleo, ceras, resinas, etc.), materiais de construção e mobiliário (madeiras), etc. Até grande parte da energia eléctrica que consumimos não seria possível sem a contribuição dos outros seres vivos pois, embora a energia eléctrica possa estar a ser produzida pela água de uma albufeira ou por aerogeradores, as respetivas turbinas precisam de óleos lubrificantes. Estes óleos são extraídos do “crude” (petróleo bruto), que é de origem biológica, pois o crude resultou de transformações químicas de florestas soterradas há milhares de anos.

Assim, dos três Patrimónios (Material, Cultural e Biológico) o único essencial para a nossa sobrevivência é o Património Biológico (Biodiversidade), sendo, porém, aquele a que temos dado menos atenção.

Jorge Paiva. Biólogo
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

Geocaching ao serviço da ciência

Cientistas utilizam geocaching como ferramenta para avaliar valor cultural dos ecossistemas. Os praticantes de geocaching, o conhecido jogo mundial de caça ao tesouro ao ar livre, mostram preferir em Portugal as paisagens abertas e com água – e, entre as paisagens de floresta, o montado surge como a preferida.

Estes são os resultados de um estudo científico que foi agora publicado na revista Ecological Indicators , que utiliza pela primeira vez o geocaching como indicador para avaliar os serviços culturais prestados pelos ecossistemas: serviços difíceis de medir, pouco estudados, mas fundamentais no processo de definição de estratégias de gestão e conservação mais eficazes.

São várias as formas através das quais os ecossistemas contribuem para a nossa qualidade de vida. Para além de recursos e serviços palpáveis – como alimento, água e materiais, entre outros –, a nossa interação com a natureza traz-nos também benefícios não-materiais igualmente importantes. A recreação e o enriquecimento cultural, espiritual e estético – os chamados serviços culturais prestados pelos ecossistemas – levam-nos a estabelecer fortes laços emocionais com a paisagem. Esta importância cultural dos ecossistemas é difícil de avaliar e, por isso, pouco estudada, mas um aspeto fundamental do ponto de vista da conservação.

Pela primeira vez, uma equipa de investigadores portugueses determinou a preferência por diferentes paisagens utilizando a base de dados do geocaching: um jogo de caça ao tesouro em que os participantes (geocachers) procuram pequenos recipientes ou objetos (as caches) com a ajuda de um GPS ou telemóvel. Encontrada a cache, os jogadores registam a sua atividade no site oficial, podendo escrever, adicionar fotografias e atribuir uma pontuação à experiência de busca pelo tesouro. Em Portugal, existem atualmente mais de 51 000 geocachers.

“Os resultados indicam que não existe preferência por nenhum tipo de paisagem quando os geocachers planeiam a sua visita – a sua principal motivação é a aventura de procurar e o entusiasmo de encontrar, destacando-se ainda o respeito pela natureza. No entanto, uma vez no local, verificamos que os geocachers preferem paisagens abertas ou com água, seguidas de paisagens com floresta”, explica Inês Teixeira do Rosário, investigadora de pós-doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e primeira autora deste artigo.

Entre as paisagens com floresta preferidas pelos geocachers destaca-se o montado, paisagem de grande valor económico e socioecológico para Portugal. “Tendo em conta o valor que o montado representa para o país, é importante termos estudos que comprovem também a sua importância cultural, mais difícil de quantificar”, explica Inês Teixeira do Rosário, que acrescenta: “Considerando as dificuldades que este ecossistema enfrenta, como a mortalidade das árvores, é também importante perceber que existem outras atividades compatíveis com as existentes que poderão ajudar os gestores na sua conservação”.

Até agora não se tinha utilizado o geocaching para este tipo de abordagem, e foi o facto de esta base de dados reunir não só fotografias, como também textos e classificações atribuídas pelos geocachers, que levou os investigadores a explorar este método para avaliar os serviços culturais prestados pelos ecossistemas. Através de dados recolhidos no fórum português de geocaching www.geopt.org , os investigadores verificaram em que tipos de paisagem se encontravam as mais de 35 000 caches ativas em Portugal continental à data do estudo, em finais de 2016 (atualmente, este número ascende a cerca de 40 500). Calcularam ainda a frequência de visitas às caches, bem como o total de fotografias, e analisaram os votos e a extensão dos textos publicados pelos jogadores após encontrarem as caches, em função do tipo de paisagem – o que revelou a preferência por paisagens abertas e com água e, entre os vários tipos de floresta, pelo montado.

“Estes resultados indicam que vários tipos de paisagens, incluindo o montado, têm importância para quem gosta de atividades ao ar livre, e que estas atividades devem ser tidas em conta no ordenamento no território e na gestão das propriedades”, conclui Inês Teixeira do Rosário. Este estudo resulta da colaboração entre investigadores do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais (Ciências ULisboa), da empresa de consultoria ambiental Bioinsight, do Centro de Estudos Florestais (Instituto Superior de Agronomia - ULisboa) e do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais CICS.NOVA (Universidade Nova de Lisboa).

