Marcelo e o despontar do populismo em Portugal

|Hélio Bernardo Lopes|
Desde a campanha eleitoral para o Presidente da República que se percebeu de imediato que Marcelo era suficientemente determinado para ir a todas, como usa dizer-se. 

O caso mais extremo, porventura o mais engraçado, foi o de uma intervenção sua em certo cabeleireiro, com o que causou um quase deleite coletivo dos portugueses. Indubitavelmente, os estses acharam-lhe graça, embora mil e um tivessem tecido da sua ação como comentador cobras e lagartos. Para lá de gente completamente desconhecida, poderão aqui recordar-se os casos de Pedro Santana Lopes, Pedro Passos Coelho e Rui Gomes da Silva.

Esse modo de ser olhado como engraçado, capaz de ir a todas e de dizer ou fazer as coisas mais impensáveis num candidato presidencial, foi o que determinou a sua vitória fácil. Além do mais, os portugueses tinham do Presidente da República uma ideia de pequeno intervencionismo, cujo limite de conflitualidade viram com o discurso da segunda tomada de posse de Aníbal Cavaco Silva. Aos mais atentos bastaria, por exemplo, recordar a cabal ausência de posição pública do Presidente Jorge Sampaio em face da Cimeira dos Açores, ao mesmo tempo que, de modo inverosímil, se noticiava uma oposição sua profunda à mesma e ao envio de tropas portuguesas para a equipa militar da coligação agressora.

A partir do dia da sua tomada de posse – logo na sua ida para a Assembleia da República –, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, com inteligência, cultura e manha política, passou, ainda mais, a ir a todas. Sem mais, passou a apoiar os bons sucessivos resultados da governação, ao mesmo tempo que o PSD se ia afundanddo lenta mas paulatinamente. Sem mais, passou a aceitar quase tudo, com ênfase muito especial para beijos e abraços, mas por igual selfies ou convites a mil e um para lhe telefonarem e para irem tomar consigo uma refeição. Se fosse eu o convidado, poria aos seus acessores a hipótese de levar marmita, porque isso mesmo nos referiu, em plena campanha, o atual Presidente da República.

Objetivamente, Marcelo Rebelo de Sousa passou a ser o presidente dos afetos. Se fosse rei, ficaria para a História de Portugugal como Marcelo, O Afetuoso.

Sempre defendi este seu modo de intervir como Presidente da República, mas a verdade é que o mesmo comporta duas doses de fatores: paternalismo e populismo. E se o primeiro cola cunha e carne com o modo português de estar na vida, já o segundo correria sempre o risco de vir a fomentar o despontar do populismo na política portuguesa. Pois, esse tempo já nos chegou, ao contrário do que tantos sempre profetizaram como impossível, fruto de mais uma das nossas singularidades.

O recente caso dos grandes incêndios na região central do País constituiu a grande âncora para o salto quântico agora sofrido pelo populismo em Portugal. Objetivamente, quando um Presidente da República se põe a dizer que as casas têm de estar prontas para nelas se passar o Natal, ele está a dar aos mais diversos oportunistas as essenciais achas para todo o tipo de exigências ou acusações ao Governo e ao Estado: foi o que disse o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, dirão todos...

É bom recordar uma chamada de atenção para certa intervenção do Presidente Cavaco Silva, ao redor dos riscos da responsabilidade extracontratual do Estado, precisamente porque tal, para lá de poder tornar-se incomportável, acabaria por potenciar mil e uma exigências de oportunidade. Até fraudulentas.

Por tudo isto, foi com verdadeiro espanto que ontem escutei as considerações de certa nossa concidadã em pleno Palácio de Belém, apontando o risco de surgirem relatórios dúbios, bem como outras considerações só possíveis pelo modo como a intervenção presidencial tem vindo a potenciar todo o tipo de exigências ou reclamações.

Tenho para mim que as recentes declarações de André Ventura, logo desapoiadas pelo CDS/PP, mas apoiadas, naturalmente, pelo PSD e por Pedro Passos Coelho, também são uma consequência do modo de atuar de Marcelo Rebelo de Sousa, porque este mesmo modo de intervenção comporta uma inquestionável projeção, subconsciente, de contornos populistas. Se o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa exige as casas prontas no Natal, o que será excelente para todos os portugueses, André Ventura também parece exigir justiça e aplicação da legislação já em vigor, o que também não deverá criar problemas. Nos dois casos, a uma primeira vista, ouro sobre azul.

Acontece que nós também tivemos um avião que havia caído sem cair, bem como suicídios nunca existentes, ou suas tentativas igualmente nunca presentes. Tudo isto, claro está, na peugada do que se passou com os incêndios, mas com uma correlação fortíssima com o modo de intervenção pública do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Ou seja: o populismo já está em Portugal, sendo mui grande a probabilidade de o mesmo continuar a crescer na exata medida em que continuarem os beijinhos e abraços do Presidente da República, indo a todas e exigindo tudo o que pareça ser anseio natural das pessoas, existam ou não meios materiais. Por fim, esta pergunta: quem controla o dinheiro doado pelos portugueses – mais de treze milhões de euros – para ajudar as vítimas e as suas famílias? Qual é a resposta, com pormenor, que nos pode agora dar o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa?

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