"Na Dinamarca liderei equipas e encontrei estabilidade que não tinha em Portugal"

Entrevista a Diogo Rosa , geólogo português que estuda os recursos minerais da Gronelândia. Nascido em Lisboa, Diogo Rosa vive na Dinamarca e lidera equipas de cientistas que estudam a geologia na Gronelândia. Esta entrevista foi realizada no âmbito do Global Portuguese Scientists (GPS) - um site onde estão registados os cientistas portugueses que desenvolvem investigação por todo o mundo.

Diogo Rosa
Pode descrever de forma sucinta (para nós, leigos) o que faz profissionalmente?

Trabalho como geólogo nos Serviços Geológicos da Dinamarca e da Gronelândia, com um enfoque na avaliação dos recursos minerais da Gronelândia. Passo a maior parte do ano em Copenhaga, na Dinamarca, mas no Verão, quando a área coberta por neve atinge o mínimo, faço trabalho de campo na Gronelândia. A Gronelândia é uma enorme ilha, eu costumo dizer que de Norte a Sul vai a mesma distância que vai de Lisboa a Copenhaga, e a percepção geral é que é uma vastidão coberta de gelo, com pouco interesse económico.

De certa forma é assim, de tal forma que a maior parte das exportações da Gronelândia correspondem a peixe e marisco dos mares que a rodeiam, não da ilha em si. No entanto, o facto é que a área livre de gelo é 1/5 do total e atinge mais de 400.000 km2, ou seja, é maior do que a Alemanha, por exemplo. Mas devido à sua localização remota ainda se conhece muito pouco sobre a geologia desta grande área livre de gelo. É precisamente por isso que o seu potencial em termos de recursos minerais é considerado elevado. Isso é suportado pela existência de diversas explorações mineiras em áreas contíguas, no Canadá. Basicamente, enquanto em outras partes do mundo muito do que havia para descobrir já foi descoberto, por o terreno ter sido calcorreado por gerações de prospectores e geólogos, na Gronelândia ainda há muitas probabilidades de se encontrar recursos minerais, mesmo expostos à superfície.

Assim, em concreto, para avaliar o potencial de uma determinada região começo por rever os levantamentos geológicos, geofísicos e geoquímicos que aí tenham sido feitos, seja pelos serviços geológicos, seja por empresas mineiras. Muitas vezes estes levantamentos são bastante antigos, pelo que tenho que os reanalisar tendo em vista conceitos e modelos mais recentes. Este trabalho permite-me identificar alvos onde se reúnam vários factores favoráveis para a ocorrência de determinados metais (combinação da ocorrência de rochas adequadas, depositadas e/ou deformadas nas épocas e/ou em sucessões favoráveis, existência de anomalias geoquímicas/geofísicas, etc).

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Uma vez feito este trabalho, há geralmente argumentos para apresentar às autoridades gronelandesas uma proposta para a organização de expedições às áreas definidas como prioritárias, por forma a verificar os alvos identificados ou colher dados que permitam apertar a malha, aproximando-nos deles. Obtendo financiamento, o meu trabalho passa também por organizar a logística para a expedição: reunir a equipa, encomendar ou alugar tudo que irá fazer falta, desde comida, combustível, tendas e material científico até navios e helicópteros.

Durante a expedição, cabe-me coordenar as actividades de todos, tentando assegurar que os colegas de várias disciplinas geológicas possam fazer aquilo a que se propõem, ao mesmo tempo que se tenta optimizar a utilização dos meios existentes, nomeadamente dos mais caros, como o helicóptero. Tudo isto sujeito a imprevistos, nomeadamente devidos ao tempo. Depois da expedição, a prioridade é reportar e divulgar os resultados obtidos, seja em revistas científicas, seja em feiras profissionais.

Agora pedimos-lhe que tente contagiar-nos: o que há de particularmente entusiasmante na sua área de trabalho?

Acho entusiasmante poder trabalhar com recursos minerais pois, embora tal seja muitas vezes subestimado, estes são fundamentais para a nossa indústria e sociedade. Num mundo cuja população teima em crescer, enquanto os recursos são cada vez mais escassos, estes serão tendencialmente encontrados e explorados em locais mais remotos, como o Árctico. O meu trabalho não se traduz na abertura de minas, mas minimiza o risco da prospecção pelo que, espero, possa atrair empresas mineiras que invistam e, em última instância, possam encontrar e explorar uma mina, criar emprego, etc.