Referência do artigo:
Rosário, I.T., Rebelo, R., Cardoso, P., segurado, P., Mendes, R.N. & Santos-Reis, M. (2019) Can geocaching be an indicator of cultural ecosystem services? The case of the montado savannah-like landscape. Ecological Indicators, 99, 375-386. DOI: 10.1016/j.ecolind.2018.12.003

Gabinete de Comunicação do cE3c - Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais 
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva


Compreender o aparecimento da leucemia

A leucemia linfoblástica aguda das células T é um tipo de cancro do sangue raro que afeta maioritariamente crianças. Este cancro de sangue aparece a partir das células precursoras que produzem os linfócitos T (um tipo de glóbulos brancos).

Um novo estudo do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), desenvolvido em ratinhos, mostra que a leucemia pode emergir como consequência de prolongar a permanência das células precursoras no timo. Este trabalho foi agora publicado na revista científica The Journal of Immunology .

Os linfócitos T são essenciais para combater infeções e prevenir o cancro. Estas células desenvolvem-se no timo, um órgão situado sobre o coração. Durante o processo de desenvolvimento, há células precursoras que vêm da medula óssea e entram no timo para se desenvolver e aprender a proteger o nosso organismo. Neste processo, o timo tem uma “linha de montagem” onde muitas destas células iniciam a sua formação, mas são descartadas se não funcionarem bem. O trabalho liderado por Vera Martins no IGC mostra que se houver um problema com as células precursoras que vêm da medula óssea, o timo consegue manter sozinho a sua “linha de montagem” durante algum tempo. No entanto, esta função está associada a um risco elevado de desenvolvimento de leucemia linfoblástica aguda das células T.

A equipa do IGC testou diversos factores genéticos em ratinhos que se sabem estar envolvidos na formação dos linfótitos T. Os resultados obtidos mostraram que em todas as condições testadas havia uma incidência de cerca de 80% deste tipo de leucemia. “O nosso estudo mostra a importância de investigarmos detalhadamente os mecanismos celulares, genéticos e fisiológicos associados com o processo de diferenciação normal das células e abre portas à compreensão de como é que a leucemia pode aparecer em células que deviam estar a aprender a defender o organismo,” salienta Vera Martins. Este trabalho foi financiado pelo Instituto Gulbenkian de Ciência e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Ana Mena – Gabinete de Comunicação - Instituto Gulbenkian de Ciência 
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O céu de fevereiro de 2019

Neste mês vamos voltar a ver Saturno no céu, agora visível antes do amanhecer. Logo no dia 2, a Lua num minguante quase em nova, nasce coladinha ao planeta Saturno, mais ou menos a Sudeste, às 6:15.

Fig1: O céu virado a Este, às 20:00 do dia 19 de fevereiro de 2019. A “super” lua cheia está na constelação do Leão, logo abaixo da estrela Regulus (Imagem: Ricardo Cardoso Reis/Stellarium)
No dia 4, ocorre a lua nova. Já a crescer, no dia 10 a Lua passa a 6 graus do planeta Marte. Durante este mês o planeta estará visível a Sudoeste logo ao anoitecer. Já no dia 12, o nosso satélite atinge o quarto crescente.

No dia 18, com Vénus a aproximar-se cada vez mais do Sol e com Saturno a afastar-se da nossa estrela, os dois planetas vão cruzar-se no céu, e irão passar a 1 grau de distância um do outro.

No dia 19, ocorre a segunda “super” lua cheia de três consecutivas. Uma “super” lua cheia é uma lua cheia que ocorre quase em simultâneo com o perigeu (ponto de maior aproximação à Terra).

A “super” Lua está na constelação do Leão, que nasce logo ao anoitecer, a 4 graus de Regulus, a estrela mais brilhante desta constelação. Em latim Regulus significa “príncipe” ou “pequeno rei”. Já em árabe esta estrela é conhecida como Qalb al-Asad, que significa "o coração do Leão". Com uma magnitude aparente de 1,35, Regulus é a 21ª estrela mais brilhante do céu. Mas o que vemos no nosso céu como uma estrela é na realidade um sistema de quatro estrelas – dois binários que se orbitam mutuamente – a 79 anos-luz de distância.

Fig2: O céu virado a Sudeste, às 06:00 do dia 28 de fevereiro de 2019. De baixo para cima e da esquerda para a direita, a reta passa por Vénus, Saturno, Lua e Júpiter. (Imagem: Ricardo Cardoso Reis/Stellarium)
A maior das 4 estrelas (da qual resulta a maioria do brilho desta “estrela” é uma estrela branco-azulada no nosso céu) é designada por Regulus A. Tem 3 vezes o diâmetro e 4 vezes a massa do Sol, e com uma temperatura de mais de 12 mil graus, é quase 200 vezes mais brilhante que a nossa estrela.

