|Hélio Bernardo Lopes| |
E então agora, já com o golpe de Estado de Trump contra Maduro em curso de desenvolvimento, até com aviões já presentes em solo colombiano, à luz de uma denominada ajuda de emergência, que se percebe ser uma fantástica peta, tal é hoje a dimensão dos desafortunados da vida capitalista, desde há tanto a tal sujeitos pelo seu ditatorial amo do Norte.
Pois, aí nos surgiu agora o eurodeputado Francisco Assis com esta sua fantasticamente inesperada boa nova: há uma crescente germanização da União Europeia, com riscos muito fortes, pelo que se impõe um maior diálogo com a Rússia, numa conjuntura em que os Estados Unidos se afastaram da Europa.
Acontece que tais palavras contêm uma parte verdadeira e outra que o não é. Sendo verdade que os Estados Unidos se afastaram da Europa, tal deve-se apenas às bravatas de Donald Trump, embora seja essencial dizer que são os Estados Unidos que, em última análise, mandam nos políticos europeus, ou as coisas teriam mudado desde há muito. Nunca duvidei de que uma invasão da Europa pela antiga União Soviética era mera boutade. Aliás, expliquei isto mesmo a muitos conhecidos ou amigos em condições de me fazer acreditar. A verdade é que lá acabou por nos chegar a própria prova real. De resto, há uma parte dessa prova real ainda hoje não tratada nos textos que abordam a parte final da vida soviética, mormente depois da chegada de João Paulo II à Santa Sé. Nem mesmo Frédéric Martel, nos termos do que li, aborda essa peça chave da mágica da vida política mundial no texto que irá ser publicado em Abril.
Outra coisa são os potenciais riscos da germanização da Europa, que é algo há muito percebido e de que estão a chegar-nos novos – velhinhos...– dados a um ritmo quase diário. Simplesmente, esses riscos têm uma fonte do respetivo potencial, mas necessitam também de cabos de transmissão ao nível dos restantes Estados da União Europeia. E basta ver o candidato que é agora apoiado pelo Partido Popular Europeu, a que pertencem o PSD e o CDS, para se perceber que esses cabos de transmissão também existem sempre, surgindo quando necessário e possível.
Claro está que a Alemanha é tão mais forte do que os outros países europeus, pelo que corremos o risco de uma germanização da Europa. O problema é que esta realidade é de sempre. E custa perceber que tantos dos nossos políticos não tenham percebido o que logo entendeu François Miterrand... Eu mesmo, nas vésperas do pedido de Portugal para aderir à Europa, tive a oportunidade de, publicamente, expor os perigos de uma tal iniciativa, mas de pronto recebendo a contradita de gente deveras importante na vida académica e política. Bom, o resultado está bem à vista.
Ora, Francisco Assis salientou há pouco que temos de alterar a relação com as nossas fronteiras, porque é errada a relação que temos com a Rússia, que não é europeia, mas também não é alheia ao destino deste continente, sendo um parceiro com quem nós temos de melhorar as relações, até porque se trata de um país que historicamente foi sempre essencial no equilíbrio europeu. Bom, tudo isto é uma realidade, sempre o foi, mas será que Francisco Assis acredita que os Estados Unidos autorizariam o que derivaria de se pôr em marcha uma tal estratégia europeia?
Se, como disse Francisco Assis, a União Europeia não pode ter a Rússia como sua adversária, porque é vizinha e partilha de muitos dos seus valores, porque fizeram os políticos europeus o ridículo papel no caso Skripal, sem mortos e duvidoso, ao mesmo tempo que agora se mantêm completamente quedos perante o inimaginável homicídio de Jamal Kashoggi? E que é feito da posição dos políticos europeus em face do homicídio de Marielle Franco, ou do golpe de Estado a desenvolver-se na Venezuela?
Estas palavras do nosso eurodeputado têm a máxima razão de ser, mas é essencial ter sempre em conta se os Estados Unidos consentem numa tal mudança política. Uma mudança correta e inteligente, mas que se choca com o papel de tutor político dos Estados Unidos no domínio do designado Eixo Atlântico.