Gato escondido com rabo de fora

|Hélio Bernardo Lopes|
Como se conhece bem, há um histórico ditado popular digno de registo, a cuja luz nos surge, por vezes, um gato a tentar esconder-se, mas com o rabo de fora. E este é o caso da perseguição aos judeus, durante a Segunda Grande Guerra, por Adolfo Hitler e seus sequazes.

Uma realidade que teria sempre de perceber-se e de conhecer-se, ao menos, nos países ocupados pelo Exército da Alemanha de Hitler. Aos poucos, esta realidade teria sempre de se espalhar, acabando por chegar ao conhecimento das grandes potências do tempo. Incluindo, naturalmente, a Igreja Católica Romana. Até pelas funções desempenhadas por Pio XII, quando foi Núncio Apostólico em Berlim.

Foi sem espanto, pois, que ontem tomei conhecimento de que milhares de documentos vieram agora a ser publicamente divulgados sobre a perseguição aos judeus naquele tempo, operada pelo regime nazi, e que era já conhecida pelos Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética. Razões de natureza económica, mas não só, determinaram que aqueles tivessem fechado os olhos a tal realidade. Aliás, esta realidade ia bem para lá dos judeus.

Acontece, porém, que foi operado um amplíssimo levantamento de milhares de responsáveis por tais crimes, sendo que apenas uma pequena parte acabou por ser presente a juízo. De resto, logo que operada a rendição incondicional da Alemanha nazi, boa parte desses criminosos demandaram países do subcontinente americano, que os acolheram de braços abertos. E muitos deles acabaram mesmo por ser recebidos nos Estados Unidos, até com o conhecimento do que haviam praticado, mas porque também os Estados Unidos viam com muito maus olhos os judeus e porque, por razões do conflito Leste/Oeste, o (suposto) conhecimento de muitos alemães foi muito mais primordial do que aplicar a justiça a criminosos bárbaros.

Claro está que uma organização como a Igreja Católica Romana teria sempre de conhecer esta realidade, até porque a mesma esteve omnipresente na Polónia, na Croácia e na Baviera, tudo regiões onde cada cidadão, com elevadíssima probabilidade, era católico. É essencial pensar nesta realidade bem chocante e elucidativa: o campo de concentração de Dachau situava-se a seis quilómetros de Munique...

Ora, há um dado que os historiadores só muito parcelarmente trouxeram para a mesa do esclarecimento histórico: foram muitos os países onde se sonhou com a implantação de uma estrutura nacional-socialista, e mesmo em lugares muitíssimo distantes da Alemanha de então e ao nível de gente da grande elite desses países. Foram os casos dos Estados Unidos e da Inglaterra. Mas houve muito mais casos. Uma obra recente e de referência conta agora que setores significativos dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido se opunham diretamente a fazer qualquer coisa para ajudar os judeus, ou a dar suporte a processos por crimes de guerra. E é uma realidade, infelizmente bem dolorosa. Falta até referir o que já antes salientei: muitos ajudaram tais criminosos a fugir à justiça, ajudando-os mesmo a viver nos países para onde foram. E é conveniente salientar as palavras atribuídas por historiadores diversos a George Patton: era essencial que fossemos mais para Leste, porque os nazis não são o nosso real inimigo. Curtis Lemay tentou materializar esta visão, mas foi posto na rua. E muito mais tarde George W. Bush acabou por fazer, com consequências que estamos a pagar, o que seu pai recusou a Norman Schwarzkopf.

No meio de tudo isto, tomo como muito interessante o facto da Universidade de Georgetown se ter interessado por este tema, ela que é a mais antiga universidade católica dos Estados Unidos. E para mais quando tão conhecido é o silêncio de Roma sobre o tema em causa durante os anos daquela guerra. Se os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Soviética sabiam e nada fizeram, a verdade é que as religiões dominantes nestes espaços não são a católica romana. O que pode indicar a existência de um traço de tacticismo com repercussões estratégicas, para mais num tempo que é quase de guerra geral, que também se estende aos ambientes religiosos...

É à luz desta minha perceção que tomei conhecimento de que esta universidade irá oferecer frequência gratuita a descendentes de vítimas de abusos praticados no seio da instituição. Talvez desde os mais antigos aos mais recentes. Para quem se prepara para entrar na casa dos setenta, parece-me bondade e clareza em demasia. Sobretudo por vir de um lado onde quase nada é claro, para o que basta recordar o estrondoso silêncio ao redor do jovem antigo vice-reitor do seminário menor do Fundão: afinal, em que pé está o caso? Um dado é certo: novidade é o que realmente não existe nesta mais recente notícia. Nem novidade nem consequências para os criminosos.

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