Mas esta estrela roda à velocidade brutal de quase 350 km/s (por comparação, o Sol roda a 2 Km/s)! Esta velocidade distorce a estrela, sendo esta consideravelmente mais achatada nos polos do que no equador. Isto provoca um efeito conhecido como escurecimento gravítico – os polos são 5 vezes mais brilhantes do que o equador.

Dia 26 a Lua atinge o quarto minguante e dia 27 está 4 graus atrás do planeta Júpiter. No dia seguinte, o último deste mês (não se esqueçam que este só tem 28 dias) e depois de avançar pouco menos de um palmo no céu, a Lua “ultrapassou” Júpiter. Estes dois formam agora uma linha reta com Saturno, que está a 17 graus da Lua, e com Vénus, que está a 10 graus de Saturno. Este alinhamento (aparente) de objetos do Sistema Solar está visível assim que Vénus nasce, por volta das 5:30 da manhã.

Boas observações.

Ricardo Cardoso Reis (Planetário do Porto e Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço)
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Fungos “à boleia” das aves para colonizar novos territórios

Alguns tipos de fungos “andam à boleia” das aves para colonizar novos territórios com os seus parceiros vegetais, as plantas, revela pela primeira vez um estudo desenvolvido por uma equipa de investigadores do Centro de Ecologia Funcional (Centre for Functional Ecology - Science for People & the Planet) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).

Pisco
«É a primeira evidência de que as aves não transportam apenas sementes de plantas para novos locais, mas também os fungos que estas sementes precisam para germinar e crescer», afirma Marta Correia, primeira autora do artigo científico publicado na revista “New Phytologist” .

De acordo com o estudo, 54 plantas de seis espécies diferentes germinaram de 34 excrementos de aves recolhidos numa floresta perto de Coimbra. Algumas das raízes destas plantas foram imediatamente colonizadas por fungos “amigos”, provando que estes só podem ter sido transportados conjuntamente com as sementes no interior das aves.

Estes fungos, chamados fungos micorrízicos arbusculares, formam relações estreitas com muitas plantas. Os fungos colonizam a raiz e contribuem para uma maior absorção de nutrientes e água para as plantas que conseguem ter

um crescimento maior e serem mais saudáveis. Em troca, a planta dá ao fungo uma “casa” e alimento fabricado na fotossíntese. Portanto, estas relações simbióticas beneficiam tanto as plantas como os fungos.

«A comunidade científica acreditava há já algum tempo que partilhar o mesmo mecanismo de transporte daria às plantas que crescem em simbiose com estes fungos uma vantagem. Pela primeira vez, o papel das aves na dispersão de ambos os parceiros é confirmado», declara Marta Correia.

Ruben Heleno, Susana Rodríguez-Echeverría, Marta Correia, Luís Pascoal da Silva e José Miguel Costa.
A investigadora do Centro de Ecologia Funcional considera que os resultados do estudo agora publicado representam «uma peça fundamental do puzzle para compreender a distribuição global de fungos micorrízicos e a colonização de territórios remotos, tal como ilhas, por plantas associadas a fungos. Como chegavam os fungos a estes territórios remotos era até agora desconhecido já que não seria possível a dispersão a tão longas distâncias só pelo vento

O estudo foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e pelo FEDER, no âmbito do programa PT2020.

Porque é que os animais têm caudas com diferentes tamanhos?

Uma equipa de investigação liderada por Moisés Mallo do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC) identificou um conjunto de genes que determina o tamanho da cauda em ratinhos. Este estudo foi publicado no dia 17 de janeiro de 2019 na revista científica Developmental Cell .

Os esqueletos de ratinhos normais têm uma cauda com 31 vértebras (esquerda), a cauda de ratinhos em que se aumentou a atividade do gene Hoxb13 tem poucas vértebras (centro), enquanto que a cauda de ratinhos em que se aumentou a atividade do gene Lin28a tem 36 vértebras (direita).
Nos animais vertebrados, o desenvolvimento do corpo faz-se progressivamente ao longo de um eixo antero-posterior, começando pela cabeça e terminando na cauda. O elemento chave para que este desenvolvimento aconteça com normalidade são umas células precursoras que originam de forma ordenada todos os tecidos e órgãos do nosso corpo. Para tal, tem de haver uma grande sincronização ao nível dos genes que desempenham um papel em cada passo do desenvolvimento.

Os resultados da equipa do IGC mostraram que o que determina que as células precursoras estejam a fazer as estruturas e órgãos residentes no tronco ou comecem a fazer a cauda é uma mudança nos genes que regulam a atividade dessas células. “Da minha perspectiva, uma das descobertas mais importantes do nosso trabalho é que o grupo de células precursoras que forma tanto as vértebras como a medula espinhal é regulado por redes genéticas diferentes em duas fases consecutivas do desenvolvimento”, diz Moisés Mallo.

