Encontrar-se-á solução no paraíso?

|Hélio Bernardo Lopes|
Cada um de nós, ao longo da vida, cruza-se sempre com personalidades marcadas por certo tipo de singularidades. Muitas vezes, estas singularidades acabam por tornar-se maçadoras e cansativas. 

Uma situação muito presente em quem se veja marcado, por exemplo, por um suposto grau de perfeccionismo que acabe por mexer com os que consigo convivem. É o que se dá, por exemplo, com as exigências doentias sobre limpeza, típicas de quem pensa nada estar em condições convenientes. Ou com os que pensam situar-se no cume da honestidade global em face das mil e uma coisas da vida.

Vem isto a propósito de declarações recentes de António Barreto, numa entrevista que concedeu ao semanário SOL. Diz Barreto, a dado passo, que perdeu o contacto com os políticos e estes o perderam a si.

Nunca duvidei desta realidade desde que passou por um Governo de Mário Soares, sendo que nunca de si ouvira falar até então. Simplesmente, o que então lhe vi e o que de si aprendi colocou-me de pé atrás em face da sua intervenção política. Sobretudo, pelo caminho, já então sinuoso, que havia percorrido desde que se tornara refratário, vindo a viver na Suíça, aderindo ao PCP, estudando neste país, entrando para as Nações Unidas como sociólogo, saindo depois daquele partido. Regressado a Portugal, na sequência da Revolução de 25 de Abril, António Barreto havia aderido ao PS, partido de onde saiu algum tempo depois, prosseguindo a sua carreira académica.

A uma primeira vista, sobressai desta trajetória uma personalidade intelectualmente inquieta, como que à procura de um ponto cardeal que se mostre absoluto. No mínimo, com um ínfimo desvio-padrão. Acontece que uma tal realidade, estando fortemente ausente nas convivências correntes, terá, naturalmente, de o estar ainda mais na vida política. Basta olhar o que vai hoje pelo mundo, transformado que está num ambiente de imprevisível vale-tudo, fruto do triunfo neoliberal e da globalização que sucederam o fim do comunismo. Quando 1 % da população mundial dispõe, em crescendo, de tanto como os 80 % menos dotados do mundo, algo existe de ilógico e de incorreto. Simplesmente, a uma primeira vista não nos chegam de António Barreto críticas a uma tal situação, como por igual à corrida à modernização das armas nucleares, ainda ontem anunciada por Donald Trump.

Estou em crer que António Barreto se mostra muito certeiro quando, nessa mesma entrevista, reconhece que construiu para si próprio uma obsessão de independência. E a minha opinião simplória é a de que qualquer obsessão é sempre má, porque representa um grau de rigidez que limita a essencial capacidade de adaptação à realidade da vida, sempre imperfeita e repleta de coisas que sempre todos tomam, numa perspetiva absoluta, como incorretas. Se eu me determinasse a pôr um fim no relacionamento com quem reconheço estar longe de um posicionamento eticamente correto teria de deixar de falar a alguém conhecido que há dias garantiu desconhecer se a antiga União Soviética alguma vez atacou com armas nucleares um qualquer outro Estado da Comunidade Internacional. Quase com toda a certeza, teria de isolar-me, lendo, escrevendo para mim mesmo, pintando ou operando quaisquer outras atividades que permitem aguentar a passagem do tempo.

A verdade é que, por um tal caminho, mesmo gostando muito do silêncio, talvez viesse a sofrer a tristeza decorrente de o viver demasiadamente. Precisamente o que também nos refere António Barreto, nesta entrevista recente.

Se perdeu o contacto com os políticos e estes o perderam a si, tal só se deve ao seu modo de ser, marcado por uma obsessão de independência que leva quem se deixa por ela enraizar a um silêncio, porventura, doloroso se demasiado. Mas, enfim, será certamente um concidadão nosso feliz com o caminho que se determinou a percorrer ao longo da vida. Ou não será, de facto, assim?

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