O bico e o prego

|Hélio Bernardo Lopes|
A temática do desporto forneceu-nos uma regra que logo se estendeu a campos sociais os mais diversos: em equipa que vence não se mexe. Compreende-se que seja assim, porque uma tal equipa adquiriu rotinas, viradas, naturalmente, para a materialização de um objetivo estratégico.

Esta realidade, de um modo bastante indiscutido, teve lugar, precisamente, com o atual Governo, liderado por António Costa e suportado pelo PS, Bloco de Esquerda, PCP e Verdes na Assembleia da República. Um êxito de governação que não se ficou apenas a dever ao PS e ao Governo de António Costa, mas onde também estiveram presentes as sucessivas sequências de diálogo entre aqueles partidos, coordenado pelo atual ministro, Pedro Nuno Santos.

É igualmente conhecido que existe no PS uma sua parte que bem poderia estar no PSD, mesmo no de Pedro Passos Coelho, e que nunca viu com bons olhos a base política que suportou, plena de êxito, a já histórica Geringonça. E pode até encontrar-se no PS uma terceira parte, essencialmente flutuante, de que é um excelente exemplo Jorge Coelho. As suas tomadas de posição, invariavelmente, constituem-se em excelentes estimativas das tendências da liderança do PS, seja esta ou outra. E, bens vistas as coisas, o próprio Jorge Coelho nunca deverá ter estado completamente irmanado com esta solução da Geringonça.

Claro está que o Governo de António Costa, apoiado também nas intervenções e nas propostas do Bloco de Esquerda, PCP e Verdes, governou bem. Em todo o caso, também existem limitações muito desagradáveis, para as quais, infelizmente, a teimosia do PS de António Costa, recusando as mais que lógicas propostas do Bloco de Esquerda, PCP e Verdes, deu uma terrível ajuda. Três dessas limitações são o estado a que o Governo de António Costa deixou chegar o Serviço Nacional de Saúde, para mais recuando em toda a linha na proposta de lei de bases correspondente; a situação da ferrovia e agora da SOFLUSA; e o inenarrável caso dos salários dos juízes. Para já não referir o modo cocorento como Portugal se vem autolimitando em face das loucuras de Donald Trump e da gentalha que o rodeia e ultrapassa.

António Costa, na noite de ontem, pelo que há pouco escutei, terá reconhecido que houve falhas no caso da ferrovia e da saúde. Mas tudo poderia ter sido diferente se tivesse dado ouvidos às mais que lógicas propostas do Bloco de Esquerda, PCP e Verdes, ao invés de se virar para a direita do PS, mormente neste caso da Lei de Bases da Saúde. A proposta inicial de Marta Temido, de um modo simples, dizia o mesmo que o Governo tem feito com o setor do Ensino: onde existir uma escola pública, não se financia iniciativa privada no setor. O que não impede a existência desta, mas sem ser financiada pelos dinheiros públicos.

Infelizmente, António Costa voltou completamente atrás na proposta de Marta Temido, que nunca imaginou proibir a existência de hospitais privados ou do setor social. Mas só terão de ser pagos com dinheiros públicos se tal derivar da prestação de cuidados que o Serviço Nacional de Saúde não posa prestar nesses locais. Um tema sobre que vale a pena recordar (e ler) o meu texto, A MINA, escrito no momento em que a Igreja pretendia passar a controlar as misericórdias. Um tema sobre que falei com o meu histórico amigo Tó Sousa, então provedor da Misericórdia de Almeida, explicando-lhe as razões da referida posição da nossa Igreja Católica.

Acontece, como facilmente se percebe, que a dita gestão privada só tem êxito por via de perdas consideráveis, em matéria de direitos, dos que nela servem. Um relatório recente veio dar a conhecer que, ao longo de quase uma década, mais de metade das horas extraordinárias praticadas pelos funcionários das empresas nunca foram pagas. É a gestão privada bem ao vivo. Uma situação que sempre permitirá um papalvo tornar-se num gestor de topo.

Por tudo isto, e depois de José Pacheco Pereira ter sugerido que se lesse o artigo de Daniel Oliveira sobre o PAN no EXPRESSO, assim procedi. De molde que me fartei de rir com esta mais recente intervenção de Jorge Coelho na CIRCULATURA DO QUADRADO. Mais uma estimativa excelente sobre o modo como o PS de António Costa se está a preparar para virar o bico ao prego em termos de Geringonça. Em todo o caso, renovo aqui a sugestão de José Pacheco Pereira: estudem bem o PAN, a sua doutrina, as suas intervenções e propostas, os comentários de Sousa Tavares, mas por igual os surgidos, por exemplo, no OBSERVADOR. A conclusão é simples e as respostas dos que assim procederem, quase com toda a certeza, deverão vir a apresentar um muito baixo desvio-padrão.

Por fim, um convite forte ao Bloco de Esquerda, PCP e Verdes: mantenham-se fiéis ao espírito da Geringonça e façam propostas públicas com vista a continuar a mesma, mas com nova documentação escrita a suportá-la, esquecendo as questões da presença na União Europeia, dada que esta só cairá se os Estados Unidos assim entenderem, ou os grandes Estados da Europa virem tal por conveniente, situação em que, num ápice, desaparecerão os ditos europeístas. Se o PS recusar a mais que lógica continuação do que funcionou bem e tão bem serviu a generalidade dos portugueses – foi o que sempre disse e é a verdade –, será sua a responsabilidade pelo desastre futuro dos portugueses.

E já agora, Senhor Primeiro-Ministro: resolva, rapidamente, a escassez de oferta de comboios e de barcos no nosso Tejo, bem como os essenciais meios técnicos do Serviço Nacional de Saúde e do INEM. Passe das palavras à ação. E espero também que os portugueses sigam o conselho de Ana Gomes: nada de maiorias absolutas, ou teremos os primórdios de novo desastre político-social.

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