Os investigadores descobriram que o comprimento da cauda é regulado por um equilíbrio de forças entre os genes Lin28, que promovem o crescimento das células percussoras da cauda, e os genes Hox13 que param a expansão destas células. Este equilíbrio é regulado por um outro gene, o Gdf11. Assim, quando aumentaram a atividade de Lin28 nos progenitores, os ratinhos tinham caudas mais compridas, mas quando estimularam a atividade dos genes Hox13, os ratinhos perderam as caudas. “Ainda que neste trabalho as variações no comprimento da cauda tenham sido obtidas de forma experimental é possível que o tamanho das caudas em diferentes animais possa resultar de como é estabelecido o equilíbrio entre os genes que controlam o crescimento desta estrutura”, conclui Moisés Mallo.

Estes resultados foram corroborados pelo trabalho de uma outra equipa de investigação da Harvard Medical School, que vai ser publicado no mesmo número da revista Developmental Cell. Estes investigadores ao estudarem o papel do gene Lin28 num contexto de indução de cancro, observaram que ratinhos com excesso de atividade desse gene tinham caudas muito longas.

O estudo liderado por Moisés Mallo foi conduzido no Instituto Gulbenkian de Ciência em colaboração com investigadores da Universidade de Genebra e da École Polytechnique Federale de Lausane, Suíça. Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, pela Universidade de Genebra e pelo Fundo de Investigação Nacional Suíço.

 Ana Mena - Gabinete Comunicação de Ciência - Instituto Gulbenkian de Ciência
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

EFSA e cientistas desenvolvem modelo para proteção das abelhas melíferas a nível europeu

O projeto ApisRAM, que pretende validar um modelo de avaliação de risco para colónias de abelhas melíferas a nível europeu, vai reunir, em Coimbra, de 22 a 24 de janeiro, especialistas da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA, na sigla original em inglês) e investigadores do Brasil, Dinamarca, França, Irlanda, Itália e Portugal.

Este modelo «permitirá prever o estado de saúde das colónias de abelhas adotando uma abordagem holística ao problema, integrando não apenas informação sanitária sobre as colónias (por exemplo, incidência de varroa e outras doenças) e efeitos derivados da exposição a pesticidas, mas também a influência da composição e gestão da paisagem (essencialmente ao nível de práticas agrícolas e disponibilidade de recursos florais)», explica José Paulo Sousa, coordenador da equipa portuguesa que é composta por sete investigadores do Centro de Ecologia Funcional (Centre for Functional Ecology - Science for People & the Planet) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).

A solução desenvolvida no âmbito do ApisRAM será utilizada pela EFSA, que financia o projeto, e pelos diferentes países europeus, «não só na avaliação de risco de pesticidas para abelhas, mas também por outras agências (por exemplo, DG AGRI e DG ENV) como ferramenta de gestão do território, permitindo a tomada de decisões sobre as práticas de gestão ao nível da paisagem para minimizar o risco para estes polinizadores» refere o também docente do Departamento de Ciências da Vida da FCTUC.

A reunião, que servirá para definir as metodologias de monitorização em campo e em laboratório a executar durante os próximos dois anos, vai ter lugar no Departamento de Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, com início às 8h30m, na Sala E6.2, e inclui visitas aos locais de estudo em Portugal (nos dias 23 e 24).

Oxigénio (continuação)

O gás oxigénio (oxigénio molecular, com a fórmula química O2) ocupa actual e aproximadamente 21% do volume da atmosfera terrestre, mas nem sempre foi assim. De facto, hoje sabemos que o O2 era residual na atmosfera que existia na Terra antes da vida ter surgido, há cerca de 3,6 mil milhões de anos. 

Foi só com o desenvolvimento dos primeiros seres unicelulares capazes de realizar fotossíntese, as cianobactérias, que o oxigénio começou gradualmente a ser libertado para a atmosfera, conferindo-lhe um caracter oxidante.

As cianobactérias, seres unicelulares que apresentam uma cor azul-esverdeada e que normalmente se associam umas às outras formando colónias filamentosas, são os seres vivos conhecidos mais antigos que nos deixaram fósseis e que continuam a existir actualmente, podendo ser considerados como os “arquitectos” pioneiros da composição da actual atmosfera terrestre.

A fotossíntese é o processo através do qual as plantas, algas e algumas bactérias utilizam a energia da luz solar para converter o dióxido de carbono (CO2) e a água (H2O) em açúcares. Neste processo forma-se o gás oxigénio, que é “expulso” para a atmosfera como um resíduo fotossintético. A evolução bioquímica da fotossíntese foi um acontecimento que mudou para sempre o planeta Terra. Aliás, é terrivelmente irónico que as plantas, que produzem O2, sejam vítimas de incêndios fatais e destrutivos, só possíveis porque este gás, existente na atmosfera devido a elas, alimenta insaciavelmente a sua combustão!

O aumento gradual de O2 na Terra permitiu também uma maior “fixação”, na crosta terrestre, de várias substâncias na forma de óxidos. Aliás, foi através da descoberta de que o óxido férrico (Fe2O3) começou a estar presente em estratos geológicos apenas formados a partir de determinada altura da história da Terra, que os cientistas constataram que terá havido uma época anterior em que o O2 era escasso na atmosfera. Da mesma forma, as rochas de natureza calcária só começaram a ser formadas após a crescente produção de O2, primeiramente pelos seres fotossintéticos unicelulares e, posteriormente pelas plantas que a partir deles evoluíram.

