Imprecisões perigosas

|Hélio Bernardo Lopes|
Os portugueses já se deram conta de que o PS de António Costa se encontra numa franca e crescente deriva em face das posições esperançosas inicialmente assumidas, pouco após as anteriores eleições para a Assembleia da República. Hoje, em face da eleição de Rui Rio, percebe-se que António Costa deverá ter-se juntado com os partidos de Esquerda para evitar que acontecesse ao PS o que já se havia dado com a generalidade dos partidos da Internacional Socialista.

A verdade é que a solução governativa posta em vigor funcionou de um modo excelente, vencendo todos os que nunca a haviam desejado. Dentro e fora do PS. Mormente Pedro Passos Coelho, o único político português que conseguiu, objetivamente, limitar a ação política do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Para a História da III República ficará a célebre condição imposta pelo antigo líder do PSD de que este nunca apoiaria, entre outros, um catavento político...

Dois casos mostram ser esta a realidade ora em curso: o dos professores e o do Serviço Nacional de Saúde. Em ambos os casos a recusa do PS em resolver o que está em jogo liga-se, objetivamente, aos desejos longínquos da Direita – PSD e CDS. Sendo respostas por razões distintas, elas entroncam-se numa visão estratégica de (quase) sempre. Vejamos aqui o caso do Serviço Nacional de Saúde, mormente à luz de declarações recentes de Maria de Belém.

Referiu a antiga Presidente do PS que esta estrutura não deve olhar para os setores privado e social como inimigos. Trata-se, porém, de uma afirmação com uma densidade enorme no domínio da imprecisão política. E a razão é simples: o Serviço Nacional de Saúde não olha os tais dois setores como inimigos, porque quem o poderia fazer seriam os portugueses, na sua grande maioria. Se Maria de Belém tivesse referido a recíproca, bom, teria acertado em cheio: os setores privado e social da Saúde olham o Serviço Nacional de Saúde como inimigos, uma vez que a sua motivação é apenas o lucro. Percebe-se, de um modo simples, que quanto mais minguar o Serviço Nacional de Saúde maiores serão, dentro de certos limites, as possibilidades de êxito económico dos setores privado e social.

Maria de Belém, a dado passo, referiu também que a forma de financiar as instituições do serviço público de saúde deve passar a ser feita por resultados e por qualidade e não, como até agora, apenas por atos e serviços prestados e praticados. Simplesmente, esta militante da ala direita do PS não esclareceu o modo de medir os conceitos de resultados e de qualidade. Vejamos um pouco mais do que referiu Maria de Belém a este propósito.

Procurando esmiuçar um pouco mais estas suas ideias, Maria de Belém salientou que a contratualização do financiamento não pode ser feita apenas em termos de produção, mas em termos de qualidade da produção, ou seja, um financiamento por resultados e em função do valor que se acrescenta às pessoas. Perante estas palavras, coloco ao leitor esta pergunta: percebe o significado destas palavras? E sabe o que lhe digo? Não acredito que perceba.

Diz agora Maria de Belém que a revisão da Lei de Bases tem de apostar no que está definido na Constituição, que é a tendencial gratuitidade, não um tendencial pagamento. O problema é que a realidade histórica contraria o que Maria de Belém agora garante: o Serviço Nacional de Saúde até já foi universal e gratuito, tendo passado a tendencialmente gratuito com o apoio forte e indiscutível do PS, e logo pela voz de António Almeida Santos. E, como se sabe da experiência da vida, quem procede assim uma vez, procede mais vezes...

Por fim, Maria de Belém até garante que será ainda sugerido que deve ser diminuído o esforço financeiro que cada cidadão faz para gozar de boa saúde. Em princípio, tal só poderá dar-se se baixarem razoavelmente as taxas (ditas) moderadoras. O problema é que ninguém acredita que tal venha a ter lugar.

Para já, faltam soluções inovadoras para o essencialíssimo setor da Saúde. A uma primeira vista, nada deverá ter surgido de novo, o que penso poder ter a seguinte explicação: o que a generalidade dos técnicos ligados ao setor já hoje desejam é ver um fim no Serviço Nacional de Saúde. Quem depois dispusesse de dinheiro para pagar os respetivos serviços fá-lo-ia no setor privado, e quem não satisfizesse tal condição talvez acabasse por ir parar ao setor social... Foi por isso que agora surgiu a ideia da eutanásia, do mesmo modo que o Estado Social foi um instrumento tático na luta dos Estados do Ocidente contra o comunismo soviético: acabado este, começou a desagregação do primeiro.

A prazo médio, a materialização jurídica da nova Lei de Bases da Saúde irá cair na situação para que o PS de António Costa já agora pretende atirar a justíssima luta dos professores: alterar as condições estruturais da respetiva carreira... Prometeu-se – garantiu-se mesmo – quando conveio, mas tudo mudou quando se operaram as convenientes alterações na liderança do parceiro ideológico de sempre. É a nora da política, que tanto desprestígio tem carreado para a política e para os políticos.

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