De que nos serviam as asas?

|Tânia Rei|
No dia outro dia, à hora do almoço ou ao final do dia, não me lembro bem, nos curtos minutos a pé que separam o meu trabalho de casa, apanhei um susto daqueles que me fazem soltar gritinhos histéricos de gaja.

Vi um pássaro morto, logo ali, ao dobrar a esquina, encostado a uma parede. Se calhar já alguém tinha dado um pontapé ao cadáver do pobrezinho, para o arrumar fora do local de passagem. “Olha, grande coisa! É mesmo uma cena de rapariga!” – pensam vocês, que não sabem que eu tenho medo de passaredo em geral.

É por causa do bico fininho, que eu imagino sempre a furar-me os globos oculares. E dos ossos quebradiços. E aqueles pezinhos, com unhas compridas e afiadas, que agora até estão na moda (as unhas), e das quais eu não gosto, porque me trazem à memória aquelas patinhas impacientes (tic, tic, tic, tic) que parece que só sabem andar se for depressa, ou aos pulinhos, que também já vi. E eu não gosto dessas pressas. Nem de pássaros. Diz que se chama ornitofobia, o medo dos pássaros. Mas gosto de penas, quando estão a fazer de brinco. E gosto de frango. E ovos. Como muito ovo, de galinha, só. E gosto de peru, se for fatiado em fiambre ou em bifes.

Fiquei uns minutos, a olhar para o bicho. Com medo, com pena (não das dele, pena mesmo) e com curiosidade. Não era um pardal, daqueles que por agora andam gordos e de papo cheio. Era assim um de plumagem acinzentada e um bico amarelo-escuro ou meio laranja. Estava numa posição não natural, assim com o pescocito para trás, como num filme de terror, naquela parte dos exorcismos.

Fiquei a pensar no sucedido. Um pássaro, que tem asas e anda sempre a voar por aí, livre, quando morre acaba no chão, atirado a um canto. E de nada lhe servem as asas. Não deixa de ser triste, ver um animal que foi feito mais para o ar do que para a terra, deitado num paralelo da calçada.

Não deveriam os pássaros, quando morrem, ter o direito de ficar no ar? Ou um sítio onde não pudessem ser comidos por gatos gulosos e preguiçosos ou a servir para fazer o jeito ao pé ou para fazer trabalhar uma vassoura. Um animal que conheceu o céu, que sentiu o vento cortar-lhe o corpo, devia ter um final mais digno do que um chão frio e sujo, num canto qualquer.

É que já nem sei se é melhor ter asas, mas uns pés curtinhos e sem muita utilidade, ou umas pernas grandes e não ter como voar por meios próprios. É que a pé podemos ir longe, mesmo que demoremos mais, apesar de ficarem sítios inalcançáveis. Com asas teremos outras perspectivas, porque vemos tudo lá de cima, mais amplo, tudo miudinho debaixo dos nossos pezitos também eles minúsculos.

Naquele dia, contudo, limitei-me a este reles pensamento humano:” Livra! Ainda bem que não sou um pássaro!”.

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