O progressivo aumento de O2 na atmosfera da Terra permitiu a geração de outro gás composto por três átomos de oxigénio: o ozono (O3). Este gás, que é tóxico para os seres vivos, forma uma camada na atmosfera conhecida por camada de ozono que, apesar de só possuir cerca de três milímetros de espessura, é capaz de filtrar os raios ultravioleta da luz solar que são muito nocivos para os seres vivos.

Com efeito, o aumento de O2 na atmosfera terrestre teve implicações não só na evolução dos nossos antepassados eucarióticos capazes de realizar respiração por utilização do O2 disponível, mas também na sua proteção, por intermédio da camada de ozono, das perigosas radiações ultravioleta. Caso contrário, provavelmente, a vida não teria evoluído para o que conhecemos hoje e o autor destas linhas não as estaria escrevendo! A produção biogénica de O2 influenciou profundamente a história do planeta Terra!

António Piedade
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

Oxigénio

Celebra-se em 2019 os 150 anos da Tabela Periódica dos elementos químicos. No âmbito nesta efeméride, irei escrever ao longo deste ano várias crónicas sobre alguns elementos químicos. Hoje, é dia de começar com o oxigénio (símbolo químico O).

O oxigénio foi identificado como elemento químico em 1774 por Joseph Priestley (1733 – 1804), um dos responsáveis pelas fundações da química moderna, durante o século XVIII. Inglês de nascimento, Priestley foi para além de químico também clérigo inconformado e uma personalidade controversa que marcou intelectualmente a sua época, tendo exercido aparentemente grande influência na redacção do texto da Declaração da Independência das Colónias Americanas (que daria, mais tarde, origem aos Estados Unidos da América do Norte) e sido amigo pessoal de Benjamim Franklin.

Para identificar o oxigénio, Priestley utilizou duas lentes de vidro para focar a luz do Sol sobre um frasco contendo óxido de mercúrio. Este composto, assim aquecido pelo astro solar, “libertou” bolhas de um gás “gerador de vida”.

A atribuição da descoberta do oxigénio molecular a Priestley deve-se, fundamentalmente, ao facto de ter sido ele o primeiro a compreender estar na presença de uma substância que fazia parte, entre outros, do ar que respiramos. A ele é também atribuída a identificação de outros nove gases diferentes, dos quais só três eram, até então, conhecidos.

A identificação do oxigénio – ou “ar deflogisticado”, como inicialmente foi designado por Priestley, tendo em conta a teoria dogmática da época – foi muito importante na história do desenvolvimento da química, uma vez que permitiu, entre outras coisas, perceber (como se disse) que o ar não era, em si, um elemento único, mas composto por várias substâncias.

Os gregos consideravam o ar como um elemento único e esta concepção foi dominante durante milénios. No entanto, há alguns indícios de que os chineses já sabiam, no século XIII, que o ar não tinha uma “natureza simples”. Curiosamente, o génio de Leonardo da Vinci (1452 – 1519) terá identificado, primeiramente, que “uma parte” do ar tinha um “papel importante” na combustão.

Como muitas vezes acontece em ciência, outros antes de Priestley teriam já “tropeçado” no oxigénio (para além de o terem respirado sempre!). Todavia, por terem interpretado os seus resultados de forma diferente, ou por não terem divulgado a descoberta atempadamente, não ficaram com os louros da descoberta. Foi o caso do químico sueco Carl W. Scheele (1742 – 1786), que se sabe hoje ter obtido oxigénio puro a partir de nitratos e por outros métodos, entre 1771 e 1773. No entanto, Scheele só divulgou a sua descoberta em 1777, ou seja, três anos após Priestley.

O entendimento sobre a verdadeira natureza do oxigénio deve-se, contudo, ao grande químico francês Antoine Lavoisier (1743 – 1794), que, a partir dos trabalhos de Priestley e de Scheele, caracterizou este elemento de uma forma quantitativa. Lavoisier é referido, muitas vezes, como “pai da química moderna”, por ter sido ele o primeiro a basear as conclusões dos resultados das suas experiências de uma forma quantitativa.

Apesar do seu génio, deve-se a Lavoisier o baptismo impróprio deste elemento por “oxigénio”. Baseando-se exclusivamente nas suas observações experimentais, verificou que alguns elementos, quando combinados através da combustão com o oxigénio, geravam compostos que se “comportavam” como ácidos. Assim, Lavoisier generalizou que o oxigénio era um constituinte fundamental de todos os ácidos, o que sabemos estar incorrecto. Por exemplo, o ácido clorídrico (que é um ácido forte) não possui oxigénio na sua composição.

