Do portugal na moda, a Constâncio na berlinda

|Hélio Bernardo Lopes|
Há muitas décadas, ainda bem antes da Revolução de 25 de Abril, tive a oportunidade de aprender com Sebastião e Silva que até na Matemática existiam modas. Existiam e, como é evidente, continuam a existir. E quem diz na Matemática, diz nos mais diversos campos do saber. 

De resto, o académico deu-me até certo exemplo, passado com um colega seu, também muito meu amigo, por todos reconhecido como muito ilustre e com atividade marcante na Matemática em Portugal.

Ora, como se sabe e vai ouvindo a cada dia que passa, Portugal está na moda. Uma realidade que tem que ver com uma diversidade razoável de fatores: um clima com um amplo número médio de dias do ano com amenidade forte; um modo simpático de ser; um custo de vida ainda muito baixo em face do nível de vida dos povos que nos procuram; uma gastronomia muito saborosa e variada; um património muitíssimo rico; uma estrutura paisagística extremamente bela; uma oferta turística de primeira linha; uma sociedade muito pacífica; e o Benfica, como eu costumo dizer, autêntico embaixador de Portugal, de parceria com Ronaldo e com a escola internacionalmente reconhecida de treinadores de futebol.

Claro está que as modas passam, substituídas por outras. E o mesmo se passa com a política, por via da sequência de casos, que de pronto se tornam cativos da grande comunicação social, hoje sem leitores nem mesmo espectadores. Talvez com a notável e mui típica exceção dos programas sobre bola, boa parte deles sobressaindo por via da balbúrdia presente.

Ora, a mais recente moda da nossa política é o caso com que se pretende envolver Vítor Constâncio. Sucedem-se os dias, e assim se sucedem, por igual, as mais diversas notícias ao redor do diz que disse sobre o tema, mormente nas suas presenças recentes na Assembleia da República. Ou nos comunicados com que se tenta explicar o que a muitos não interessa, porque o que se pretende, em face dos recentes resultados eleitorais e dos previsíveis é criar ruído, de molde a poder, porventura, conseguir-se algum impacto eleitoral. Por tudo isto, Constâncio passou a estar na berlinda.

Sem espanto, vim hoje a escutar a certo conhecido meu esta saída sobre Constâncio: está bem, foi Vice-Presidente do Banco Central Europeu, mas a verdade é que nunca falava, mais parecendo um sacristão ao lado do padre. Num ápice, sempre ao correr da conversa de café, este meu conhecido teimou em que José Silveira Godinho não era o Ministro da Administração Interna ao tempo do caso dos “Secos e Molhados”. Sabendo-me educado, lá consegui dizer-lhe estas palavras: por aqui se vê que a liberdade da democracia não garante que alguém com nível superior, que até discute política, saiba que era Silveira Godinho que lá estava na Administração Interna ao tempo dos “Secos e Molhados”. E fui até mais longe, salientando-lhe que Silveira Godinho e sua mulher, tal como Arlindo Carvalho e esposa, haviam estado no Coliseu de Lisboa, em certa noite, acompanhando uma récita operática em que também eu me encontrava, na companhia de certa amiga comum com o segundo casal.

Num destes dias recentes, ao redor da temática da corrupção, lá pude escutar de certa jornalista, em pleno noticiário, a referência a diversos casos de corrupção, já tratados pelos Tribunais, onde também colocou o caso Isaltino Morais! Isto depois de Isaltino Morais ter já referido, por uma imensidão de vezes, que nunca foi acusado, e menos condenado, por corrupção!!

Perante realidades como esta, não me custa entender o pequeno calvário que está agora a ser percorrido por Vítor Constâncio. Nem me custa perceber a facilidade com que os nossos jornalistas atribuem ao achismo de Filipe Pinhal o valor de uma autêntica certidão comprovativa do valor de verdade de uma impressão forte. Em contrapartida, estes nossos jornalistas nunca mais voltaram a olhar, por exemplo, para casos como o do Angoshe, ou o dos dinheiros militares do Ultramar, ou o dos diversos massacres de africanos por tropas portuguesas antes da Revolução de Abril, etc.. Talvez com a ressalva para Miguel Sousa Tavares, ao redor do Massacre de Batpá.

Por fim, uma nota para o leitor. Vítor Constâncio, ao responder, na Assembleia da República ou nas televisões, fá-lo de um modo que é o seu: sempre aberto, como se quem o questiona o faça apenas norteado pela descoberta da verdade e sempre assético em termos partidários. Naturalmente, os jornalistas, mas por igual os comentadores, não ligam ao facto de certas perguntas, dos deputados ou dos próprios jornalistas, estarem impregnadas de falta de um mínimo de lógica, o que torna as suas respostas sempre sujeitas a más interpretações. Basta recordar este tipo de pergunta, muito frequente naqueles ambientes: está em condições de garantir que se vier a fazer parte de um Governo, fará isto ou aquilo? Infeliz e invariavelmente, os entrevistados não dão a resposta mais adequada: oiça, caríssimo jornalista, a sua pergunta traduz uma ideia mal colocada.

Por tudo isto, deixo ao leitor mais uma das minhas sugestões: procure visionar a série IMPRENSA, que vai para o ar na RTP 2, pelas dez da noite, com as exceções do sábado e do domingo. Ficará muito esclarecido. E ficará também a perceber como a liberdade pode bem, afinal, ser até muito pouco.

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