Marcelo em Abril

|Hélio Bernardo Lopes|
O recente discurso do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa na Assembleia da República, no âmbito das comemorações dos 44 anos da Revolução de Abril, mostrou-se, como sempre imaginei, quase de conteúdo nulo. No fundo, um conjunto de ideias naturalmente válidas e vagas, mas sempre sem conseguirem tocar as reais causas que se situam por detrás do ambiente que hoje se vive no mundo e, naturalmente, sempre terá de afetar-nos.

De um modo defensivo, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tentou colocar-se fora das responsabilidades inerentes à resolução material dos casos que hoje podem atingir a nossa comunidade humana. Só assim se pode interpretar o seu aviso para que os portugueses não devem esperar qualquer homem providencial. Simplesmente, o seu modo populista de se ligar com os portugueses é que o colocou sob tal aparência, quando esta é só isso mesmo: uma aparência.

Também não se desconhece que um sistema democrático pressupõe um equilíbrio de poderes feito de pesos e contrapesos, embora também se perceba, e desde sempre, que um tal sistema raramente funciona na nossa comunidade político-constitucional. Tudo se resume, quase sempre, à observância de formalismos.

Ao contrário do que sempre entendi a partir do meu conhecimento da nossa vida em comunidade, reformar o sistema político nunca se constituiu num mecanismo que permita levar os portugueses a retomar a sua crença no valor da vida política e da sua prática. A razão central desse afastamento dos portugueses, para lá de uma natural componente, deve-se, muito acima de tudo, ao facto de serem os portugueses capazes de compreender que a democracia só pode ser útil se permitir níveis essenciais de qualidade de vida das pessoas, domínio hoje em franca queda, ao menos potencial.

A omnipresença da corrupção no seio da sociedade portuguesa é muito naturalmente aceite. É mesmo falada, ao dia-a-dia, nas convivências correntes, mas sempre sem que tal determine uma reprovação da prática eleitoral democrática. Dado que esta nunca foi muito do interesse dos portugueses, só as suas garantias sociais podem conduzir a uma maior valoração do Sistema Político, seja o atual ou qualquer outro.

Também é hoje evidente que se vive num mundo perigoso, mas a nossa defesa eficaz e real não deriva de nos encontrarmos na Europa, mesmo acarinhando as nossas tropas. Felizmente, a nossa posição geográfica continua a ser o nosso principal fator de defesa, talvez com uma possível exceção em determinadas situações: os nossos vizinhos espanhóis...

Por fim, a homenagem aos Capitães de Abril, com as suas 44 vezes obrigado. É justo e certamente um ato sincero, que vai, por igual, ao encontro da defesa da sempre essencial liberdade. Mas não é – não foi nunca – uma posição realmente muito sentida pela comunidade portuguesa, mormente por via da descolonização e das suas consequências, mas também pelo facto de nos ter sido imposta uma entrada na Europa, sempre sem consentimento, e com consequências muito longe de se mostrarem agradáveis e transportadoras de segurança.

A isto junta-se a inútil afirmação de que mais decisivos que os políticos devem ser os cidadãos, uma vez que estes, de facto, reconhecem não dispor de poder para decidir o que de mais essencial lhes diz respeito. Foi sempre assim, pelo que uma queda na segurança das pessoas teria sempre de determinar um desinteresse crescente pela vida democrática, seja o sistema político o que for. Em resumo: um discurso sem real interesse.

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