Os partidos e a Democracia

|Hélio Bernardo Lopes|
Como deverá dar-se com todos os que gostam de ler e de saber, é muito frequente comprarem-se livros, naturalmente destinados a serem lidos, mas que só acabam por vir a sê-lo muito tempo depois. Por vezes, mesmo anos. 

Uma realidade que se passa comigo, embora deva dizer que, mesmo quando não são logo começados a ler, recebem sempre um primeiro sobrevoo, tanto no respeitante a visões de maior pormenor sobre a obra, como também ao redor do perfil e do currículo do autor.

Esta situação está agora a ter lugar com a obra OS PREDADORES, do jornalista Vítor Matos, editada em 2015 pelo Clube do Autor, por mim adquirida ao tempo da sua publicação, mas só agora iniciada, em função do que a grande comunicação social, hoje claramente alinhada com a Direita, criou ao redor da escolhas e das nomeações para cargos políticos, para gabinetes de detentores de soberania ou para lugares na Administração Pública.

Como seria de esperar, a mais recente onda ao redor desta realidade acabou por mostrar que a mesma faz parte de um comboio de ondas, um pouco à semelhança do que se passa na Hidráulica Marítima, abarcando todos os oceanos partidários. De resto, o autor também salienta que a realidade espelhada na sua obra está presente por toda a parte do Mundo, com as naturais e expectáveis diferenças. A uma primeira vista, portanto, um fenómeno que, por ser tão geral, interna e mundialmente, quase não mereceria uma obra.

No presente momento, encontro-me a meio da leitura deste livro de Vítor Matos, mas o que li já permite que a obra se nos mostra através de duas vertentes. Por um lado, os casos concretos, que são do tipo mais diverso. Por outro lado, a relação entre a democracia interna aos partidos políticos e a real representatividade dos eleitos perante os eleitores e o País. Além do mais, o texto encontra-se dividido em três partes, intituladas Os de Baixo, Os do Meio e Os de Cima. Uma divisão muito correta e que traduz muito bem a estrutura interna dos partidos.

Acontece que esta estrutura é muito geral, bem para lá dos partidos políticos. Assim, por exemplo, os Tribunais encontram-se estruturados em três níveis: primeira instância, relação e supremo. O mesmo se dá, por igual, com as Forças Armadas: oficiais subalternos, oficiais superiores, oficiais generais. E assim também na Universidade: mestres, doutores e agregados. Se olharmos o tema na perspetiva do grau académico. Ao contrário do que parece sugerir o autor, não penso que o êxito do País fique comprometido pela prática partidária interna dos partidos, tal como se conhece. E por uma diversidade de razões.

Em primeiro lugar, os portugueses nunca se mostraram muito interessados na democracia. Nem creio que, logo após o surgimento dos partidos políticos em Portugal, tenha havido uma grande corrida às filiações partidárias. Uma realidade que se suporta nesta para mim evidência: os portugueses, de um modo bastante geral, evitam complicações, preferindo uma vida simples, sem grandes riscos, mas que lhes permita viver com algum desafogo.

Em segundo lugar, uma coisa é o desejo de viver a política prática, outra a realidade que aos que o fazem se impõe quando têm de exercer o poder. Ao chegarem ao poder, tais políticos deparam-se com a realidade que deriva da lentidão das mudanças e dos respetivos efeitos. Para já não falar dos mil e um condicionamentos que derivam da incidência de forças fáticas internas e internacionais.

Em terceiro lugar, ninguém pode duvidar que técnicos altamente qualificados só mui raramente se interessam pelo exercício de funções políticas. Simplesmente, isto é completamente conhecido por cada um de nós. Ninguém irá acreditar que Manuel Antunes, ou Manuel Sobrinho Simões, pudessem estar interessados em ser Ministro da Saúde, ou que Edgar Cardoso, durante a III República, pudesse aceitar ser Ministro das Obras Públicas, ou Canotilho Ministro da Justiça. Como muito bem nos conta o general Amadeu Garcia dos Santos, a passagem de Manuel Rocha pelo poder saldou-se numa quase hecatombe. Ou seja e em resumo: os grandes técnicos precisam-se para serem isso mesmo, grandes técnicos, sendo que nada garante que, por essa razão, pudessem ser bons políticos. Invariavelmente, não o seriam.

E, em quarto lugar, esta realidade, que se passa em todo o Mundo: o funcionamento interno dos partidos políticos é sempre um combate de sonhos e de egos, mas tal não se projeta no exercício de funções políticas de governação. No caso português, como o autor muito bem refere, o que hoje se passa passa-se há muitas décadas, numa realidade que vem já, no mínimo, do século XIX. Portugal e os portugueses, esses, são o que são, mantendo uma posição relativa muitíssimo inercial no plano da Comunidade Internacional.

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