Finalmente a explicação!

|Hélio Bernardo Lopes|
Se eu alinhasse o meu pensamento como consequência exclusiva do que vai chegando através da grande comunicação social, estou certo de que teria ontem dito algo deste tipo: até que enfim, temos a explicação, a resposta, o Norte! Refiro-me aqui ao que nos chegou pelas palavras de António Ramalho Eanes, na palestra que proferiu na SEDES. Muito boa gente poderá estar a exclamar, com admiração, algo deste tipo: quem o viu e ouviu e quem o vê!!

Esta palestra tem aspetos próprios, invariavelmente surgidos ao som da moda política do tempo da Direita e da Extrema-Direita de hoje, mas tem, por igual, ligações objetivas com outro tipo de acontecimentos que estão a ter lugar em Portugal por estes dias, mas já iniciados há algum tempo.

A escolha de João Miguel Tavares no 10 de Junho é um desses acontecimentos que se ligam a esta palestra de Eanes. Mas também a entrevista recente de José Marques Vidal. Ainda a palestra de Joana Marques Vidal, nem sei em que instituição ou terra, porque tais dados nem foram divulgados na peça jornalística que acompanhei. Enfim, a própria entrevista do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, em inglês, onde salientou que, em face de uma crise da Direita que pode vir a ser longa, lhe caberá servir de contraponto ao poder do Governo e do Parlamento. Um dado é certo: eu avisei – fartei-me de avisar...– sobre os riscos que se viriam a correr com uma vitória presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa... Duvido que muitos ainda duvidem da minha razão. Mas vamos, então, à palestra de Eanes e a uma outra.

Em primeiro lugar, Eanes lá se determinou a embarcar na principal jogada estratégica de hoje da Direita e da Extrema-Direita: operar uma revisão do Sistema Eleitoral, de molde a resolver a crise política e levar a um maior volume de participação!!

Claro está que tudo isto não passa de uma treta, porque a razão do desencanto, por cá e por todo o Mundo, deve-se ao facto de se ter percebido que a democracia deixou de constituir uma realidade minimamente controlável. Deixou de servir. O que existe são partidos e eleições, mas com a exigência prévia de que, ou se segue o interesses estratégico do neoliberalismo, comandado pelos Estados Unidos, ou as coisas irão de mal para pior. Ou será que Eanes não acompanha a grande comunicação social sobre o que vai pelo Mundo?!

Em segundo lugar, o tal estudo de Guterres, no sentido de mudar os mecanismos eleitorais, visa apenas dar a entender um sentido de mudança, mas sem indicar qual. E porquê? Porque não existe! Faz lembrar as mil e uma intervenções do Papa Francisco: todos aplaudem, mas nunca irão triunfar. E uma boa imensidão dos que aplaudem Francisco pedem a todos os santos que o levem do trono de Pedro tão rapidamente quanto possível. Porém, quase todos acabam sempre por acreditar que desta é que vai ser... Traz-me ao pensamento uma frase muito corrente depois de Abril, sobre Caetano: ele queria mudar, mas não o deixaram.

Em terceiro lugar, aquela ideia peregrina de que talvez não tenhamos feito tudo o que se poderia ter feito, que seria socializar a política! Simplesmente fantástico!! Ao fim de tantas décadas, Eanes ainda acredita que se poderia ter feito o que não se fez, e que se se tivesse feito, os nossos jovens, alvo dessas iniciativas, quais autómatos, passariam a fazer tudo como haviam escutado e sempre com ótimos resultados!!!

Em quarto lugar, também parece não querer perceber que os portugueses nunca se interessaram muito pela democracia. Com o tempo, com tudo o que se vai podendo ver, por cá e pelo Mundo, é naturalíssimo que os cidadãos se vão desinteressando da democracia. Seria estranho que uma tal reação se não desse. Ao contrário do que diz Eanes, a democracia não tem nada que ver com o crescimento da abstenção, porque a menos que esta seja proibida – seria a democracia à força –, a verdade é quem não vota aceita o resultado. Até com a Constituição de 1933 foi assim. É sempre assim. Se Eanes pretende diminuir a abstenção, bom, diga à Direita e à Extrema-Direita que recusem a destruição do Estado Social. Diga-lhes que mantenham os essenciais direitos à Saúde, à Educação e à Segurança Social, sem transformarem estes três setores em negócios só para quem tiver riqueza. E enquanto a tiver.

Em quinto lugar, a fantástica barafunda da dita meritocracia. Mas não existe tal em lado algum, ou as instituições deixariam de funcionar. Os juízes são escolhidos por mérito? E os procuradores? E os almirantes e os generais? E nas Academias? Então e Fernando Luso Soares e José Luís Saldanha Sanches? Claro que se diz sempre que é por essa via, mas quem estiver informado sabe que as coisas não são nunca assim. Nem entre nós, nem nas restantes partes do Mundo. Um tema sobre que valerá a pena ler MARCELO CAETANO, de Luís Menezes Leitão, sobre a subida de Marcelo Caetano a catedrático, de parceria com Jaime de Gouveia.

A este propósito, recordo aqui as situações de Costa Martins, da Força Aérea, e de António de Spínola, do Exército, depois de ambos fugirem de Portugal, durante o designado PREC. Sobre o primeiro, Lemos Ferreira recusou a sua reentrada na Força Aérea, porque um militar não foge do seu país. Já no segundo caso, depois de Spínola regressar, não só foi reintegrado, como foi mesmo elevado ao posto de marechal. Decisões, portanto, exemplares e justas...

E, em sexto lugar, a corrupção. Ora, se Eanes até reconhece que a alteração cultural numa sociedade é muito difícil, e se o português, de um modo muito geral, não condena o que hoje se considera como esquema, jogada ou palmada, estar a brandir a corrupção e outros mecanismos correlatos como algo de terrível a que se impõe pôr um fim – é o momento da gargalhada –, é porque o que se pretende é arranjar um álibi para combater a Esquerda e a própria Constituição da República. No fundo, pôr um fim, tanto quanto possível, na Revolução de 25 de Abril. Até porque este acontecimento é já só História.

Mesmo por fim, a tal palestra de Joana Marques Vidal, por acaso bastante pobre e, sobretudo, muito militantemente política. Se percebi bem, Joana Marques Vidal terá dito que não acredita que a maioria dos portugueses seja corrupta. Eu também não creio, mas só porque não pode sê-lo, porque se pudesse, sê-lo-ia. Só os procuradores se preocupam com essas coisas, porque nos cafés e nas convivências correntes o que conta é a bola. De resto, essa é uma das razões da calma com que é olhado o nosso País. Estranhamente, ninguém do nosso poder político parece preocupar-se, depois de quanto já se viu no Mundo, com os paraísos fiscais. A corrupção, isso sim, é que é o grande tema. Sobretudo, quando atinge gente da Esquerda... E já agora: em que prisões estão os nossos homens da banca? E que é feito da nossa pedofilia com sacerdotes? Ou será que custa assim tanto perceber o que se passa, de facto, em Portugal?

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