Sonhos surreais

|Hélio Bernardo Lopes|
Desconhecia completamente o nosso concidadão Porfírio Silva, até ao dia em que li algo de sua lavra numa qualquer notícia. O que me surgiu foi que Porfírio Silva dissera que a União Europeia (nesse tempo) era como a antiga União Soviética, mas sem KGB.

Achei uma enorme graça à analogia e atribui um autêntico vinte ao respetivo conteúdo. Disse até mesmo (para familiares, amigos e conhecidos) que poucos teriam sido tão precisos e tão corajosos como Porfírio Silva. Revi-me inteiramente na analogia de que deitou mão. Revi-me e ainda me revejo, para o que me bastou ouvir, hoje mesmo, as mil e uma promessas da Comissão Europeia sobre garantias mínimas de dignidade para os europeus!! Com Marine à perna, já com o BREXIT e Trump em andamento, mais um possível acordo anglo-turco, e com o cabal desencanto dos povos europeus com a União Europeia, nada como tentar bombeirar à última hora...

Em contrapartida, foi como surreal que li a interpretação de Porfírio Silva sobre uma grande ofensiva que estará em marcha por parte dos fascistas europeus. Nas suas palavras, uma espécie de cimeira dos novos fascistas. E tudo isto por via de uma reunião em Klobenz, na Alemanha, de Marine Le Pen, Frauke Petry (Alternativa para a Alemanha), Geert Wilders (Partido para a Liberdade, Holanda), Matteo Salvinin (Liga do Norte, Itália) e Harald Vilimsky (Áustria), e logo no dia da tomada de posse de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos.

Claro que não duvido dos objetivos deste encontro, mas o mesmo só se tornou possível porque os atuais líderes europeus são de uma fraqueza constrangedora, objetivamente ligados aos grandes interesses financeiros e completamente divorciados dos povos que tinham o dever de servir. Os próprios partidos da Internacional Socialista voltaram-se, de armas e bagagens, para o modelo neoliberal global, enfileirando, com a maior das naturalidades, no ambiente da nomenklatura que suporta aquele. Basta ler as boas obras que me foram oferecidas, neste Natal, sobre Bilderberg. Mas Porfírio Silva foi ainda mais longe, salientando que naquele encontro só se falou de "nação", "patriotismo", "controlo de fronteiras", "identidade nacional" e "defesa dos povos". Aqui, caro leitor fiquei verdadeiramente boquiaberto, porque, a uma primeira vista, tais conceitos terão necessariamente de ser maus e perigosos!

Tendo por certo que Porfírio Silva é um concidadão politicamente culto, basta-lhe olhar para o caso recente dos vinte e cinco dias de férias anuais, ou para a posição assumida pela UGT, que é até um hábito estrutural e longínquo. Custa-me entender que Porfírio Silva possa nada ligar, por exemplo, ao significado da vitória de Donald Trump, ou à de Salazar no concurso, O MAIOR PORTUGUÊS DE SEMPRE. Será que a generalidade vive com indiferença a noção antiga e histórica de “nação”? A alegria dos portugueses na vitória de Portugal no Europeu de Futebol nada tem que ver com “patriotismo”? Será que os portugueses vivem assim tão seguros com as fronteiras abertas, internamente ou seja a quem for, ou sem o seu controlo? Será que não existe mesmo uma “identidade nacional”, sentida, de um modo muito geral, pelos portugueses?

Mas há um ponto em que Porfírio Silva consegue ter razão: os democratas da Direita também têm as preocupações que expendeu. Simplesmente, o problema é o mesmo: todos esses políticos vivem da política que se criou, ou seja, muito distantes dos sentimentos genuínos dos portugueses. E é por ser esta a realidade que a nossa classe política, com a rara exceção do PCP e de mais alguns do Bloco de Esquerda, nunca se atreveram a consultar os portugueses sobre a União Europeia, ou sobre o euro, ou sobre os tratados que nos têm desgraçado. Foi todo este caldo, claramente contra as manifestações do poder decisório dos povos, que levou ao ressurgir de tudo o que, supostamente, é mau e Porfírio Silva aponta.

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