Tempo destes dias

|Hélio Bernardo Lopes|
Como usa dizer-se, mormente pelos concidadãos de maior relevo na nossa vida em sociedade, está presente em Portugal um Estado de Direito Democrático. Uma qualidade que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ampliou, no discurso da sua tomada de posse, para o conceito de Estado de Direito Democrático e Social, mas que só o é porque a Direita não voltou ainda ao poder, prendando-nos com uma réplica do que se viu com a anterior Maioria-Governo-Presidente.

A prova de que este conceito poderá andar longe da realidade está no autêntico crime continuado que se vem mantendo com a violação do segredo de justiça, com as nossas autoridades judiciárias a praticamente nada conseguirem no respetivo combate. E, como facilmente se percebe, uma tal realidade criminosa tem uma consequência e uma causa. Por um lado, vai destruindo a credibilidade pública de pessoas e instituições e da própria democracia. Por outro lado, aos legisladores tem faltado a coragem para reconhecer que esta violação do segredo de justiça, objetivamente, é um crime, devendo, por isso, ser alvo de punição quantos o divulgam. Embora num outro contexto, o que está a passar-se neste domínio traz-me sempre ao pensamento o que para nós escreveu Jean-François Revel.

No dia-a-dia da minha vida vou acompanhando, com grande atenção e pormenor, a nossa grande comunicação social, mormente as televisões. E uma das cuja programação nos que mostrou uma franquíssima melhoria global foi a RTP. E em todos os seus canais. Uma realidade cujo mérito terá de ser atribuído à atual administração, mormente ao nosso concidadão Nuno Artur Silva, dado ser o administrador responsável pelos conteúdos da estação. Acontece que Nuno Artur Silva é um concidadão de indiscutível idoneidade, como o é, por igual de grande competência e criatividade profissional. A prova temo-la nós tido ao longo do tempo em que tem feito parte da administração da RTP, precisamente na área dos conteúdos, onde a diferença para muito melhor se fez sentir em mui larga escala.

Simplesmente, nós estamos em Portugal, para mais num tempo em que vai tendo lugar, paulatinamente, a violação do segredo de justiça, ao mesmo tempo que as autoridades judiciárias nos continuam a salientar ser muito difícil o seu combate e que às autoridades legislativas vai faltando a coragem para fazerem valer esta realidade simples: colaborar com quem pratica o crime de violação do segredo de justiça, dando público conhecimento do que a lei impõe dever estar em segredo, é por igual um crime.

Esta situação, hoje presente em Portugal, vê-se acompanhada de uma luta titânica que deita mão de todas as armas. Desta vez, a arma utilizada, após uma campanha reles, como a qualificou bem o próprio Nuno Artur Silva, situou-se na empresa Produções Fictícias. Simplesmente, o Conselho Geral Independente da RTP, no âmbito das suas funções de supervisão e fiscalização, assegurou não ter verificado que tal situação tenha sido lesiva da empresa, no decurso do seu mandato. Ou seja, tudo acaba, afinal, por se tratar de um não caso, como agora nos vai surgindo de modo frequente.

Ora, diz o velho ditado que rei morto, rei posto. De molde que se com o caso Nuno Artur Silva é o que está a ver-se, com o nosso Ministro das Finanças e Presidente do EUROGRUPO foi o que se viu. Uma realidade, porém, que só ontem conheci na sua completude, porque eu desconhecia – sou imaginativo, mas não a esse ponto – que o Ministério Público desenvolvera toda a sua ação em torno de Mário Centeno a partir de uma notícia de jornal. Ação onde, como seria de esperar, voltou a surgir, num qualquer jornal, a notícia de que as autoridades judiciárias haviam operado buscas minuciosas no Ministério das Finanças. Afinal – quem poderia ter dúvidas?! –, nada existiu de mal. Ou antes, não existiu nada de mal com o Ministro das Finanças e presidente do EUROGRUPO, porque com a imagem de Portugal, fruto desta intervenção do Ministério Público, existiu mal e não foi pouco. Mas, vá lá, sempre temos (supostamente) – é o que se persevera em repetir...– o tal Estado de Direito Democrático e Social (este enquanto a Direita não voltar ao poder).

Esta é uma parte do tempo destes dias em Portugal, porque esse mesmo tempo também existe e por todo o mundo. Existe e em crescendo, desde que triunfou o neoliberalismo e a globalização se implantou. A prova desta realidade chega-nos da Polónia, onde o Senado aprovou a repugnante, perigosa e mentirosa legislação sobre a responsabilidade polaca no Holocausto. Significativamente, o Reino Unido e a França não seguem aqui uma atitude similar à que os levou a declarar guerra à Alemanha ao tempo da invasão da Polónia.

Assim, o Senado da Polónia aprovou há uns dois dias uma lei sobre o Holocausto, supostamente com a finalidade de defender a imagem da Polónia, naturalmente contestada por Israel, que acusa as autoridades polacas, aqui com razão, de pretender reescrever a História. Uma defesa a ser feita com a mentira, a deformação histórica e com a perseguição à manifestação livre do pensamento e do conhecimento histórico.

Com a legislação ora aprovada, aplicam-se três anos de prisão, ou uma multa, a quem utilizar a expressão campos da morte polacos para denominar os campos de extermínio instalados pelo regime nazi – teve um quase global apoio da população polaca e católica – durante a Segunda Guerra Mundial. Como muito bem referiu o Governo Israelita, esta lei constitui a negação da responsabilidade e do papel da Polónia no Holocausto judaico.

Convém, perante esta realidade, que cada um perceba o que está hoje a passar-se no mundo, para mais com o quase silêncio da União Europeia e dos seus Estados, sendo que apenas os Estados Unidos juntaram a sua voz aos protestos de Israel, pedindo ao Governo Polaco que reconsidere a sua posição, exprimindo profunda preocupação pelos efeitos do diploma.

Por fim, convém recordar a entrevista que o padre polaco, Krzysztof Charamsa, concedeu a Vítor Gonçalves, no programa que este coordena na RTP 3. Por ela se pôde bem compreender o verdadeiro espírito nazi e primariamente conservador, claramente antidemocrático, que hoje se vive na Polónia. Uma realidade ora reforçada através da recente legislação destinada a tentar mudar a leitura histórica sobre a responsabilidade da Polónia e dos seus dirigentes políticos nos crimes do holocausto nazi. Para já não referir a quase cabal ausência de liberdade religiosa na Polónia. A verdade é que a União Europeia, perante tudo isto, simplesmente cala e consente. Mas seria de esperar algo de diferente dos pigmeus da política mundial? Claro que não! E já agora: por onde anda o Vaticano?...

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