E a vítima é...preta!

|Hélio Bernardo Lopes|
Quando se conversa no âmbito das designadas convivências correntes, mormente se está presente quem conheça a História do Século XX (e do atual!), de pronto o grupo reconhece que a sociedade norte-americana é uma estrutura com um funcionamento típico do que se entende como loucura. 

Infelizmente, os poderes norte-americanos, centrados nos grandes interesses ali presentes e coordenados pelo complexo militar-industrial e postos em ação através da CIA, têm levado as consequências do funcionamento desta estrutura a todas as partes do mundo e desde há uma boa imensidão de décadas.

Com complexo militar-industrial ou sem ele, com CIA ou sem ela, a verdade é que os Estados Unidos, com elevadíssima probabilidade, não terão tido um ano da sua existência sem terem estado em guerra com alguém.

Esta realidade também se materializou, por exemplo, no domínio do racismo, que sempre esteve presente no seio da sociedade norte-americana – não só, obviamente –, com oscilações, mas que está agora de regresso com a chegada de Donald Trump e seus extremistas ao poder. E uma das marcas desta trágica realidade, naturalmente projetada por partes diversas do mundo, reside, precisamente, na anormalíssima percentagem de pretos no seio do complexo prisional norte-americano. De resto, os Estados Unidos situam-se, precisamente, no lugar cimeiro dos países em termos de percentagem de cidadãos seus nas prisões: um em cada cento e quarenta está preso.

Pois, aí está mais um caso de um norte-americano preso durante vinte e dois anos, mas que estava, afinal, inocente. Acusado de duplo homicídio, viu as acusações serem retiradas na passada quarta-feira, quando os procuradores que tinham o caso a seu cargo se determinaram a arquivá-lo, depois do mesmo ter sido posto em causa por novos dados. Simplesmente, a vítima Calvin Buari era...preto. Mais um preto...

As novas testemunhas surgidas vieram garantir que Calvin Buari não é o homem que matou dois concidadãos seus num parque de estacionamento, em 1992, em pleno Bronx. Tudo isto vinte e dois anos depois de ser colocado na prisão... Tem hoje quarenta e sete anos.

Claro que Calvin Buari não era um santo, como o não é, por igual, Donald Trump. Infelizmente, certamente como consequência da miséria da sua família e da sua, este jovem de há vinte e dois anos era um distribuidor de crack na área onde tiveram lugar os dois homicídios que lhe foram errada e injustamente atribuídos.

Depois de condenado, alegando sempre a sua inocência, as autoridades continuaram a argumentar que os residentes da sua área residencial tinham todas as razões para recear pela sua segurança enquanto ele estivesse livre. De resto, os promotores de justiça ainda tentaram impugnar a decisão do juiz que reconheceu a ausência de provas para a sua condenação, mas viram-se obrigados a desistir da ideia. Nos Estados Unidos, porém, para mais sendo preto, o melhor é que Calvin Buari se mude para longe do seu lugar histórico de residência...

O interessante, e muito revelador do terror reinante na sociedade norte-americana por via da condição de se ser preto, é o facto de só agora apareceram novos testemunhos. Dois deles afirmando ao tribunal – mas só no último ano...– terem visto outro homem a disparar, com um terceiro a revelar que Calvin Buari se encontrava a falar com ele quando começaram os disparos. Quão grande terá de ser o terror de se testemunhar, nos Estados Unidos, a favor de um preto, provavelmente sendo-se também preto! A tal dita democracia de referência...

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN