Lusas baralhadas

|Hélio Bernardo Lopes|
Indubitavelmente, o Planeta parece não andar bem no seu funcionamento global. Até o Norte magnético parece estar a mostrar inesperadas variações. E é isto mesmo que está a dar-se com o nosso País, trespassado, dia após dia, por baralhadas que se sucedem sucessivamente sem cessar, ilimitadamente ampliadas, talvez mesmo criadas, pela nossa grande comunicação social televisiva. Por isto mesmo, determinei-me a abordar aqui algumas das lusas baralhadas que nos têm vindo a chegar, precisamente, pelos nossos canais televisivos.

IURD 
 De um modo absolutamente imparável, sucedem-se os episódios documentais ao redor da IURD. A noite desta terça-feira forneceu-nos mais um destes episódios, sob a orientação de Alexandra Borges, na TVI e na TVI 24. A verdade, já por todos percecionada, é que nada acontece de verdadeiramente significativo, questionando-se alguns, com alguma teatralidade, sob o que poderá acolitar-se por detrás deste silêncio e desta inação da comunidade e das suas instituições.

Tudo isto poderia mostrar-se com alguma lógica, mas desde que Alexandra Borges e a TVI se determinassem a proceder de igual modo com a Igreja Católica Romana, mormente ao redor do que nos conta Frédéric Martel na sua obra, NO ARMÁRIO DO VATICANO, incluindo, claro está, o caso da pedofilia de mil e um padres, bispos e cardeais da instituição. Naturalmente, nada surge deste tema, mormente depois do recente encontro promovido pelo Papa Francisco em Roma. Neste caso, o que nos chega é...o silêncio.

O que estes programas sobre a IURD mostram é que a grande comunicação social televisiva acaba por operar um trabalho extremamente enviesado sobre estas temáticas, porque a extensão e a gravidade dos casos expostos por Martel é incomensuravelmente maior que os da IURD. De molde que deixo ao leitor esta pergunta: porquê esta barulheira sobre a IURD, acompanhada do silêncio sepulcral de algo imensamente mais vasto e grave?

JAMAICA 
 Perante eleições à vista, mormente para deputados ao Parlamento Europeu, o que os nossos jornalistas encontraram como de maior importância na visita de Estado do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a Angola foi um badalado pedido de desculpas de Portugal a Angola por via do que se passou no bairro Jamaica. Nem sequer se deram ao trabalho de tentar perceber o possível papel provocador da pergunta, como ontem muito assertivamente referiu Miguel Sousa Tavares.

Com esta idiotia da nossa grande comunicação social, a extrema-direita de pronto tentou fazer um brilharete, sabendo que não irá conseguir levar ao Garcia, ao menos, um rebuçadinho de mentol, quanto mais uma carta, mesmo que de conteúdo nulo. Mas este tratamento noticioso mostra-nos também um outro dado, há muito conhecido: as televisões lutam, quase sem limites, através do sensacionalismo e do diz que disse, por audiências, porventura com a ideia de que os portugueses ainda hoje conseguem acreditar no que quer que seja.

RUI PINTO 
 Pois caro leitor, aí nos surgiram hoje as fantásticas declarações de Rui Pinto, ao redor da audiência operada num qualquer tribunal da Hungria. Tudo explicado com uma voz de certeza sobre quanto foi referindo, aqui coincidindo, na sua parte esmagadora, com o que se diz, ao dia-a-dia, nas convivências correntes.

Também foi com grande gosto que escutei os comentários da eurodeputada Ana Gomes e do causídico Luís Filipe Carvalho. Precisamente o contrário do que senti em face das palavras de André Ventura e de Rui Pereira.

Não duvidando, mesmo minimamente, de que o leitor se encontra perfeitamente consciente do que está aqui em jogo, incluindo as declarações de hoje do nosso jovem concidadão Rui Pinto, volto a mostrar-me revoltado com os nossos canais televisivos privados, que não se dão aqui ao trabalho de operarem um amplíssimo programa de investigação sobre o tema que vem girando ao redor de Rui Pinto e do que ele hoje nos contou.

Claro está que operar um programa de investigação sobre o mundo do futebol, ou sobre o da Igreja Católica em Portugal, é complexo e envolve riscos diversos. Veja-se, por exemplo, o que se deu com Assange, com Snowdon ou com aquele jovem que pôs a nu certos esquemas de certa estrutura bancária helvética. Entre mil e um outros. Até o antigo bispo Óscar Romero acabou por ser assassinado, por cá se chegando a duvidar, ao nível de certos políticos de prestígio, sobre se teria sido a Direita ou radicais de Esquerda!!!

Daqui convido, pois, a SIC ou a TVI a realizarem amplos programas de investigação ao redor deste caso, porque se o não fizerem, como jornalistas, em que situação acabarão por se colocar? Porque fazer programas sobre a IURD, bom, é fácil, mas sobre a bola ou sobre a Igreja é incomensuravelmente mais complexo... No fundo, procurando uma comparação, é assim como escrever um relatório de fim de curso, ou prestar provas de doutoramento. Infelizmente, Portugal é feito por todos e cada um de nós...

TANCOS 
 É verdade, Tancos. Afinal, em que fica? General, tenente-general, major-general, oficial superior, oficial subalterno, sargento ou antigos condenados? Em que se fica: não podendo ser nada, como se irá distribuir o quase nada?

