Marco Histórico...

|Hélio Bernardo Lopes|
Pelo final da passada semana tive a oportunidade de ler uma extensa entrevista de Pedro Tinoco Faria ao i. Uma entrevista sem grande interesse, fortemente ideológica, claramente transportada pelos ventos da Extrema-Direita destes dias, mas com razoáveis imprecisões e enormíssimas omissões. Malgrado tal, entendo haver toda a vantagem em comentá-la aqui, neste meu texto.

A entrevista surge como ponta de lança do movimento que pretende um adequado regresso ao Estado Novo, deitando mão do caso da saída do anterior comandante dos Comandos, coronel Pipa Amorim. E, numa perspetiva mais recente, ao redor de certo almoço que teve lugar neste passado sábado. Um almoço sobre que Pedro Tino Faria nos referiu vir a contar com a presença de 500 militares, mas que a grande comunicação social desse dia logo referiu serem 400. Já pelas cinco da tarde, em certo café, ouvi, algo desagradado, um dos que terão estado presentes, salientando que só haviam surgido 256. Fica, desde já, pois, esta pergunta: 500, 400 ou 256? Mas vamos, então, ao que justificou este texto.

01 – A dado passo da entrevista, é contado que é extinto o Regimento de Comandos, em 1992/3, contra a nossa vontade, salientando-se ter sido um crime de lesa-Pátria, mas sem que o entrevistado pareça saber quem foi o responsável por esta decisão, que considera ter sido um crime de lesa-Pátria.

02 – Num ápice, Pedro conta-nos que o Mário Soares foi à cerimónia, mas os militares não destroçaram. Refere-se, portanto, àquele gajo que foi Presidente da República e sobre quem Diogo Freitas do Amaral, tal como o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, tiveram já a oportunidade de nos expor ter sido o maior político da III República.

03 – O que Pedro Tinoco Faria não diz – só pode ser por brincadeira conveniente, ou o entrevistado teria de ser um ignorante da História da III República Portuguesa – é que foi num Governo de Aníbal Cavaco Silva que o tal crime de lesa-Pátria foi praticado, embora, ao tempo, nem Jaime Neves, Lobato de Faria ou Vítor Ribeiro tenham feito mais que mostrar-se aborrecidos. Ou seja: foi num Governo da Direita e com maioria absoluta.

04 – Um pouco à frente diz-nos que a Academia Militar devia chamar-se Escola de Guerra. Sobre este tema, embora com grande facilidade, mas algum trabalho e tempo, deixo ao leitor o encargo de procurar as designações das escolas militares da generalidade dos Estados, mormente no referente à OTAN e à União Europeia. Mas também da Rússia, China, Índia, etc..

05 – Questionado sobre o serviço militar obrigatório, diz ser contra o mesmo. Mas logo refere que até poderia ser favorável, mas desde que os chefes militares fossem escolhidos por militares. Bom, também aqui deixo ao leitor a incumbência de procurar em que Estados os chefes militares são escolhidos pelos militares. Um dado é certo: foi também um Governo de Aníbal Cavaco Silva – da Direita, portanto – que pôs fim a qualquer papel de intervenção de militares na escolha dos chefes militares. Simplesmente, Pedro Tinoco Faria também aqui não deve recordar-se deste facto. Provavelmente, não deverá ser um crime de lesa-Pátria.

06 – Mais um saltinho, e logo Pedro nos garante que as Forças Armadas, hoje, estão politizadas e polarizadas. Certamente que aceitará que esta situação se vem dando desde a manhã de 25 de abril de 1974. E como os vencedores desta mudança político-constitucional diziam o mesmo dos antigos militares – os da II República –, temos, afinal, que as Forças Armadas serão, ao que parece, uma guarda pretoriana da classe política e do funcionamento constitucional em cada momento.

07 – Diz também que não é contra o CEME, mas que este está a ter uma ação má e muito fraca, não defendendo os militares, supostamente postos a ridículo na praça pública. Refere, até, a resposta do CEME, creio que na Assembleia da República: não sei o que estou aqui a fazer. E não tinha razão? Não estava o caso nas mãos do Ministério Público? Não protestou agora Rui Rio contra a lentidão desta estrutura? Não parece ter o Presidente pressentido – é o momento da graça – que uma resposta daquela estrutura estará para breve? Alguém diz o que quer que seja? E não é verdade que Rui Rio nos contou que sabe mais do que disse há dias? E alguém o questionou sobre como soube mais? Se sabe, como é que soube? Que é feito, aqui, do Ministério Público?

08 – Volta a dizer que as nossas Forças Armadas são hoje comandadas por maçons. Haverão dezenas, mesmo centenas, de maçons. Mas Vieira Matias, Saldanha Lopes, Melo Gomes, Eanes, Soares Carneiro, Garcia Leandro, Rocha Vieira, etc.., são ou eram maçons? Afinal, ao nível de chefes militares, quem são ou eram os maçons? E da Opus Dei, conhece alguns? Enfim, uma pândega!

09 – Num outro ápice, lá nos vem com a balela do cansaço dos portugueses com o atual panorama político. A uma primeira vista, não terá ainda percebido que a grande maioria dos portugueses nunca se interessou pela política nem pela democracia. Uma realidade já vinda da I República. Foi por ser esta a realidade que a II República decorreu do modo linear que se pôde ver.

