Chicana política em movimento

|Hélio Bernardo Lopes|
Só alguém muito ingénuo poderia não conseguir conjeturar a chicana política que já se desenvolve ao redor dos recentes incêndios de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Góis. Para já não referir as restantes centenas de casos. 

Num ápice, começaram a surgir queixosos em corrupio, embora sempre militantes do PSD, ou por aqui eleitos quando desempenham cargos públicos. E é por igual difícil imaginar que estes queixosos se manifestassem se a liderança do Governo fosse hoje do PSD, ou do CDS/PP. Mas vejamos algumas das situações referidas.

Em primeiro lugar, a responsabilidade pelo ataque ao fogo. Cabe esta, logo ao início, à parte autárquica da Autoridade Nacional de Proteção Civil. Acontece que atacar um incêndio ainda é simples se o mesmo tiver lugar logo no seu início. Simplesmente, a autoridade autárquica não conseguiu atingir este seu objetivo, sendo que, no seu dizer, já trovejava desde muito antes do início do incêndio. Portanto, isto é um falhanço, ou não? Seguiu-se a autoridade regional – ou ter-se-á passado logo para a nacional? –, mas as coisas continuaram a piorar. No mínimo, pois, também a autoridade regional terá falhado. E agora, como se vai escutando pelo lado dos partidos da oposição, parece que mesmo a autoridade nacional também terá falhado. Logo, a culpa será da ministra. A seguir-se a opinião do El Mundo – não se preocupa com Almaraz...–, também do Primeiro-Ministro. E como o Presidente da República elogiou o excecional esforço de todos os que estavam no terreno, também Marcelo Rebelo de Sousa será responsável.

Em segundo lugar, o caso do SIRESP, surgido nos últimos dias de um Governo do PSD, quando Daniel Sanches era Ministro da Administração Interna, que havia sido Diretor-Geral do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, do SIS e do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, sendo procurador-geral adjunto de carreira. A verdade é que da análise à sua adjudicação, que tanta tinta fez correr, nada se apurou. Mas existe uma responsabilidade política pela escolha deste SIRESP, com o custo que comportou, e que foi de um Governo do PSD. Afinal, como agora nos diz a oposição, o tal SIIRESP terá falhado quando mais necessário era. E então, de quem é a responsabilidade por se ter escolhido um tal sistema? Em terceiro lugar, o caso das trovoadas e dos raios, com os que dizem ter visto e ouvido isto ou aquilo. Também em Lisboa tiveram lugar, logo ao início da noite, as referidas trovoadas secas, acompanhadas do surgimento de relâmpagos. A verdade é que eu ouvi os primeiros e vi dois ou três dos segundos. Mas o mesmo não se deu, por exemplo, com a minha mulher, também em casa, tal como eu.

Ora, no edifício frontal ao meu uma família ouviu os trovões, abrindo a persiana e vindo à janela, mas não viu relampejar, porque eu já estava na minha varanda e dei-me conta de que nos seis segundos da presença daquelas na janela nunca surgiu nenhum relâmpago. E tanto hoje de manhã, como ontem à noite, tive a oportunidade de questionar familiares, amigos e conhecidos por aqui residentes. Apenas dois conhecidos ouviram trovejar, nunca relampejar.

A este propósito, é útil referir uma cena artificial a que pude assistir no meu tempo de juventude, montada em Paris, e que aqui chegou por via das históricas ATUALIDADES FRANCESAS. Em plena rua, muito movimentada, simulou-se o rapto de uma mulher, agarrada e introduzida à força num carro. Este abandonou velozmente o local, logo surgindo supostos jornalistas. E lá se foram escutando as respostas: o carro era amarelo e a senhora loira; o carro era castanho e a senhora morena; o carro era verde claro e a senhora tinha cabelo curto; o carro era azul e a senhora tinha carrapito, etc., etc.. É um fenómeno claramente consabido, como consabido é a falta de realidade daquelas palavras de certo concidadão nosso e idoso, a cuja luz no terreno anda-se no duro, enquanto os que mandam estão no fresquinho. Faltou aos jornalistas que o escutaram e passaram tais declarações perguntar ao senhor se Constança Urbano de Sousa, António Costa, Marcelo Rebelo de Sousa, os deputados e os magistrados também ali deviam andar no duro.

Em quarto lugar, o tal downburst, de que se vem falando e de pude ver imagens diversas em vídeos, através do Google. Sabe-se que existe tal fenómeno, mas que o mesmo é raro, sendo muito difícil colher imagens em tempo de incêndio. Porém, existem relatos de sobreviventes de catástrofes com fogos, mas que assistiram a fenómenos que correspondem ao downburst. O que ontem o nosso concidadão Jorge Tomás expôs a José Alberto Carvalho poderá ir nesse sentido, porque o intervalo de tempo que referiu, tal como a força de um vento quente que o derrubou, admitem este modelo explicativo. Faltou à Ministra da Administração Interna soprar em sentido contrário.

E, em quinto lugar, a historieta do avião, tal como a da aldeia que referiu Constança Urbano de Sousa, onde estariam mais de uma centena de mortos. A este propósito, deixo aqui ao leitor uma pergunta: já reparou que nunca mais se falou do caso do avião? Mas então, se existiu alguém da Autoridade Nacional de Proteção Civil que disse tal aos jornalistas, porque não identificam estes quem foram essas pessoas? Portanto, deixo ao leitor o cuidado de tentar arranjar um modelo explicativo para a falsa notícia e para o silêncio que a seguiu.

Certo, isso sim, é que o Diabo nunca chegou, o que se constituiu numa chola política para os derrotados das anteriores eleições. Ao contrário, chegou uma imparável sucessão de boas notícias, o que permitiu que a generalidade dos portugueses recuperasse a sua alegria e a sua esperança. A derrota dos grandes interresses não tem parado de causar terríveis dores, para mais com Mário Centeno a mostrar êxitos sucessivos, ao ponto de Wolfgang Schäuble o apontar como o CR 7 do Eurogrupo. Mais uma chola política de todo o tamanho. Um dado é certo: se um dia o PSD e/ou o CDS/PP regressarem ao poder, lá virão de novos as mil e uma medidas ideológicas que nortearam a ação do Governo Passos-Portas. O seu modelo central é o neoliberal, naturalmente nivelando por baixo, mas sempre em nome da igualdade. Igualdade na pobreza. É bom que a nossa Direita meta a mão na consciência e olhe para o desastre que vai, por todo o mundo, por via do seu modelo imposto sem o apoio de ninguém.

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