Dois amigos inesquecíveis

|Hélio Bernardo Lopes|
Foi com uma dor profunda que tomei conhecimento da morte de dois amigos de há muito. Refiro-me aos casos de João Corte-Real, já com uma semana e pouco, e de José Alberto Loureiro dos Santos, pelo final da semana que passou. E escrevo dois amigos por via de razões distintas, mas que acabam por ter muitíssimo em comum.

Tinha um amigo em João Corte-Real por ter sido meu assistente na disciplina de Termodinâmica, então regida por um outro amigo, por acaso oriundo do Concelho de Almeida, que era o académico José Pinto Peixoto. Mas tinha também José Alberto Loureiro dos Santos como um amigo, por há muito ter tomado conhecimento da sua intervenção pública, no seguimento da Revolução de 25 de Abril e do pleno estabelecimento da III República, cujo funcionamento ajudou a colocar em regime estacionário, mesmo que com um outro ressalto.

João Corte-Real tinha duas caraterísticas muito marcantes. Por um lado, era uma personalidade muito estudiosa, sabedora e inteligente. Por outro lado, era, nesse tempo, um jovem bom, sempre feliz, correspondendo desse modo às solicitações dos estudantes, então muito marcadas pelo combate ao regime da Constituição de 1933.

Quem conviveu com o Professor Doutor João Corte-Real nunca deverá ter deixado de o recordar, porque a sua simpatia e a sua humildade intelectual, muito bem temperadas por uma formação católica profunda mas culta, criavam uma grande empatia com os que frequentavam as suas aulas práticas. Era, até, interessante perceber que as mesmas serviam de um excelente complemento ao que se escutava nas magistrais lições de José Pinto Peixoto, bem como em face do que se continha na sebenta adotada. Muito do que se estudou só ficou cabalmente dominado na sequência do levantamento das dúvidas suscitadas nos estudantes que estavam presentes nas aulas teóricas. Era, pois, um amigo direto dos que, nessa situação, com ele puderam conviver. No meu caso, um bom bocado mais do que isso, porque, embora por momentos esparsos, voltámos a encontrar-nos ao longo de muitos anos.

Em contrapartida, só falei por uma vez com o General José Alberto Loureiro dos Santos, em pleno Centro Comercial Colombo, tendo amavelmente entrado comigo na Livraria Bertrand, a fim de confirmar a obra que me propunha comprar, sobre Estratégia, do Major-General Raul François Martins. Como se percebe, tratou-se de uma conversa naturalmente curta – não mais de dez minutos –, uma vez que não nos conhecíamos de lado algum, sendo ele quem era e eu um ilustre desconhecido que ali o abordara sem mais.

Interessante foi o facto de, logo ali, ter operado um conjunto de considerações sobre a obra que ia comprar, ao mesmo tempo que me aconselhou outras, já publicadas em Portugal, bem como outros autores muito consagrados. Era, como sempre considerei, um amigo, dado tratar-se de uma personalidade pública, que com frequência recebíamos em nossa casa, sempre mostrando uma sabedoria de grande impacto, extremamente simpático e de grande elegância pessoal. Duvido de que um qualquer português interessado na vida pública deixasse de o ouvir sempre que lhe entrava em casa através dos nossos canais de televisão.

Não me determinei a falar aqui do currículo de cada um destes meus dois amigos, cada um por sua razão, porque os leitores facilmente conseguirão saber de cada um o que muito bem entenderem. Mas tinha o dever de mostrar a minha dor perante a sua saída da nossa companhia, embora a sua obra perdure por aí, a níveis diversos, mais diretos ou mais indiretos, sendo certo que ambos deixaram atrás de si uma escola com resultados, humanos e científicos. E não esquecerei estes dois amigos de há muito.

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