Os gémeos

|Tânia Rei|
Às vezes, acontecia este fenómeno: quando estávamos a partir amêndoas com um tijolo burro, sentados com o rabo no chão, saíam da casca dois frutos em vez de um. Vinham, regra geral, encavalitados um no noutro, ou encaixados e meio deformados.

Diziam às raparigas que não podiam comer, ou iam ter gémeos. Aquilo parecia-me mesmo mau, ter dois filhos de uma vez, tal era o alarmismo. Parecia uma praga, como as que rezam nos contos de fadas. Uma gravidez de gémeos há umas décadas, não assim há tantas, deveria, de facto, ser alarmante, à falta de melhor palavra. De repente, duas bocas para alimentar, quando não havia assim tanto.

Lembro-me da primeira vez que vi gémeos. Gémeas, na verdade. Eram raparigas. E eu devia ter uns 4 anos. Fui com os meus pais ver as recém-nascidas e achei aquilo giríssimo. Eram mesmo iguais, e tinham daquelas chuchas castanhas, iguais também.

Nunca me tinha apercebido que era possível que uma pessoa tivesse outra igual a si. Igual, e não “muito parecida”. É diferente, ser igual ou ser muito parecido.

Mais tarde, ou mais cedo, não sei bem quando, percebi que os meus vizinhos também são gémeos idênticos. Mas eu sempre os distingui, e para mim não devia contar. A seguir, mete-se a televisão ao barulho, com sotaque de português do Brasil. Era aquela novela, “Mulheres de Areia”, em que a Glória Pires fazia de duas. E eu achava mesmo que ela, para aquela personagem, se dividia em duas iguais. Assim como achava que os actores morriam mesmo, e elogiava mentalmente a capacidade de morrer tão bem, à primeira, em frente às câmaras, sem nervos. Porque não dava para repetir, então tinha que sair bem logo. Como eles voltavam a aparecer noutras novelas, já não sei. Na minha cabeça, devia haver um período em que os actores ficavam mortos, e depois voltavam, para continuar a trabalhar.

Na ficção, há sempre um gémeo bom e outro mau. Coisa que nunca entendi, isso de serem iguais mas terem que ser diferentes a esse ponto. Um podia gostar de cozinhar e outro de jardinagem, sei lá! Mas, não! Um é um anjo, e o outro um demónio com instintos sanguinários. À parte das Olsen.

Essas são mesmo duas, e são as duas boazinhas (ou eram, pelo menos, nos filmes). Pregavam muitas partidas, só que isso parecia-me normal.

Afinal, de que serve ter alguém igual a nós se não for para enganar os outros, com brincadeirinhas inocentes? E partilhar namorados, daqueles com os quais a cena não é nada séria, pois claro. E, como nos filmes, mandar o gémeo fazer aquilo que o outro gémeo não sabe.

Quando me saíam dessas amêndoas, comia-as logo! Meti-as goela abaixo e pensava “aposto que não é assim que nascem os bebés iguais”. E, lá está, conhecem alguém neste caso?

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