MESSES 
De facto, também tivemos o caso das messes da Força Aérea, mas continuamos sem conhecer o resultado final do problema, valendo aqui, de novo, a anterior questão: major-general, oficial superior, oficial subalterno, sargento, soldado ou empresário?

Mais um caso que me traz ao pensamento o histórico caso dos dinheiros militares do Ultramar, sobre que nunca se chegou a conhecer o que quer que fosse. Ou o que se passou, de facto, com o histórico navio Angoshe. Simplesmente hilariante!

COMANDOS
Também o caso que envolveu os comandos que faleceram em certo curso parece ver o tempo a passar. A verdade é que as coisas não chegam ao seu final, parecendo ser algo simples de compreender, mesmo que, porventura, possa existir algum espírito de segredo corporativo ao nível dos militares em jogo neste caso. Vamos continuar assim, à espera de ver no que irão dar estas coisas que tanta tragédia envolveram.

NETO DE MOURA 
Começo por dizer que repudio a violência de qualquer tipo, mormente a doméstica ou a praticada sobre crianças. Mas também que, se fosse juiz, desembargador ou de um outro nível, nunca iria utilizar temas de natureza bíblica nos meus acórdãos, como fez o desembargador Neto de Moura. Imagine agora o leitor que o referido acórdão não era dado a conhecer através das televisões. É minha convicção que a violência doméstica não sofreria nenhum acréscimo por via de tal situação. Quase com toda a certeza, a generalidade da restante Judicatura nem tomaria conhecimento do acórdão. Este só passou a ser notícia porque as televisões, certamente informadas por quem conheceu o mesmo, de tal as informou.

Acontece que o tempo que passa mostra uma sociedade altamente polarizada, onde o rumo que se vinha mostrando como modernizador está a deixar imensa gente preocupada com a falta de ligações entre os membros de cada comunidade, mormente nacional, ao mesmo tempo que se perceciona um futuro quase sem direitos sociais. Esta razão objetiva e sentida de queixa está a ajudar a algum regresso ao passado. Basta recordar o tal concurso sobre O MAIOR PORTUGUÊS DE SEMPRE, de resto fortemente correlacionado com os resultados eleitorais ao tempo da Assembleia Constituinte e da Assembleia da República. Foi precisa a chegada de Aníbal Cavaco Silva ao poder para nos surgir (por uma década!) uma maioria absoluta. E – espanto dos espantos! – foi José Sócrates quem conseguiu a única maioria absoluta do PS desde a Constituinte.

De um modo erradamente estimado, foi-se construindo uma sociedade suportada num conjunto de valores que não são uma escolha direta dos portugueses. Assim, por exemplo, nunca duvidei de que uma grande maioria dos portugueses sempre apoiaria a não condenação das mulheres por operarem um aborto, naturalmente numa estrutura hospitalar. Viu-se que me assistia razão com o referendo realizado. Em contrapartida, também sempre percebi que os defensores do casamento homossexual nunca aceitariam, neste caso, um referendo, porque aqui a população portuguesa – penso que a realidade se mantém sensivelmente a mesma – sempre olharia o referido instituto como aberrante. Para tal, deitaram mão do argumento que entenderam por conveniente.

Com estes exemplos pretendo mostrar esta realidade simples: boa parte dos problemas com que a com comunidade se debate são criados pela grande comunicação social. E, com frequência, de tão badaladas, certas realidades perdem até acutilância e importância social, acabando, em muitas situações, por se verem ampliadas.

É interessante – uma expressão talvez pouco feliz – notar que a democracia parece estar em perda de reconhecimento por toda a parte. Até na União Europeia. Uma realidade que o leitor pode facilmente medir, usando o modo como a vê e como a mesma é vista e vivida nas convivências de que faz parte. Não fora tal, e não se teria dado Madeleine Albright ao trabalho de escrever o seu livro com a perceção de que o fascismo poderá estar de volta. Eu mesmo escrevi, no jornal MUNDO LUSÍADA, há bem mais de uma década, um texto que intitulei, O NAZISMO PODERÁ ESTAR DE VOLTA. Uma realidade em que acertei e cuja explicação fui encontrar, muito recentemente, já nas páginas finais do livro, O EXECUTOR, de Helmut Ortner.

O que se vem passando ao redor do desembargador Neto de Moura faz-me lembrar um texto de opinião recente, de certa jovem, no OBSERVADOR, cujo título será deste tipo: A IGREJA FALHOU, FALHA E FALHARÁ. E é a realidade. Ou seja: a violência doméstica sempre houve, há e haverá, como qualquer outro ilícito penal. Nunca se falou tanto dela, mas a verdade é que está a crescer. Ao menos desde o início do presente ano e comparando o caso com os anos anteriores. E o mesmo se dará com o conteúdo dos acórdãos nos tribunais: são discutíveis e discutidos. Mas a única maneira de garantir a independência dos juízes é que estes possam decidir livremente, de acordo com a legislação em vigor, e com base na livre apreciação da prova feita em tribunal. E, até morrer, Neto de Moura continuará entre nós, sendo certo que os seus acórdãos nada têm que ver com o fenómeno que se vem dando desde o início do ano em matéria de violência doméstica. Querem minimizá-la? Bom, atuem na escola e logo desde o jardim de infância.

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN