Quero ver-te

|Tânia Rei|
Quando éramos miúdos, numa faixa etária que não consigo classificar com clareza, o pico das relações de cariz sentimental era termos em nossa posse algo pertencente ao outro, ao que por aqueles dias nos tirava o pouco fôlego suportado pela caixa torácica dos jovens.

Algo que tivesse passado tempo com o objecto da nossa paixão, para prolongarmos nós o tempo que passávamos a suspirar. Um anel, uma pulseira, um brinco…Quiçá um papel de pastilha elástica, de preferência com a própria lá enrolada, lavada em saliva, para nos recordarmos daqueles beijos “máquina de lavar, no programa de torcer”, com sabor a mentol.

Não me lembro de ter trocado algo com alguém, como recordação do amor juvenil. Mas é provável. Lembro-me, contudo, como se exibiam aqueles pertences. Sim, podia ser Inverno e estar a nevar, e era ver malta arremangada até ao cotovelo, para mostrar uma pulseireca de cabedal (falso, na maioria das vezes, e isso não lhe tirava brio nenhum). E rapazes com brincos ridículos de menina, daqueles grandes e pesados, que faziam doer as orelhas, ou então de fimo, que estiveram muito na moda. E raparigas com casacos claramente demasiado grandes, em que a ombreira lhe caía a meio do braço. Sabíamos que, algures, havia alguém cheio de frio, que nunca o admitiu (e, na volta, constipou-se).

À medida que crescemos, passamos a dar menos valor ao material. As relações, ou melhor, as ligações, já não carecem de um lado físico. Não necessitamos de uma presença física da outra pessoa, como que se quiséssemos praticar vodu. Sentirmo-nos ligados a alguém passa-se, numa fase mais madura da vida, mais dentro de nós do que numa pulseira de falso cabedal. E não há nada melhor do que ver quem nos trava a atenção, e perceber, do outro lado, a mesma emoção. Pousar os olhos (e os lábios) passa a bastar para uma vida cheia (ainda que parte disto aconteça somente na nossa cabeça) porque passa a ser uma raridade.

Outra (são tantas) coisa chata de crescer é que antes era tão fácil ver alguém. Isto porque os “nossos” pareciam viver todos a poucos quilómetros de distância. E viviam. Aqueles com quem partilhávamos o dia-a-dia. E era uma chatice quando tínhamos que faltar às aulas para ir, por exemplo, a uma consulta. Era como se o Universo nos tivesse abduzido, e a nossa ausência era notada.

Depois, crescemos, e a escola deixa de ser o epicentro das nossas emoções. Conhecemos pessoas de sítios que nem sabemos onde ficam. Passamos a ter agendas mais cheias. Passamos a achar tudo complicado, quando antes tudo era fácil. E nunca percebi muito bem este pulo do simplificado para o burocrático, que só se agrava com os anos.

Tenho saudades de acordar de manhã e saber que iria ver todos aqueles que queria ver. Os que me faziam falta. Até os que não me faziam falta nenhuma, pois claro, o que era totalmente suportável, em rácio.

Tenho saudades do facilitismo com que dizia “vi-te”, a toda a hora. Agora, no pesado mundo dos adultos, só posso dizer “quero ver-te”, com carácter de urgência, pois!

Não sei é quando.

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