Como teria de dar-se, fala da corrupção, do compadrio, dos boys, dos Sócrates, etc.. Em contrapartida, não fala das messes da Força Aérea, nem dos dinheiros militares do Ultramar, nem do atentado de Camarate, mormente tendo em conta o que contou na Assembleia da República o major-general, Oswald Le Winter, nem dos massacres de Wiriamu, Mueda, Batepá ou do caso Angoshe, entre tantos outros casos. E sempre sem resultados dignos de um registo ínfimo. Se nesse tempo existissem procuradoras,... Nem se lembrou de referir o telegrama da Embaixada dos Estados Unidos, a cuja luz Portugal possuía um Exército de generais sentados.

10 – E porque um mal nunca vem só, de pronto põe também em causa a procuradora, ilustre e corajosa, que tratou o caso dos soldados dos Comandos que faleceram durante um curso. Diz-nos, até, que os que morrem são os melhores, pelo que se morressem todos teríamos um curso situado no supremo deste domínio.

11 – Acontece que, há já muitos anos, tive a oportunidade de escutar de Jaime Neves, em certa cerimónia dos Comandos, a linha de rumo de que o comando não pensa, obedece. Na altura, fiquei estarrecido, porque por rápido percebi aonde este pensamento poderia levar. Agora, Pedro Tinoco Faria diz-nos que o comando é feito para olhar o inimigo nos olhos e matá-lo. E quem é o inimigo? Ah, quem assim lhe for indicado pelo seu chefe. Portanto, se o chefe disser a um comando que mate a mãe, não pensando este mas obedecendo, o soldado mata a mãe. Pode parecer uma brincadeira, mas não é. Porque a regra foi bem indicada: o comando não pensa, obedece.

12 – Neste sentido, Pedro até aceitou dar um curso de comandos sem meios, mesmo sem estes lhe terem sido dados. E porquê? Porque a ordem veio de cima e nós damos o curso. Como não é possível que os meios necessários não sejam conhecidos dos monitores dos cursos, o que isto mostra é que o comando não pensa, obedece.

13 – Neste contexto, confrontado com o facto de que ninguém ligou à desidratação, Pedro responde que não acredita nisso. E se Pedro não acredita, é porque a verdade da pergunta é uma falsidade. Só é verdade se Pedro acreditar.

14 – Sempre atacando a classe política – até se mostra descontente com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, apesar de ter acreditado nele por via dos abraços e das selfies!!! –, lá nos refere que certo Ministro da Defesa Nacional era maricas, que um outro era uma outra coisa qualquer e que o atual é uma besta e um incompetente. Infelizmente, nos dois primeiros casos não refere quem eram esses ministros. Nem nos diz se o tal crime de lesa-Pátria também teve a assinatura de Fernando Nogueira. E muito menos trata a potencial dissidência entre a Polícia Judiciária e a Polícia Judiciária Militar.

15 – Por fim, refere o 25 de Novembro, que levou Pipa Amorim a fazer uma qualquer referência a Vítor Ribeiro, de quem diz ser um herói. Acontece que eu conheci, uma só vez, Vítor Ribeiro: um almoço na Associação de Comandos, em que esteve presente o seu presidente – Vítor Ribeiro –, um concidadão idoso, que publicara um livro sobre Genealogia, uma figura pública muitíssimo conhecida, académico, e um amigo meu que foi quem ali me levou.

Nesse almoço só falámos eu e o meu amigo, juntamente com o tal académico. Do idoso e de Vítor Ribeiro nem uma palavra, apenas olhares e mui ligeiros sorrisos. Só já depois de terminar o almoço, após saírem o meu amigo e o académico, os outros dois se acercaram de mim, numa sala mesmo frontal à porta de entrada, tendo Vítor Ribeiro enaltecido o meu texto surgido na revista a Associação de Comandos, mas referindo que, de futuro, seria preferível usar uma linguagem mais suave, porque a associação tinha algum apoio do Estado. Era o tempo do Bloco Central. Bom, fiquei deveras admirado, não reagi e aproveitei para também eu me despedir e agradecer o almoço.

Nessa noite, ou na imediata, estive em casa do amigo que ali me levara, contando-lhe as palavras de Vítor Ribeiro e a minha admiração. Espanto dos espantos, eis que o meu amigo me explicou: ó Hélio, sabe que isto do carcanhol é que conta... Já pelas duas da manhã, regressando a casa sempre a pé, como tanto gostava, algo furioso com o que vira e ouvira, tomei a decisão de nunca mais escrever um qualquer texto para a revista em causa. Foi até hoje.

Ora, no meio de tudo isto, desde o antes, o durante e o depois do almoço em causa, nunca ninguém me disse que Vítor Ribeiro era um herói. Foi nesta entrevista de Pedro Tinoco Faria que ouvi tal qualificação pela primeira vez.

Esta entrevista, e quanto se está a desenrolar no seio da sociedade portuguesa, mostra que está a surgir a cabeça de um movimento restauracionista do histórico Estado Novo, mas naturalmente adaptado às circunstâncias hoje presentes no mundo e em Portugal. E, malgrado o imenso de populista que se contém na entrevista, a verdade é que se impõe olhar para as raízes da Revolução de 25 de Abril, porque os piores saudosistas, invariavelmente nada democráticos, nunca deixaram de sonhar com o fim do suporte essencial da III República: a Constituição de 1976, com as mais diversas revisões a que já foi sujeita.

A destruição da III República, com o regresso ao tal Estado Novo (aparentemente) revigorado, terá sempre suportar-se na mudança cabal da Constituição de 1976, do Sistema Político e do Sistema Eleitoral. E terá, como sempre aconteceu, o pleno apoio, mais ou menos explícito, da Igreja. Se a Esquerda for por tais caminhos, terminará aí o seu papel histórico-político. A verdade é que o direito à asneira é amplamente livre...

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