“O teu coração é tão negro como a noite”

|Tânia Rei|
Tenho um amigo que diz que, às vezes, são as palavras que nos dão a mão, para que as usemos. É o caso deste título, que, na realidade, é a tradução do nome de uma canção com a voz de Beth Hart com o guitarrista Joe Bonamassa.

Tenho mais amigos, que dizem coisas igualmente espectaculares. Todos temos. O que é óptimo. E notem que, diariamente, nos cruzamos com tanta gente, trocamos ideias, às vezes só a ouvir e a ver o que nos rodeia. E só uma ínfima parte destas pessoas, que vemos e ouvimos, acabam por ganhar um lugar na nossa vida. E não digam que os nossos amigos, conhecidos, amores e desamores, entraram na nossa vida “porque sim”. Não há aqui acaso. E um fez mais do que o outro para que isso acontecesse, numa fase inicial pelo menos. Uma das pontas deu o primeiro passo, e lançou a corda que havia de unir duas vidas, em tantos sentidos quanto os que pudermos imaginar. Escolhemos agarrá-la. Deixamo-nos ir.

Esta é a verdade sobre como criamos ligações. A verdade sobre como se perdem, como se quebram… Bem, essa é bem mais dura.

Certa vez, escrevi-os eu que somos responsáveis por escolher entrar na vida de alguém, e que por isso é, no mínimo, de bom-tom, avisar se estivermos de saída. Não simplesmente esperar que, depois de meia dúzia de galos na cabeça, a outra parte perceba que, afinal, não há nada atrás da parede que quis a todo o custo partir. Muitas vezes, acabam-se ligações com gritos, vozes crispadas, qual bruxa dos contos de fadas, que pragueja sobre o futuro pouco risonho do ofendido. Outras vezes, faltam palavras, faltam forças para argumentar.

Temos a mania de ludibriar os outros. Fazer de conta, para conquistar um lugar. Não percebo porquê fazer tamanho esforço, quando, de facto, não há a pretensão de ficar. E, numa história lugar-comum, sempre fazemos como as crianças, e avisamos quando temos feridas a curar. Dizemos onde dói, e um alarmante “não toques aí!”. E, tal como crianças travessas que todos somos, é justamente onde vamos apertar, mal tenhamos essa oportunidade. É cruel. É feito por um coração negro. E deixa outro coração mais negro ainda.

Há corações negros em demasia. Tantos que se pudéssemos ver o coração, no sentido, obviamente, figurado, de quem nos cruzamos, iriamos perceber que é algo como olhar para uma floresta queimada pelo fogo. E cravejada de sal. Está estéril.

Sempre tive como máxima acreditar nas pessoas. Porque, enfim, gosto que acreditem em mim, em todos os sentidos, por isso acho justo.

Tendencialmente é confundido com excessiva devoção e ingenuidade. Não me tomem por lorpa. Aliás, quem o é? Sabemos quase sempre.

Outra história lugar-comum é alguém que conhece outro alguém, que julga diferente de todos os alguéns que jamais pisam o mundo. Que olha diferente de todos os olhares. Que ouve com ultra-som. Que tem, enfim, um interior que vale a pena conhecer. E depois de aberto o peito, de expostas as entranhas, descobrimos um coração negro, que deixa o nosso mais negro.

Dia após dia mais negro. Menos crente. Menos palpitante. Dia atrás de dias, noite atrás de noite, até que só reste cinza, e nada mais em que acreditar.

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