A condição do apego

Tânia Rei
Ando há mais de um mês a mudar de casa. Tenho, neste momento, duas casas. Três, se contar com aquela onde fui criada. Mais, se contar com todas aquelas onde mora o meu coração, ou parte dele.

Sim, posso desculpar-me com falta de tempo, visto que foi uma mudança forçada. E é sempre complicado quando somos obrigamos a mudar algo sem que queiramos, sem que ali tenhamos empenhado esforços ou envidado energias. Regra, só queremos mudar o que não nos traz felicidade, ou não nos faz bem. E eu gostava de morar onde estava, caramba.

Já podia andar às escuras em casa, sem esbarrar em esquinas ocultas. Conhecia os vizinhos, que me conheciam de volta, e me abriam a porta quando me viam com compras ou algo mais volumoso nas mãos. O carteiro, imagine-se, sabia onde eu morava.

De repente, tive de escolher outra casa, às pressas. Tive de levar as minhas coisas, a ferros, e, depois de entregar as chaves, não vou poder voltar, gentilmente, bater à porta e dizer que, afinal, me esqueci de um pertence. E custa deixar o que nos fez felizes. Fui feliz na minha antiga casa. Enquanto tirava os meus livros do móvel da sala, móvel esse que já não é meu, lembrei-me que me lembro do dia em que os pus lá, com a promessa de os ler a todos. Vou mudá-los de estante, e, não os li.

Novos horizontes exigem novas promessas. Novos desafios exigem novas vontades. Mas custa deixar aquele espaço, e, se calhar, ainda que de forma inconsciente, quero prolongar ali a minha existência. Não quero que a casa de esqueça de mim. Não quero que deixe de ter o meu cheiro e a decoração que lhe dei. E como fazemos para que não se esqueçam de nós? Para que não apaguem a nossa marca?

A casa nova ainda não teve tempo de ficar a cheirar a mim. Ainda nem escolhi onde vou pôr os pratos, arrumar os vestidos de Verão ou onde vou pendurar os meus quadros. Só sei que é ali que vou ficar, e ponto final.

A outra casa, a que me fez feliz, vai continuar a existir. E eu não vou estar lá. Apenas me resta acreditar que o meu novo cantinho me vai fazer tão ou mais feliz. Porque a vida continua, com ou sem resquícios do passado.

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