Fundamentado nesta fatal generalização, Lavoisier utilizou as palavras gregas “oksys” e “gen” – que significam, respectivamente, “ácido” e gerador” – para construir a palavra oxigénio (gerador de ácidos) e é por este nome que designamos este elemento desde então. Deixo, por agora, o desafio ao leitor de procurar a localização do oxigénio na Tabela Periódica! Ajudo-o dizendo que o 8 é número atómico do oxigénio.

Na próxima crónica darei mais oxigénio a este assunto!

António Piedade
Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

FCTUC lidera primeiro estudo internacional sobre o impacto de plantações de eucaliptos nos ribeiros

Um estudo internacional sem precedentes avaliou o impacto de plantações de eucaliptos no funcionamento dos ribeiros em diferentes regiões do mundo.

Verónica Ferreira
A investigação foi liderada por Verónica Ferreira, do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), e envolveu 18 cientistas de várias instituições da Península Ibérica, América do Sul e África.

As plantações de eucaliptos ocupam uma área total de mais de 20 milhões de hectares em todo o mundo, mas os seus efeitos no funcionamento dos ribeiros têm sido estudados essencialmente na Península Ibérica, o que limita o real conhecimento sobre o impacto que estas plantações podem ter em ribeiros de outras regiões onde o clima, a vegetação nativa e as comunidades aquáticas diferem.

«Foi esta lacuna que tentámos colmatar. Por isso, avaliámos o funcionamento de ribeiros em plantações de eucaliptos por comparação com ribeiros semelhantes mas que atravessavam florestas de espécies nativas, em diferentes regiões na área de distribuição das plantações de eucaliptos de modo a expandir o conhecimento sobre os efeitos das plantações nos ribeiros», afirma Verónica Ferreira.

Para a realização do estudo, os investigadores utilizaram a decomposição das folhas como indicador do funcionamento do riacho, uma vez que as mudanças neste processo sugerem um impacto negativo. «Os ribeiros que atravessam as florestas são ensombrados pela copa das árvores e é por isso que os organismos aquáticos dependem fortemente das folhas da vegetação ribeirinha. Na água, essas folhas libertam nutrientes que estão disponíveis para outros organismos, como algas, bactérias, fungos e invertebrados», explica a investigadora do MARE.

Estudar o impacto dos eucaliptos nos ribeiros é particularmente relevante porque «mudanças na floresta podem levar a mudanças na quantidade de folhas e nas suas características, o que pode criar desequilíbrios nas comunidades aquáticas e comprometer a capacidade dos rios de fornecer serviços para as populações humanas, como água de boa qualidade ou peixe», clarifica Verónica Ferreira.

As experiências realizadas em sete regiões da Península Ibérica, África Central e América do Sul permitiram aos investigadores concluir que «o efeito das plantações de eucaliptos varia entre regiões e depende do tipo de organismos decompositores», não sendo possível «fazer generalizações sobre o efeito das plantações desta espécie no funcionamento dos ribeiros uma vez que têm de ser considerados fatores climáticos, o tipo de vegetação nativa e o tipo de comunidade aquática», nota Verónica Ferreira.

Foi verificada uma inibição da decomposição total das folhas nas regiões temperadas (Portugal, Espanha, Sul do Brasil e Uruguai), já que nestas regiões os invertebrados trituradores são naturalmente importantes e são afetados negativamente pelas plantações.

De acordo com a líder do estudo, publicado na revista Ecosystems, as conclusões deste trabalho científico «realçam a necessidade de se avaliar os efeitos das plantações dos eucaliptos nos ribeiros tendo em conta as características locais. Deve ser feito um esforço para conservar a vegetação ribeirinha nativa junto aos ribeiros para mitigar os efeitos das plantações.»

Além da Universidade de Coimbra, o estudo teve a participação da Universidade do País Basco (Espanha), Universidade de Brasília, Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões e Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Brasil), Universidad de la República (Uruguai), Universidad de Temuco e Universidad de Concepción (Chile) e Universidade de Egerton (Quénia).

2019, Ano Internacional das Línguas Indígenas

“Durante a noite, veio o homem branco...”, diziam as legendas. Eram indígenas, apenas um casal de velhos de ar assustado, rodeado de câmaras, de luzes, de linguistas e antropólogos chamados em cima da hora. Encontrados a vaguear pela floresta, do que se julgava ser a sua aldeia na Amazónia restavam cinzas e imagens de madeireiros atarefados. Estava tudo no noticiário da TV e foi notícia de pouca monta, com direito a ser visível durante uns dois dias.

2019, Ano Internacional das Línguas Indígenas
Digamos que se tratou de mais uma daquelas evidências sobre as muitas ilegalidades naturalizadas cuja violência e desumanidade há muito se desfamiliarizaram, tudo digerido entre duas garfadas ao jantar. Digamos que a TV nos entra assim pela casa e pela viagem, como se tudo se reduzisse a um modelo de representação aceitável e comummente reconhecido e digerido. Digamos que a presença desse “fazer” (desse acto de representar) se revela na objectividade fantasma com que, através dele, tomamos consciência do mundo, uma fantasmagoria que nos passa ao lado — a menos que, qual membro amputado, nos doa no olhar para o écran.

