Perceções

|Hélio Bernardo Lopes|
O comportamento de cada um de nós no desenrolar da vida suporta-se, em enorme medida, nas perceções que são tomadas sobre quanto nos rodeia. Esta é, de resto, para lá de outros fatores igualmente importantes, uma das razões para a variabilidade opinativa sobre mil e uma coisas e situações por parte de cada um de nós. Isto mesmo pôde ver-se por cá na sequência da recente eleição para os nossos futuros deputados no Parlamento Europeu.

Em primeiro lugar, a abstenção. Custa entender esta preocupação com a abstenção, dado que a mesma é um naturalíssimo direito de cada pessoa. De resto, é assim com todo o tipo de instituições que possuem elementos diretivos eleitos pelos associados. Naturalmente, os abstencionistas têm de aceitar o resultado sobrevindo nos atos eleitorais.

Como se tem podido ver entre nós, começa a surgir um certo pânico com o crescimento da abstenção. Invariavelmente, não se procuram as causas deste desinteresse, até porque as mesmas não deveriam poder vir a ser alteradas, dado que o funcionamento das democracias é um mero instrumento de aparente legitimação do exercício do poder.

Um dos caminhos aflorados de vez em quando é o de tornar o voto obrigatório. Infelizmente, se esta ideia viesse a ser aplicada, tal mostraria, no mínimo, duas coisas. Por um lado, o modelo da União Europeia falhou, já com um amplo desinteresse sobre si, havendo a necessidade de impor às pessoas que votassem. Por outro lado, gerar-se-ia uma natural revolta contra tal medida, podendo, com elevada probabilidade, vir a gerar-se uma anulação intencional de votos verdadeiramente estrondosa. Seria uma emenda com efeitos muito piores que o mal cujas causas se foge a tentar explicar e evitar.

Por outro lado, o caso do atual Reino Unido veio deitar por terá o apregoado valor da treta dos círculos uninominais: afinal, a borrasca é total ao redor de uma manifestação legítima em favor do BREXIT. E já se vai falando sobre a possibilidade de voltar a novo referendo, ninguém imaginando a triste figura que resultaria de uma nova vitória do BREXIT. E o que se faria, então, num tal cenário?... Devem os políticos portugueses usar o Sistema Político que temos, mas usando-o com vista a obter condições de governação que vão ao encontro das preocupações reiteradamente expressas pelo Papa Francisco, de quem tantas vezes se tem ouvido dizer que esta economia mata. Nunca se lhe ouviu uma qualquer referência à (suposta) má qualidade deste ou daquele sistema político.

Em síntese: a principal causa do crescimento da abstenção neste tipo de eleições, destinadas a escolher os eurodeputados, tem que ver, muito acima de tudo, de se ter percecionado que a União Europeia se tem vindo a transformar em mais uma estrutura de aplicação do neoliberalismo, negligenciando, em crescendo, o Estado Social e as preocupações com as pessoas. Os políticos europeus, infelizmente, veem a vida pública com cifrolhos.

Em segundo lugar, as recentes palavras do nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, a cuja luz os recentes resultados destas eleições mostraram que vasta maioria é a favor da integração europeia. Brincando um pouco, mormente pensando no caso português, bem se poderia aqui gritar como em certo programa já passado: errou!!

O erro aqui apontado resulta de colocar o problema como devendo ser olhado na base de apoiar ou reprovar a integração europeia. Seria até fácil fazer uma prova real do que acabo de escrever, para o que bastaria um acerto entre os diversos partidos políticos portugueses no sentido de colocarem nos seus programas políticos eleitorais de outubro a saída da União Europeia. Não se notariam resultados inesperados nas diversas votações partidárias. Uma realidade que resultaria do facto de quase ninguém hoje ligar à realidade da União Europeia, só se percebendo os seus riscos quando os cidadãos se veem em perda no domínio do Estado Social, por via do crescimento da prática neoliberal na Europa. Quem votou nestas nossas recentes eleições só o fez por mera inércia: os portugueses não são contra a presença na União Europeia, mas não se sentem como nacionais dessa estrutura, só como nacionais de Portugal. A verdade é que não são contra, mas também não se pode dizer que são a favor. É, de um modo intencional, um problema mal formulado.

E, em terceiro lugar, as mais recentes palavras de Luís Marques Mendes: a Direita sofreu uma derrota histórica nas europeias, qualificando de um pouco chocante o resultado do seu partido, que parte para as legislativas em circunstâncias muito mais difíceis. Aqui está uma evidência de que Manuela Ferreira Leite não se conseguiu dar conta...

Interessante é darmo-nos conta de como a grande comunicação social, mormente a televisiva, começou já a sua tentativa de reduzir o que agora se passou à dita limitada vitória do PS, de pronto tentando potenciar supostos resultados possíveis para Direita nas eleições de outubro. E se esta voltar a perder, mesmo por mais, propagandeiam-se já alternativas para o PS, distintas da Geringonça, desta vez com o PAN. Isto sim, é que causa o desinteresse pela democracia.

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