Servidão para cá do Marão

|Daniel Conde|
É prática negativa o generalizar, meter todos os políticos e políticas num mesmo saco de execrabilidade e estultícia. Mas como trasmontano não posso ficar indiferente a duas polémicas que estão a varrer a minha Região: a “descentralização” aos bochechos lançada às autarquias, e o PNI2030 a virar costas ao nosso território.

Uma coisa é atribuir competências, outra é um descarregar de tarefas. Temos uma série de diplomas sobre várias matérias, desde património público a estacionamento, das quais as autarquias podem ou não aceitar serem responsáveis pela gestão de equipamentos, taxas, coimas, verbas comunitárias, com transferências incógnitas do Orçamento de Estado. Só no distrito de Bragança, metade dos 12 concelhos negaram todos os diplomas, 3 aceitaram todos, e outros 3 apenas alguns. Coesão territorial: zero.

Isto não é descentralizar. Portugal é composto por 308 concelhos, e se cada um apontar agulhas em direcções diametralmente opostas, sem haver um fio condutor intermédio entre o que é uma estratégia municipal – cuja necessidade não estou a pôr em causa – e o que é a estratégia nacional, iremos ter regiões cujos vizinhos continuarão de costas voltadas sobre questões que não dizem respeito apenas ao concelho A ou B, mas a um território homogéneo e até aos seus confinantes. Esse plano em falta é obviamente o da Regionalização.

Por outro lado, temos investimentos na ordem dos milhares de milhões a ficarem de novo lá longe, numa capital voraz. Vivi 14 anos em Lisboa, e fui utente do Metro durante a esmagadora maioria desse tempo; e não encontro explicação plausível para a qual alargar uma linha para a Estrela ou para Santos seja mais prioritário que construir a eternamente adiada nova estrada que acabe com o suplício que é viajar da minha querida Vinhais para Bragança. Conhecem a ponte de Castrelos? Visitem-na, nem que pelo Google Maps.

Se o PNI2030 só abarca projectos ou programas de investimento superior a 75 Milhões de euros, creio que será função das CIM do território procurarem precisamente isso: projectos estruturantes, comuns à Região – ênfase em REGIÃO – que totalizem ou ultrapassem esse valor.

Um caso paradigmático é o da Linha do Douro. A mera electrificação até ao Pocinho significa muito pouco, se não for acompanhada com a normalização de velocidades – demorar 3h20 do Porto ao Pocinho (170 km) não é aceitável – e com a reabertura à Espanha. Este desiderato, que acrescentaria uma porta de entrada estratégica e internacional ao Douro, aproximaria o porto de Leixões à Europa, e ligaria quatro sítios Património da Humanidade, tornou-se um absurdo tabu, relegado para uma linha paralela à da Beira Alta que continua em cima da mesa, e que já foi chumbada duas vezes pelo Tribunal de Contas Europeu.

Não vejo coesão, não vejo solidariedade, não vejo visão; não vejo território. Viver em Trás-osMontes não é um chavão do Portugal profundo, uma estatística, ou uma condenação só mitigada com a fuga para Lisboa ou para o estrangeiro. São mais de 30 concelhos, em quatro CIM. Eu gostaria de olhar para o mapa e para as notícias da minha terra e começar a ler o enquadramento que falta, e que desde a Constituição de 1976 já deveria ter: Região Autónoma de Trás-os-Montes e Alto Douro.

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