|Hélio Bernardo Lopes| |
Neste sentido, o lugar cimeiro da nossa hierarquia como sociedade organizada é o Presidente da República. Em todo o caso, esta hierarquização não impede a qualquer um a manifestação da livre expressão do pensamento. Malgrado tal existem sempre a elegância, o respeito e o sentido de Estado, sobretudo, quando quem se exprime desempenhou já funções públicas muito elevadas.
Vêm estas palavras a propósito das inapropriadas considerações de Aníbal Cavaco Silva em momentos diversos, como se deu em certa Universidade de Verão do PSD, e, mais recentemente, ao redor da sua inenarrável estranheza pela não recondução de Joana Marques Vidal como Procuradora-Geral da República.
Acontece, como também é da praxe e da elegância dos estadistas, que um Presidente da República não deve pronunciar-se sobre o que possa ser dito por comentadores, exceto se... exceto se o comentador tiver desempenhado o cargo de Presidente da República. Nesta situação o Presidente da República em exercício de funções, em face de uma tal deselegância, passa a ter o dever (natural) de responder, dado que tal comentário é sempre visto pela comunidade como uma picadela política sempre incontornável, mesmo como uma afronta desse tipo e que, inevitavelmente, sempre terá de conduzir a um mecanismo do tipo ação-reação.
É verdade que faltas de cortesia deste tipo tiveram já lugar, por exemplo, com Mário Soares em face de Aníbal Cavaco Silva, só que neste caso aquele traduzia o sentimento muito geral da nossa coletividade e dos seus cidadãos. Por isto mesmo, Cavaco nunca respondeu a estas invetivas do nosso maior político da III República.
Diferentes foram os casos das palavras de Aníbal Cavaco Silva em face de Marcelo Rebelo de Sousa. Sobretudo, neste mais recente caso, dado que o mesmo se desenrolou do modo mais natural e legal. A prova vimo-la no silêncio aquiescente de todos em face de ter o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa exposto, bem a tempo e horas, que o tema seria tratado no momento próprio entre o Primeiro-Ministro e ele mesmo.
Acontece que a nossa Direita nunca imaginou que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tivesse ideias jurídicas precisas e estáveis – Pedro Passos Coelho até referiu que o seu partido também não iria apoiar um cata-vento político –, assim fugindo ao modo muito português de fazer política. E foi por ter o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa mostrado esta faceta que a Direita quase endoideceu. E depois o sorteio que fez surgir o juiz Ivo Rosa!... E que fazer agora? Talvez continuar a gritar, mesmo que isso só sirva para pôr crescentemente em causa aquilo que a Direita teve de aceitar pela força: a democracia.
Mesmo assim, quero acreditar – de facto, tenho sérias dúvidas...– em que Cavaco deixe de andar por aí, mesmo que raramente, a pôr em causa o estilo pessoal do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, generalizadamente aceite e apoiado pelos portugueses – até estrangeiros! –, ou decisões suas absolutamente lógicas e constitucionais. Será que António Ramalho Eanes, Mário Soares ou Jorge Sampaio andaram por aí a alardear dúvidas estranhas e profundas sobre as nomeações de Fernando Pinto Monteiro e Joana Marques Vidal? E será que os portugueses teriam um ínfimo de dúvida, nas primeiras mil escolhas, em votar Marcelo e não Cavaco? A um político impõe-se manter o sentido de Estado.