Não houve antropólogos ou linguistas que soubessem exactamente o que diziam aqueles dois. Qual o modelo de representação que usavam? Não se sabia e, repare-se, a pergunta não apontava sequer o problema etnopoético da impossibilidade de traduzir uma mundivisão outra em modelo de representação de “homens brancos”. Era a raiz do modelo, a língua mesma, que se desconhecia.

Os especialistas passaram assim apenas “a deduzir” a partir das línguas daquela região, já conhecidas e já estudadas. Com aqueles dois seres se perdia toda uma língua e, com ela, toda a presença de uma história e de uma cultura, todo um saber — todas as formas de um “fazer” que deram forma àquela comunidade e que, certamente nos poderia iluminar o mundo de modo outro.

Em 2019, assinala-se, nas Nações Unidas, o Ano Internacional das Línguas Indígenas. Digamos que isso deveria devolver-nos à grande questão social e política que é a poética — aquela arte que Aristóteles, vendo-a sem nome, chamou simplesmente “fazer” (poiein).

Digamos que o que hoje se passa com as Línguas Indígenas é o epítome da dor do membro amputado, dessa fantasmagoria que nos dói quando afinal percebemos que a representação do mundo não está na natureza, mas antes se revela como insuportável ausência dos sentidos que reconhecemos.

Nesse caminho, digamos que a poesia, também celebrada no dia 21 de Março, continuará a ser o território que resta à nossa humanidade — com ela e nela existe a infinita e permanente possibilidade de (re)fazer todas as representações do mundo e/ou de todos os sentidos outros — o não-dito, o inaudito e o interdito. Aos poetas, esses legisladores do mundo não-reconhecidos, cabe-lhes guardar a voz de todos e de todas aquelas que não a têm — como aquele velho casal que, em toda a sua tragédia, viu cair sobre si essa enorme responsabilidade que é a de todos os bardos: ser os indivíduos representativos da comunidade, guardar a sua história, a sua experiência, o seu “fazer” do mundo.

Digamos assim que, neste ano e neste dia que ora celebramos, há que esperar o dia em que a poesia seja entendida como algo muito mais interessante do que a TV. E muito mais surpreendente.

Graça Capinha (Centro de Estudos Sociais) - Este texto não foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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Porque acreditamos em Notícias Falsas?

Investigações recentes nas ciências cognitivas esclarecem os processos subjacentes à susceptibilidade a acreditar em Notícias Falsas (Fake News).

Considere as seguintes questões: Um café e um pastel de nata custam um euro e dez cêntimos; sabendo que o pastel de nata é um euro mais caro que o café, quanto custa o café? Uma mancha de humidade duplica de tamanho todos os dias; sabendo que a mancha demora 48 dias a preencher totalmente uma parede, quanto tempo demora a preencher metade da parede? Finalmente, imagine que o seu ordenado é reduzido em 50%; porém, apenas dois meses mais tarde, o seu ordenado é aumentado em 75%; após essas alterações, você aufere um maior ou menor vencimento que no início?

Se respondeu “10 cêntimos”, “24 dias” e “maior” às perguntas anteriores, então pode estar em risco de mais facilmente acreditar em notícias falsas (Fake News), de acordo com um estudo recentemente publicado na revista científica Cognition. O artigo, revisto por pares e baseado nos resultados de um estudo pré-registado, sugere que a susceptibilidade para acreditar em notícias falsas se deve não a um viés partidário, como defendido em diversas fontes, mas a uma diminuta propensão para pensar de forma analítica e sujeitar crenças a um escrutínio cognitivo. A investigação, conduzida por Gordon Pennycook da Universidade de Yale, revela uma correlação positiva entre estilo de reflexão cognitiva e veracidade percebida de notícias falsas, independentemente da afiliação partidária do respondente ou do alinhamento político das notícias.

Um estilo cognitivo reflexivo e analítico pode ser avaliado com perguntas como as apresentadas acima e que, tomadas no seu conjunto, constituem o Teste de Reflexão Cognitiva (Cognitive Reflection Test). Esse é composto por várias questões cuidadosamente elaboradas para espoletar uma resposta intuitiva, mas incorrecta, a qual deve ser sujeita a um escrutínio cognitivo e corrigida para que possa ser obtida a resposta correcta.

Aos participantes deste estudo foram mostradas sinopses de notícias constituídas por um cabeçalho, uma imagem e um breve resumo, simulando a forma como essas são tipicamente encontradas no mural do Facebook. As sinopses noticiosas poderiam ser ou reais ou falsas e ideologicamente alinhadas com a esquerda, com a direita, ou de cariz não político. Perante cada notícia, os participantes deveriam indicar o seu grau percebido de veracidade bem como até que ponto estariam dispostos a partilhá-la numa rede social. Adicionalmente, todos os participantes responderam às várias questões do Teste de Reflexão Cognitiva.

