“Estudar o mecanismo de reparação do DNA terá impacto no futuro tratamento do cancro”

Entrevista a Eliana Tavares , doutoranda em oncologia no Instituto Gustave Roussy, em Paris, e na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. «A esmagadora maioria dos meus colegas trabalham continuamente com “bolsas”, que não são contratos de trabalho, e não têm direito a carreira contributiva, segurança social, progressão na carreira, ou algo tão básico como subsídio de desemprego. Tais condições são muito duras para a estabilidade profissional, financeira e emocional de um investigador.»

Eliana Tavares
Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Fiz a licenciatura em Bioquímica na Universidade do Porto, seguida de um mestrado internacional em Física, com especialidade em Biofísica, onde passei por França, Polónia e Itália. Actualmente estou no último ano do doutoramento em Oncologia, no Instituto de Oncologia Gustave Roussy, nos arredores de Paris, em colaboração com a Universidade da Califórnia, em Davis. Durante o meu doutoramento, estudei um mecanismo de reparação do DNA. Tenho um trabalho multidisciplinar e, acima de tudo, com um forte carácter internacional.

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Passo a explicar esse mecanismo que reparação do DNA: o DNA está continuamente a sofrer agressões que o danificam. Agressões essas que podem ser externas, como o tabaco, as drogas, a radiação e os maus hábitos, assim como agressões internas devido a erros ocorridos durante o metabolismo do próprio DNA. Assim sendo, as nossas células estão continuamente a reparar o seu material genético para que estes danos não se acumulem e causem doenças graves, com predisposição cancerígena. Há células que não conseguem reparar o seu material genético devido a uma mutação (ou modificação) de uma ou várias proteínas.

Este é o caso dos pacientes com cancro hereditário da mama ou ovários, mas também muito outros cancros e outras doenças mais raras com predisposição cancerígena. O objectivo do meu trabalho é compreender um mecanismo de reparação do DNA denominado “Recombinação Homóloga” pelo qual o DNA de um cromossoma danificado invade o seu cromossoma idêntico para assim o utilizar como um modelo de reparação do seu próprio material genético. Enquanto que na Califórnia fiz uma caracterização mais bioquímica deste mecanismo (no tubo de ensaio, digamos), em Paris utilizei microscópios com uma resolução nanométrica que me possibilitam visualizar directamente o DNA e as proteínas.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

Eu sempre gostei muito de Ciências Exactas, como a física, matemática, química e biologia. Para mim, seria difícil escolher apenas uma delas, daí ter escolhido um percurso multidisciplinar. O que faço tem um pouco de tudo, começando pela bioquímica. A bioquímica é como fazer magia dentro de um tubo de ensaio: adicionamos o DNA, as proteínas e mais alguns componentes num pequeno tubo, e temos a transformação para novas estruturas e formas de vida de um novo DNA, de uma nova coreografia entre o DNA e as proteínas, e por vezes de novas células.

Sinto que estou sempre a criar algo que anteriormente não existia ou que só ocorre no recôndito das nossas células, e eu consigo reproduzi-lo in vitro, no tubo de ensaio. Este é o meu grande fascínio. Depois, passando para a biofísica, utilizo os microscópios de alta resolução (microscopia electrónica e de força atómica) para visualizar essas novas estruturas criadas in vitro. As imagens geradas pelo microscópio são lindíssimas, são quase uma arte. Sou capaz de ver o DNA e proteínas com detalhes de poucos nanómetros e, por isso, sou capaz de fazer uma caracterização dessas estruturas. Em suma, consigo reproduzir e observar o que se passa dentro das células para assim caracterizar a reparação do DNA.

Para além disso, o que mais me motiva no meu trabalho e a ser cada vez mais resiliente é acreditar que, ao entender melhor este mecanismo de reparação do DNA, este estudo terá impacto no futuro tratamento do cancro, quer na quimioterapia como na radioterapia.

Por que motivos decidiu fazer períodos de investigação no estrangeiro e o que encontrou de inesperado nessa realidade académica?

Saí de Portugal para fazer um mestrado internacional com uma bolsa da Comissão Europeia e, logo a seguir, ganhei a bolsa de doutoramento pelo Ministério francês. Inicialmente, saí de Portugal porque queria conhecer a investigação na área da biofísica fora de Portugal, já que este é um trabalho com uma faceta internacional muito forte, e como gostei tanto decidi ficar para fazer o doutoramento. Para além disso, queria também viajar e enriquecer-me culturalmente. O facto de ter viajado tornou-me mais aberta, atenta e tolerante a outras realidades e permitiu-me desenvolver a capacidade de falar três línguas fluentemente. Em França e na Califórnia, encontrei condições de trabalho individual e de equipa fantásticos. Na Califórnia tive a oportunidade de reunir e conhecer investigadores importantes na minha área e que já ganharam o prémio Nobel. Foi das experiências mais enriquecedoras.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

Na ciência, há nichos de investigação e, aleatoriamente e historicamente, este tipo de estudos que faço não é comum em Portugal. Pode ser que um dia os leve até lá. A única experiência que tive em Portugal foi durante a licenciatura, na Universidade do Porto, que se revelou excelente em temos de qualidade de investigação. Embora o panorama científico português seja de excelência, as condições de trabalho científico não acompanharam esta realidade. Durante esta experiência, pude testemunhar a triste realidade das condições de trabalho em Portugal.

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A esmagadora maioria dos meus colegas trabalham continuamente com “bolsas”, que não são contratos de trabalho, e não têm direito a carreira contributiva, segurança social, progressão na carreira, ou algo tão básico como subsídio de desemprego. Tais condições são muito duras para a estabilidade profissional, financeira e emocional de um investigador. Infelizmente tenho outros colegas que saíram de Portugal porque era uma “inevitabilidade”. Isso entristece-me! Hoje em dia penso em voltar, mas as condições de trabalho ainda não são satisfatórias. Sei que há um esforço para o melhoramento destas condições, mas este processo tem que ser mais eficaz e rápido. Enquanto estamos presos em burocracias e jogos de poder, a ciência avança e não espera por Portugal. Podíamos ser líderes mundiais em mais áreas, se déssemos aos nossos investigadores a estabilidade que merecem e que são essenciais ao seu desenvolvimento.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

Pessoalmente, sou uma grande apologista de redes e plataformas de intercâmbios entre Portugueses nas mais diversas áreas, já que temos pessoas altamente qualificadas em todo mundo. Por isso, neste momento também estou na direção da AGRAFr – Associação de Graduados Portugueses em França (sou Vice-Presidente). Existem outras associações noutros países com o mesmo propósito e, por exemplo, quando temos eventos comuns, como o fórum anual de graduados portugueses no estrangeiro, usamos o GPS para divulgar o evento e assim atingirmos o maior número de investigadores e graduados portugueses pelo mundo. Esta rede é muito rica e estes contactos devem ser estimulados.

O GPS agrega informações vitais dos investigadores portugueses pelo mundo, o que estimula directamente a interacção e entreajuda entre investigadores e graduados, mas também outros interessados como empresários e jornalistas. Vejo o GPS como um mediador entre os cientistas e Portugal. Quando uma nova ligação é estabelecida ficamos todos a ganhar em termos de inovação, desenvolvimento tecnológico, cooperação, economia internacional e mobilidade, para além dos novos vínculos educacionais, culturais e linguísticos que podem vir a ser estabelecidos. Obrigada, GPS!

GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos 
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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