O poder do tempo

|Hélio Bernardo Lopes|
Conhece-se perfeitamente que o tempo, por via da sua passagem, acaba por permitir o conhecimento de acontecimentos desconhecidos da grande maioria das pessoas. É esta realidade evidente e conhecida que determina a classificação dos documentos, muitos deles só dados a conhecer, por via da sua desclassificação de secretismo. É inútil estar aqui a dar exemplos, porque os leitores deste texto, naturalmente pessoas interessadas no saber, na cultura e na reflexão, conhecem muitos desses exemplos.

Esta realidade conhecida está por igual ligada aos mitos, muitas vezes ao redor de pessoas e de supostos atos de heroicidade. Por vezes, também de vidas particulares, ou de doenças, ou de crimes perpetrados em nome da defesa do interesse das instituições. Em todo o caso, as mil e uma situações de escândalos surgidos no seio da Igreja Católica Romana mostram o que desde sempre foi conhecido no seio da instituição, até pelas próprias vítimas, mas que por igual foi sempre sendo escondido do conhecimento público. Só por via de circunstâncias especiais tais crimes acabaram por vir ser publicamente conhecidos, e que vão continuar, uma vez que resultam de dados estruturais fortemente inamovíveis.

Hoje mesmo nos chegou a notícia de que o PS terá solicitado a proteção de Francisco Franco nos idos de 1975, em face do que os seus dirigentes estariam a estimar para o desenrolar do então PREC, e em circunstâncias a considerar como adequadas pelos dirigentes do tempo deste nosso partido. E a notícia refere que que Franco de pronto aceitou a proposta apresentada. Tenho para mim que nada é mais natural. Tão natural como manter hoje as melhores relações com terríveis ditaduras do nosso tempo, ou aceitar a Cimeira dos Açores, quando Hans Blix e a sua equipa haviam já garantido ser quase de 100 % a probabilidade de não existirem no Iraque armas de destruição em massa, ou fechar os olhos à cabal destruição da Teoria dos Dois Estados para o Médio Oriente, etc., etc..

Acontece que eu sou testemunha de que muita gente da classe política do PS chegou mesmo a acreditar que poderia surgir em Portugal, por via do desenrolar do PREC, um estado socialista, liderado pelo PCP, ou, porventura, um regime constitucional de tipo argelino, liderado por Melo Antunes e pelos militares. Sempre achei esta crença como algo de inacreditável, porque a mesma se suportava em cinco realidades fora de toda a lógica.

Em primeiro lugar, a aceitação da ideia de que a União Soviética estaria disposta a apoiar uma tomada do poder, em Portugal, pelo PCP e pelas vanguardas que o apoiavam. Em segundo lugar, a ideia de que os dirigentes do PCP iriam ao ponto de deixar de pensar, deitando-se a tomar o poder em Portugal, com as mais que evidentes consequências num futuro de curto prazo.

Em terceiro lugar, a recusa em ter em conta a reação dos portugueses perante uma tal atitude, assim como se aceitassem, e com toda a naturalidade, um Estado Socialista suportado nos comunistas.

Em quarto lugar, o conseguir-se acreditar que os Estados Unidos alguma vez tolerariam uma tal situação no extremo ocidental da Europa e da OTAN. E, em quinto lugar, a completa ausência da consideração do papel da Igreja Católica junto da globalidade do tecido social português.

Diz João Soares que o que agora veio a público seria impossível, até porque Franco era inominável. Bom, Hitler era-o muitíssimo mais, mas a verdade é que o Pacto Germano-Soviético acabou por ter lugar, sendo que nos Estados Unidos, até no Reino Unido, houve quem perseverasse no sentido de criar nos dois países regimes de tipo nacional-socialista. Prescot Bush, avô paterno de George W. Bush, foi um deles. E também se impõe recordar o profundo colaboracionismo francês com Hitler, com o eu regime e com a sua invasão e tomada da França. Para já não falar nos mitos da Resistência, cujos poucos verdadeiros, sempre da Esquerda e comunistas, foram de pronto atirados às urtigas após o conflito. E porque não recordar o fortíssimo apoio dos Estados Unidos e da Igreja Católica a mil e um nazis em fuga aos tribunais de crimes de guerra e de outros ainda piores?

Não duvido, minimamente que seja, desta recente notícia, suportada nas revelações de um antigo diplomata espanhol com funções em Lisboa, porque a história ora exposta, para lá de se mostrar absolutamente natural e plena de réplicas em situações similares e por todo o Mundo, traduz bem o modo ainda muito limitado como os políticos que surgiram na sequência da Revolução de 25 de Abril olhavam a política, fortemente dominados pelos preconceitos debitados pela grande propaganda comandada pelos Estados Unidos. Há que recordar, por exemplo, o caso da Itália no pós-guerra, logo que ali chegou uma certa embaixadora dos...Estados Unidos. E já agora: não são também inomináveis os mil e um crimes praticados por sacerdotes católicos por todo o Mundo e ao longo de muitas décadas, ou pelo dito Banco do Vaticano? E os católicos importam-se com isso? Claro não, porque não fazem como se viu com os falsos adeptos do socialismo real, mal conseguiram deitar mão do argumento do Pacto Germano-Soviético... O tempo é uma chatice.

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