Depois, trabalhando na Gronelândia, tenho a oportunidade de visitar zonas extremamente remotas, mas de uma vastidão e beleza natural indescritíveis. Praticamente não há ali presença humana, há muito pouca vegetação, apenas rochas, gelo, mar e céu. E as rochas, fruto do efeito das glaciações, estão muito expostas, o que, para um geólogo, é naturalmente muito entusiasmante.

Por que motivos decidiu emigrar e o que encontrou de inesperado no estrangeiro?

Em Portugal tinha um contrato a prazo, o que, considerando o panorama geral da ciência no nosso país, era quase um luxo. Mas o facto é que esse contrato caminhava para o fim e eu não via perspectivas de que pudesse vir a ser renovado. Assim, antes que me visse numa situação mais precária ou mesmo no desemprego, candidatei-me a algumas (poucas) oportunidades que me pareceram interessantes e assim vim parar à Dinamarca.

Aqui na Dinamarca não há vagas para a vida, existe a chamada flexisegurança. Mas penso que me bastará ir fazendo bem o meu trabalho para ter uma estabilidade que não tinha em Portugal. Também encontrei cá oportunidade de crescer como cientista, liderando equipas, organizando expedições, como não creio que aconteceria se tivesse ficado em Portugal. Eu estava à espera destas oportunidades antes de vir, caso contrário não teria vindo. Mas houve coisas inesperadas que se revelaram boas surpresas: uma delas é o equilíbrio família/trabalho, com tudo o que são horas extra compensado com folgas e tempo para a família, algo que em Portugal, infelizmente, não creio ser costume fazer. Também quero salientar que o trabalho em equipa passa mais pela busca de consensos, em vez da tomada de decisões segundo uma estrutura mais hierárquica, como é costume em Portugal.

Que apreciação faz do panorama científico português, tanto na sua área como de uma forma mais geral?

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A mobilidade é algo que deve, até certo ponto, ser parte duma carreira científica. Eu próprio beneficiei dela, tendo passado o último ano da minha licenciatura na Universidade Complutense de Madrid, em Espanha, ao abrigo dum intercâmbio Erasmus e tendo, uns anos depois, feito o meu doutoramento na Colorado School of Mines, nos EUA, ao abrigo duma bolsa de doutoramento da FCT. Felizmente existem estes mecanismos para financiar a mobilidade e a formação científica. Mas em Portugal essa mobilidade é levada ao extremo, traduzindo-se frequentemente numa longa sucessão de bolsas, com um regime de segurança social desadequado. Esta precariedade traz o risco de ver pessoas válidas ficarem frustradas com a carreira, desistirem da ciência ou mudarem-se para o estrangeiro, muitas vezes de modo permanente.

O país tem investido na formação de pessoas, mas a sua empregabilidade parece não seguir uma estratégia. Tal resulta, por um lado, da falta de interacção entre as empresas e as instituições científicas, e uma enorme dependência da investigação do Estado. Nem as empresas apostam bastante neste sector económico nem os organismos públicos especializados têm meios e intervenção suficientes. Por outro lado, há uma endogamia que persiste em muitas instituições de ensino superior nas quais, muitas vezes, quem é contratado como professor é quem já lá fez todo o seu percurso académicos – da licenciatura ao doutoramento. Esta endogamia não ajuda a dinamizar as instituições de ensino superior portuguesas, pois estas tendem a permanecer estanques a ideias novas.

Que ferramentas do GPS lhe parecem particularmente interessantes, e porquê?

O GPS inclui uma infografia muito interessante que permite acompanhar a trajectória académica dos nossos pares, e assim acompanhar e entender a diáspora científica portuguesa. Creio que isto constitui uma ferramenta que permitirá identificar sinergias e complementaridades entre investigadores, quer dessa diáspora quer de instituições científicas portuguesas, estimulando a comunicação e, eventualmente, levando à colaboração. A comunicação e a colaboração, por sua vez, podem efectivamente ter lugar através das ferramentas de comunidades e grupos.

GPS/Fundação Francisco Manuel dos Santos
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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