Os resultados revelaram que respondentes que tendencialmente forneciam as respostas correctas ao teste, revelando assim uma maior propensão para reflectir e corrigir a resposta intuitiva inicial, mostravam uma maior precisão na detecção de notícias falsas, quer estivessem ou não em concordância com as suas convicções políticas pessoais.

Este estudo junta-se a vários outros, publicados na última década, que têm revelado que um estilo cognitivo reflexivo e analítico, avaliado pelo Teste de Reflexão Cognitiva, se relaciona com um maior cepticismo, uma menor tendência para abraçar crenças paranormais, teorias da conspiração e “tretas” pseudo-profundas (Pseudo-Profound Bullshit; conforme revelado num trabalho recente, também da autoria de Gordon Pennycook, o qual granjeou um Ig-Nóbel em 2016).

Num panorama mais vasto, estes dados têm sido enquadrados na chamada Teoria de Processamento Dual, popularizada pelo psicólogo e nobel da economia de 2001, Daniel Kahneman, no seu livro “Pensar, depressa e devagar” (2011, Círculo de Leitores). De resto, é também a Daniel Kahneman que se deve a formulação original de várias das questões incluídas no Teste de Reflexão Cognitiva.

De uma forma breve, a Teoria de Processamento Dual sugere que uma parte significativa do pensamento e raciocínio humanos se funda em processos automáticos, de cariz intuitivo, baseado em heurísticas que sustentam processos cognitivos e decisionais rápidos, ainda que ocasionalmente erróneos e sujeitos a enviesamentos sistemáticos. Estes processos, denominados de Tipo I, cumprem importantes funções adaptativas, pois possibilitam uma resposta rápida e imediata quando tal é exigido pelo contexto – um exemplo seria decidir se se deve ou não tomar a saída da auto-estrada, uma decisão que deve ser tomada em breves fracções de segundo, sem possibilidade de uma ponderação mais cuidada. Não obstante, os seres humanos dispõem também de capacidades cognitivas capazes de reflexões cognitivas mais elaboradas, abstractas e analíticas que, contudo, tendem a ser mais dispendiosas em termos de recursos atencionais e temporais – estes são designados de Tipo II.

Diversos estudos conduzidos desde os anos 1980 têm demonstrado que frequentemente as pessoas tendem a privilegiar respostas obtidas por processos cognitivos heurísticos, de Tipo I, mesmo dispondo de tempo e recursos para recorrer a processos analíticos, de Tipo II, observação que tem sustentado a asserção de que os humanos tendem a ser cognitivamente sovinas (Cognitive Misers). De entre os vários factores que explicam a falha em recorrer a processos cognitivos deliberativos e reflectivos de tipo II contam-se a pressão temporal e a diluição da atenção.

Por exemplo, um estudo já clássico de 1993, de Daniel Gilbert, revelou que quando as pessoas dividiam a atenção entre duas tarefas a realizar em simultâneo, mostravam uma maior probabilidade de acreditar em mensagens explicitamente assinaladas como falsas e erróneas. Isto é, perante a mera exposição a uma mensagem (como, por exemplo, o cabeçalho de uma notícia numa rede social), os humanos acreditam à partida na factualidade da mesma (mesmo dispondo de informação de que essa é falsa), sendo necessária a alocação de atenção e processos cognitivos racionais (de tipo II) para que essa crença seja questionada e corrigida. Obviamente, processos de Tipo II estão sob controlo volitivo e o recurso a esses pode ser fomentado, bastando para tal disponibilidade e motivação para despender os necessários recursos cognitivos.

Ainda que tenham existido, de uma ou outra forma, durante todo o século XX, as notícias falsas ganharam recentemente um maior destaque. A generalização no uso de redes sociais facilitou a sua partilha e divulgação com impacto considerável. Mais, a forma como material mediático é apresentado e consumido nas redes sociais tende a privilegiar uma leitura rápida, pouco atenta, e com reduzidos incentivos a uma reflexão mais cuidada e reflexiva. Assim, investigação contemporânea em Psicologia Cognitiva vem enfatizar o já reconhecido conselho: antes de partilhar uma notícia, pare e reflicta sobre o seu conteúdo – esse é plausível? Poderá ser uma notícia falsa?

Para terminar, aqui ficam as respostas às perguntas colocadas no início: Se o café custasse 10 cêntimos e o pastel de nata custasse um euro a mais, então o preço desta última seria de um euro e dez e ambos em conjunto custariam um euro e vinte – a resposta correcta é, assim, “5 cêntimos”; dado que a mancha de humidade duplica de tamanho diariamente e que em 48 dias ocupa a parede toda, então deverá ter ocupado metade da parede no dia anterior – a resposta correcta é, pois, 47 dias; aumentos/diminuições percentuais são sempre aplicados sobre o valor corrente – imagine que recebe €500; uma diminuição em 50% significa que passa a receber €250; o aumento de 75% deve agora ser aplicado aos €250, resultando em cerca de €438 (€250 + 75% de €250).

Nuno de Sá Teixeira
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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