Mato

|Hélio Bernardo Lopes|
Duvido de que se não tenha já percebido que a criminalidade económica e financeira é hoje mato em Portugal. Uma realidade que se deve ao salutar aumento da liberdade, mas também à má legislação que impede prevenir a ocorrência daquele tipo de criminalidade.

Isso mesmo voltou agora a surgir por via da Transparência Internacional, que foi parte de uma investigação conjunta com o Organized Crime and Corruption Reporting Project. Uma investigação que veio revelar mais uma faceta que se situa a montante do tal mato que hoje se constata na grande criminalidade económica e financeira: Portugal é um dos países da União Europeia em que a atribuição de vistos gold regista falta de rigor. O expectável. E, de parceria com Portugal e entre outros, a naturalíssima Hungria: também não tem sido suficientemente rigorosa. Igualmente expectável.

Como os mais atentos facilmente depreenderão há muito, o relatório desta investigação também refere que no nosso País não há diligências suficientes para verificar a proveniência da riqueza dos aplicantes. De resto, o diretor estratégico da Transparência Internacional, que referiu que Portugal é um caso de estudo de como estes programas podem corromper um Governo, indicou o caso do ex-ministro da Administração Interna, Miguel Macedo, que está a ser julgado no âmbito do processo em que se investiga a atribuição de vistos gold a cidadãos estrangeiros. E concluiu: há 11 pessoas que exerciam cargos públicos que estão a ser julgadas. Claro está que uma coisa são indícios, porventura fortes, outra, factos dados por provados, com julgamento transitado em julgado. Temos que esperar.

Em complemento, Ana Gomes foi profundamente elogiada neste relatório, sendo apontada como uma campeã na luta contra os vistos gold. Sendo isto uma realidade, também o é que a luta corajosa de Ana Gomes contra a ampla corrupção derivada da prática neoliberal e da globalização tem sido muito amplamente um fracasso em termos de resultados. Basta recordar o caso dos voos de rendição dos Estados Unidos e o dos nossos submarinos.

Referiu também Carl Dolan, diretor da Transparência Internacional, o desenvolvimento de uma preocupação crescente relativamente ao que estes esquemas representam para a integridade do Espaço Schengen, dado que estas pessoas estão a comprar o acesso à cidadania comunitária e à União Europeia. Mas como ter sol na eira e chuva no nabal?!

Por fim, esta conclusão que nos acaba por causar sorrisos: os programas dos vistos gold são vulneráveis a abusos e minam a luta contra a corrupção na União Europeia e nos países vizinhos, devido, entre outras coisas, à ausência de um escrutínio rigoroso à origem da riqueza dos beneficiários dos vistos gold, e à opacidade quanto à identidade dos beneficiários. Mas não é essa opacidade essencial à obtenção de bom e vasto pilim? Como ter sol na eira e chuva no nabal?!!

Acontece que este caso dos vistos gold é meramente um caso, porque a realidade portuguesa, mormente à medida que se desenvolveu a III República, viu-se acompanhada da queda do comunismo e do triunfo neoliberal, portas essenciais ao amplíssimo desenvolvimento da grande criminalidade económica e financeira. E tudo isto fortemente suportado na singularidade geográfica de Portugal, de parceria com um modo muito próprio de estar na vida.

Ao contrário do que a nossa Direita vem fazendo crer, elevando a Procuradora-Geral da República a um quase altar, sempre tivemos personalidades de primeira grandeza abrangidas pelo Sistema de Justiça: o filho do então ministro de Mário Soares, Walter Rosa; António Vitorino, mais tarde e com saldo nulíssimo; Leonor Beleza e Fernando Costa Freira, em dado caso; e a primeira, no do sangue contaminado, também saldado em nada; Carlos Melancia, que foi absolvido, e os restantes do caso de Macau; o que envolveu o filho de Leonor Beleza; os que atingiram Valentim Loureiro; o de Isaltino Morais; ou Domingos Duarte Lima; o padre Frederico; o padre do Fundão; as FP 25; o Caso das Armas de Abril; o que atingiu o coronel Costa Martins, que saiu completamente ilibado; etc.. Enfim, nunca faltaram casos envolvendo personalidades públicas, umas condenadas, outras não. Com ou sem Joana Marques Vidal à frente da Procuradoria-Geral da República.

Simplesmente, nós assistimos hoje a uma corrida às investigações sobre mil e um, mas sem que se vislumbrem condenações adequadas. Que é feito dos casos BCP, BPN, BPP, GES/BES, Duarte Lima, etc., etc.? É verdade que se fazem investigações a-torto-e-a-direito, mas quase sem consequências mínimas. Aos poucos, o que parecia ser evidente vai permanecendo, acompanhado de notícias de teor incriminatório, acabando por chegar a um quase lugar nenhum. Simultaneamente, o mato da nossa grande criminalidade económica e financeira vai continuando, mesmo prosperando. Com quase oito séculos e meio de existência, as linhas mestras da nossa cultura e do nosso modo de estar na vida, naturalmente, mantêm-se. E porquê? Bom, porque o hábito não faz o monge, sendo as coisas como são. O resto, caro leitor, é conversa para distraídos ou desinteressados com amizades amplas. E por via de escondidos interesses estratégicos.

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